Para responder a pergunta se a tintura para cabelo é
segura, precisamos entender um pouco a sua história.
Em meados de 1800, o químico inglês William Henry
Perkin sintetizou o primeiro corante não natural, usando alcatrão de carvão.
Sua descoberta revolucionou a indústria têxtil e lançou a indústria
petroquímica. Corantes naturais simplesmente não têm o poder de permanência e
as cores vivas que os artificiais.
Logo depois, August Hofmann, professor de química de
Perkin, percebeu que um corante que havia obtido do alcatrão de carvão formou
uma cor quando exposto ao ar. A molécula responsável era parafenilenodiamina,
ou PPD, a base da maioria dos corantes capilares permanentes hoje.
Embora o cabelo seja uma fibra de proteína, como a
lã, o processo de tingimento de tecidos não pode ser imitado na cabeça. Para
fazer com que a lã absorva um corante, precisa ferver numa solução ácida
durante uma hora. O equivalente para o cabelo é banhá-lo em amônia química. A
amônia separa as camadas protetoras do cabelo, permitindo que compostos
corantes penetrem nele e acessem o pigmento subjacente, a melanina.
Juntamente com amoníaco, as fórmulas dos corantes de
cabelo contêm peróxido de hidrogênio, um agente de branqueamento. O peróxido
serve a dois propósitos: reage com a melanina no cabelo, extinguindo a sua cor
natural, e provoca uma reação entre as moléculas de PPD. A molécula emissora de
cor, presa, permanecerá no cabelo, grande demais para escapar, e a cor natural
aparecerá apenas conforme o cabelo crescer.
No início, químicos perceberam que, se adicionassem
uma molécula secundária, chamada de acopladora, poderiam manipular as
substâncias químicas – um carbono aqui, um par de nitrogênios lá – e
multiplicar as opções de cores que estavam disponíveis com o PPD sozinho. Foram
propostos diferentes métodos, mas os fabricantes de beleza ainda têm que usar o
PPD ou o seu composto relacionado, p-aminofenol, em suas tintas.
E esse é o problema.
O PPD é seguro?
David Lewis, professor da Universidade de Leeds, no
Reino Unido, acredita que o uso do mesmo composto por 125 anos é “louco”.
“Primitivo, arcaico, todas essas coisas vêm à mente. Por que eles persistem em
colocá-lo em cabeças humanas?”, questiona.
Lewis atuou como consultor para empresas de
cosméticos, mas sempre se sentiu desconfortável com a insistência dos
contratantes em usar as mesmas fórmulas oxidativas. Lewis se aposentou há dez
anos para lançar a Green Chemicals, uma empresa que tem como objetivo
desenvolver produtos químicos mais seguros para consumo.
Uma questão é a forma como corantes trabalham: Lewis
diz que as moléculas de cor se tornam “catadoras de elétrons” ao longo do
caminho para a criação de belos cabelos tingidos. Esta necessidade faz com que
elas persigam agressivamente a pele, causando reações alérgicas e
potencialmente prejudicando nosso DNA.
Lewis também está preocupado que a indústria da
beleza tem muito poder sobre a segurança do consumidor. Por exemplo, nos EUA,
em 1979, quando a Administração de Drogas e Alimentos tentou exigir que os
fabricantes de corantes capilares colocassem o seguinte rótulo em seus
produtos: “Atenção – Contém um ingrediente que pode penetrar a pele e tem sido
descoberto por causar câncer em animais de laboratório”, a indústria discordou
e ameaçou processar o órgão americano, de forma que eles recuaram e desistiram
de exigir o aviso.
O ingrediente que potencialmente causa câncer é
4-MMPD, ou 4-metoxi-m-fenilenodiamina, um corante com uma estrutura muito
semelhante ao PPD.
Desde então, tem havido alguma investigação sobre o
risco potencial de corantes. Em 2001, pesquisadores da Universidade do Sul da
Califórnia (EUA) publicaram um artigo no International Journal of Cancer
concluindo que as mulheres que frequentemente tingem os cabelos são duas vezes
mais propensas a desenvolver câncer de bexiga. A Comissão Europeia da Segurança
dos Consumidores avaliou o artigo, considerando-o cientificamente credível e
recomendando que a União Europeia reavaliasse regulamentos da tintura de
cabelo.
Os cientistas que trabalham para a indústria
continuam a salientar que não há estudos epidemiológicos incontestáveis que
mostram um risco significativo de câncer entre as pessoas que colorem os
cabelos – a menos que você olhe para uma população que está exposta a tintura
de cabelo todos os dias, os cabeleireiros. Cabeleireiros têm 5% mais chances de
contrair câncer de bexiga do que a população em geral. Luvas podem diminuir
bastante a exposição a substância cancerígena.
O PPD é proibido na França, Alemanha e Suécia. No
Brasil, é permitido. Até mesmo acetato de chumbo, que não podia ser usado em
tinturas capilares desde 31 de janeiro de 2006, voltou a ser permitido
recentemente em tinturas de cabelo, por decisão da Anvisa. O chumbo é conhecido
por ser tóxico em grandes quantidades, e pode acumular no organismo humano. [DiscoverMagazine, EBC]