Novos estudos atestam que tirar uma soneca após o
almoço previne infartos, turbina a memória e melhora o raciocínio, entre outros
benefícios
Em tempos de guerra ou paz, o primeiro-ministro
britânico Winston Churchill (1874-1965) não abria mão de tirar um cochilo,
sempre por volta das 17 horas. Depois de uma hora e meia de soneca, ele tomava
banho, jantava e continuava a trabalhar até a 1 da manhã. No dia seguinte, às
7h30 em ponto, retomava a rotina. “Quem adere ao hábito ganha dois dias em vez
de um”, costumava dizer. No Brasil, quem incorporou o costume foi o sociólogo
Fernando Henrique Cardoso. Quando era presidente da República, gostava de pegar
um livro ou jornal e dar uma boa cochilada de 15 a 20 minutos em um sofá
qualquer do Palácio da Alvorada, em Brasília. “Faz um bem danado”, relatou FHC
em 1998.
Parece conversa pra boi dormir, mas o fato é que a
ciência assina embaixo. A mais nova pesquisa a confirmar o efeito benéfico do
cochilo vespertino vem do Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, e foi
publicada na revista médica Heart.
A equipe da epidemiologista Nadine Häusler monitorou
os hábitos de sono e o prontuário de aproximadamente 3 400 voluntários com
idade entre 35 e 75 anos. Passados cinco anos, ela concluiu que tirar uma
pestana uma ou duas vezes por semana reduz em até 48% o risco de eventos
cardiovasculares, a exemplo de infartos e AVCs.
“Quando você dorme pouco ou mal à noite, cochilos
ocasionais são uma forma de compensação fisiológica que diminui o nível de
estresse”, explica a estudiosa.
Cochilar por alguns minutos, de preferência na parte
da tarde, não faz bem só ao coração. O cérebro, principalmente o dos idosos,
também fica feliz da vida. É o que revela outro estudo, este realizado pela
Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e publicado no periódico
Journal of the American Geriatrics Society.
No trabalho, cerca de 2 900 chineses com mais de 65
anos tiveram que, entre outras tarefas, resolver equações matemáticas,
memorizar sequências de palavras e responder a perguntas do tipo “Em que
estação do ano estamos?”.
Segundo a médica e coordenadora da investigação,
Junxin Li, os que cochilavam cerca de 30 minutos, até por volta das 16 horas,
foram os que apresentaram melhores resultados.
Não faltam evidências para legitimar as vantagens do
relaxamento pós-prandial — prandium, em latim, quer dizer almoço. Até a Nasa
recomenda a soneca a pilotos e astronautas.
Segundo um experimento da agência espacial
americana, quem faz um repouso de uns 20 minutos depois da principal refeição
do dia tem sua capacidade de raciocínio e memória aumentada em 34% e sua
habilidade para tomar uma decisão acertada sobe 54%.
Mas, cá entre nós, será que dá para descansar o
esqueleto em tão pouco tempo? A resposta é sim! “Cochilos curtos, de 15
minutos, são suficientes para causar um ‘reset’ no corpo e no cérebro”, afirma
a pediatra Lucila Prado, do Departamento Científico do Sono da Academia
Brasileira de Neurologia.
Quanto tempo o cochilo deve durar
O sono nosso de cada dia, explicam os cientistas,
tem quatro estágios: 1, 2, 3 e REM — sigla para rapid eye movement, ou
movimento rápido dos olhos. Do estágio mais superficial ao mais profundo, o
ciclo total dura de uma hora e meia a duas e se repete quatro ou cinco vezes ao
longo da noite.
O ideal é cochilar apenas 15 minutos, mas, se houver
tempo, estique até, no máximo, duas horas. Mais que isso, você pode acordar
grogue, irritadiço e mal-humorado. Ou pior: ter dificuldade para pegar no sono
mais tarde.
Por essas e outras, a neurologista Andrea Bacelar
não recomenda a prática a qualquer um. “Apenas a quem trabalha em turnos ou não
dorme o suficiente à noite”, ressalva ela, que é presidente da Associação
Brasileira do Sono.
A soneca perfeita
O lugar: deve ser silencioso e climatizado. Na falta
de um local assim, que tal a sala de reuniões vazia? Em último caso, até um
pufe ou uma cadeira reclinável podem ajudar.
A luminosidade: vale fechar cortinas ou persianas.
Agora, se não for possível deixar o ambiente escolhido mais escurinho, recorra
a uma máscara de dormir.
O barulho: protetores auriculares podem ser úteis
para barrá-lo. Outra sugestão é utilizar fones e ouvir música clássica ou até
um barulhinho de cachoeira.
A duração: bastam 20 minutinhos. Mas, se conseguir,
capriche: de 90 minutos a duas horas. Mais que isso, você pode acordar grogue e
irritado. Use o despertador.
O período: o melhor é cochilar logo após o almoço,
de preferência entre as 13 e as 15 horas. Evite tirar sonecas no fim do dia
para não atrapalhar o sono principal.
A hora da sesta
Na Espanha, siesta. No Japão, inemuri. Nos Estados
Unidos, power nap. São muitos os países que, por razões culturais ou não,
adotam o hábito de fazer um repouso pós-almoço. A nomenclatura varia de um
lugar para outro.
Na Espanha, o termo siesta se refere à sexta hora do
dia. Para os latinos, o dia começava às 6 da manhã. Logo, a sexta hora era ao
meio-dia. No Japão, ser pego cochilando no trabalho não significa demissão — em
alguns casos, pode dar promoção! É o chamado inemuri, ou “dormindo em serviço”.
Uma prova de que o funcionário veste a camisa da empresa.
Para os americanos, soneca virou power nap, ou
“cochilo poderoso”. O termo foi criado em 1999 pelo psicólogo James B. Maas, da
Universidade Cornell.
“Seu corpo está com fome de sono, mas, durante o
dia, você não pode fazer uma refeição completa? A solução é servir um lanche
muito saboroso chamado soneca”, compara o autor de Power Sleep (clique para
comprar), Sleep for Success e Sleep to Win, entre outros livros.
No Brasil, a moda não pegou. “Não sai barato criar
um cochilódromo em uma empresa. Demanda investimento. Além disso, para muitos
empresários, o hábito é sinônimo de preguiça. É preciso vencer esse
preconceito”, avalia Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de
Recursos Humanos.
Por enquanto, dá para contar nos dedos as empresas
que disponibilizam espaços aconchegantes para os funcionários relaxarem um
tempinho.
“Mas os
benefícios do cochilo para a saúde do trabalhador são incontáveis”, afirma
Rosylane Rocha, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalhador.
“Melhora o humor, estimula a criatividade e aumenta a produtividade”, cita.
Desde 2010, a Locaweb, empresa de hospedagem de
sites, oferece pufes confortáveis em local arborizado. Em média, 30
colaboradores usam o serviço todo dia. “Funcionários descansados produzem
mais”, crava Simony Fernanda, gerente de Gente & Gestão da companhia.
Na farmacêutica Novartis, o balanço também é
positivo. A cabine do sono, inaugurada em fevereiro, faz parte do espaço
Energized, que inclui sala de meditação e cadeiras de massagem. Todos os meses,
160 funcionários desfrutam da novidade durante 15 a 20 minutos.
“Contribui para um melhor aprendizado e uma execução
mais eficiente das tarefas”, garante Júlia Fernandes, diretora de Pessoas e
Organização do grupo.
Se a empresa onde você trabalha não proporciona uma
área apropriada, o jeito é improvisar: procure um lugar sossegado para a
soneca. Pode ser uma sala de reuniões vazia ou o interior do carro — dentro do
estacionamento, claro. O ideal é que o ambiente seja escuro, climatizado e
silencioso. Se não for, máscaras de dormir e tampões de ouvido dão uma força.
Mas atenção: sonolência excessiva durante o dia pode
ser sintoma de algum distúrbio do sono. “No caso dos adultos, são indicadas de
sete a nove horas de sono. Se o indivíduo dorme esse tempo e mesmo assim sente
uma sonolência que atrapalha suas atividades diárias, ele deve procurar um
especialista”, aconselha a médica Luciana Palombini, do Instituto do Sono, em
São Paulo.
Um cochilo pode fazer maravilhas. Mas só quando você
não é refém dele.
Cochilo próprio para menores
Até os 3 anos de idade, a soneca é obrigatória na
vida dos pequenos. Depois, torna-se opcional. “Hoje em dia, muitas crianças
seguem o ritmo dos pais e acabam sofrendo de privação do sono”, alerta a médica
Simone Fagondes, da Sociedade Brasileira de Pediatria. O mesmo se aplica aos
adolescentes.
E, se o sono noturno deixa a desejar, o cochilo
vespertino pode ser a solução. Mas, aí, não pode passar de 20 minutos. “É como
desligar o carro em um lugar frio. Para o motor pegar novamente, demora à
beça”, compara o neurocientista John Fontenelle Araújo, da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.
Refúgios modernos
Pelo menos cinco cidades já alugam cabines para quem
quer tirar uma soneca no meio do dia: Rio, São Paulo, Campinas, Recife e
Brasília. Na Pausadamente, na capital fluminense, o cliente pode escolher de
luz ambiente a trilha sonora.
Na Cochilo, em São Paulo, são quatro opções de tempo
— 15, 30, 45 e 60 minutos — e os preços variam de 12 a 25 reais. Em 2012, quando
foi inaugurada, eram quatro cabines. Hoje são 37. “Recebemos de seguranças e
estagiários a executivos”, conta Alicia Jankavski, uma das proprietárias.
Já o Siesta Box funciona nos aeroportos de
Guararapes, no Recife, de Viracopos, em Campinas, e Juscelino Kubitschek, em
Brasília.
Fonte: https://saude.abril.com.br/bem-estar/o-que-o-cochilo-faz-por-voce/
- Por André Bernardo - Ilustrações: Leonardo Yorka/SAÚDE é Vital