“Não acredite
em tudo que se lê na internet” é a máxima do nosso tempo.
Embora as pessoas saibam que muita besteira circula
por aí, alguns fatos são apresentados tão persistente e constantemente que
começam a parecer verdade. Muitos nem sequer procuram saber mais sobre o
assunto – apenas o tomam como verdadeiro.
Neste artigo, queremos corrigir 10 mitos sobre
câncer que aparecem regularmente no cotidiano das pessoas. Aqui, vamos nos guiar
pela evidência, e não pela retórica ou anedota, para descrever o que as
pesquisas realmente mostram sobre o tema:
Mito 1: O câncer é uma doença moderna
Não, o câncer não é uma doença “moderna” criada pelo
homem da sociedade ocidental. Câncer existe há muito mais tempo: foi descrito
milhares de anos atrás por médicos egípcios e gregos, e pesquisadores já descobriram
sinais indicadores de câncer em um esqueleto de 3.000 anos de idade.
Embora seja verdade que as doenças relacionadas com
o estilo de vida moderno aumentem os casos de câncer, o maior fator de risco
para a condição ainda é a idade. Hoje em dia vivemos mais do que vivíamos
antes, então temos mais câncer. Em outras palavras, nosso DNA sofre danos à
medida que envelhecemos, e tais danos podem levar ao câncer.
Também, hoje em dia somos mais capazes de
diagnosticar cânceres, graças aos avanços em imagiologia e patologia, o que
pode fazer parecer que o aumento de casos é maior do que realmente é.
Em resumo: estilo de vida, dieta e outras coisas,
como a poluição do ar, têm um enorme impacto sobre o nosso risco de câncer –
tabagismo, por exemplo, é uma grande causa de câncer -, mas isso não é o mesmo
que dizer que o câncer é uma doença do homem moderno. Há uma abundância de
causas naturais para o câncer – por exemplo, um em cada seis tipos de câncer em
todo o mundo é causado por vírus e bactérias.
Mito 2: Superalimentos previnem o câncer
Mirtilo, beterraba, brócolis, alho, chá verde…
Apesar de milhares de sites afirmarem o contrário, não existe um “superalimento” que cura
câncer.
Esse termo pode ser usado por cientistas para falar
de alimentos nutritivos que podem fazer bem para sua saúde, mas no geral é
usado como marketing para vender produtos sem base científica.
Claro, quanto mais alimentos saudáveis você comer,
melhor. Mas nossos corpos são complexos, o câncer também, e por isso é uma
simplificação grosseira dizer que qualquer alimento por si só poderia ter uma
grande influência sobre a sua chance de desenvolver a doença.
O acúmulo constante de evidência ao longo de várias
décadas de pesquisa aponta que a melhor maneira de reduzir seu risco de câncer
é através de uma série de comportamentos saudáveis a longo prazo, como não
fumar, manter-se fisicamente ativo, manter um peso saudável e evitar bebidas
alcoólicas.
Mito 3: Dietas ácidas causam câncer
Aparentemente, dietas excessivamente “ácidas” tornam
seu sangue muito ácido, o que pode aumentar o risco de câncer. A solução seria
aumentar sua ingestão de alimentos “alcalinos”
mais saudáveis, como verduras e frutas (incluindo, paradoxalmente, limões).
Isso é um absurdo biológico.
Isso é um absurdo biológico.
A acidose é uma condição fisiológica que ocorre
quando os rins e os pulmões não podem manter o pH do seu corpo (uma medida de
acidez) em equilíbrio. Muitas vezes, é o resultado de uma doença grave ou de
envenenamento. Pode ser fatal e precisa de atenção médica urgente – mas não
ocorre por causa de dietas excessivamente ácidas.
É verdade que as células cancerosas não podem viver
em um ambiente excessivamente alcalino, mas nenhuma das outras células no seu
corpo podem também.
O sangue é normalmente ligeiramente alcalino. Isso é
estreitamente regulado pelos rins e não pode ser alterado por qualquer
quantidade significativa de tempo pelo que você come. E, enquanto comer
vegetais é certamente saudável, não é por causa de qualquer efeito na acidez ou
alcalinidade de seu corpo.
Sabemos que o ambiente imediato em torno de células
cancerosas pode se tornar ácido. Isto é devido a diferenças na maneira que os
tumores criam energia e usam oxigênio em comparação com o tecido saudável em
volta dele. Os pesquisadores estão trabalhando para entender como isso
acontece, a fim de desenvolver tratamentos de câncer mais eficazes. No momento,
porém, não há nenhuma evidência para provar que dieta pode manipular o pH do
corpo todo, ou que tem um impacto sobre o câncer.
Mito 4: O câncer gosta de doce
Existe a ideia de que “coisas doces” alimentam o
câncer e, por isso, os pacientes não podem comer nada açucarado. De novo, essa
é uma simplificação grosseira.
O termo “açúcar” aqui funciona como uma pegadinha.
Ele refere-se a uma variedade de moléculas, incluindo açúcares simples
encontrados em plantas, como glicose e frutose. O material branco que você usa
para cozinhar bolos é chamado de sacarose e é feito de glicose e frutose.
Todos os açúcares são carboidratos. E carboidratos –
quer venham de um bolo ou de uma cenoura – são quebrados no nosso sistema
digestivo para liberar glicose e frutose. Estes açúcares são absorvidos pela
corrente sanguínea para fornecer energia para que vivamos.
Todas as nossas células, cancerosas ou não, usam
glicose para produzir energia. Como as células cancerosas geralmente crescem
muito rápido em comparação com as células saudáveis, têm uma demanda
particularmente elevada por este combustível. Há também evidências de que
células doentes usam glicose e produzem energia de uma forma diferente.
Os pesquisadores ainda estão estudando as diferenças
no uso de energia em cânceres em comparação com as células saudáveis, mas, no
geral, o açúcar de bolos, doces e outros alimentos açucarados não alimentam
mais as células cancerosas do que qualquer outro tipo de carboidrato. As
células do nosso corpo simplesmente não escolhem de quais alimentos vão pegar
seu combustível. Nosso organismo converte praticamente todos os carboidratos
que ingerimos em glicose, frutose e outros açúcares simples, que são usados
quando qualquer célula precisa de energia.
Mito 5: O câncer é um fungo e bicarbonato de sódio é
a cura
Essa “teoria” vem da observação de que “o câncer é
sempre branco”. Problema: o câncer não é sempre branco.
Claro, outra dificuldade óbvia dessa ideia é que as
células cancerosas claramente não têm origem fúngica. Mesmo esquecendo tal
aberração, apenas alguns tumores são brancos – até uma pesquisa no Google pode
mostrar isso.
Os defensores dessa teoria dizem que o câncer é
causado por uma infecção do fungo Candida, e que os tumores são, na
verdade, a tentativa do corpo de proteger-se da infecção.
Não há nenhuma evidência disso. Muitas pessoas
perfeitamente saudáveis podem ser infectadas com Candida. Normalmente, o
nosso sistema imunológico consegue controlar o fungo. Casos mais graves só
ocorrem em pessoas com sistemas imunológicos comprometidos, como pessoas com
HIV.
A “solução simples” de injetar bicarbonato de sódio
nos tumores é absurda. Isso não é nem mesmo o tratamento utilizado para tratar
infecções fúngicas comprovadas. Aliás, há boas evidências de que altas doses de
bicarbonato de sódio podem levar a consequências graves, mesmo fatais, em seres
humanos.
Alguns estudos sugerem que o bicarbonato de sódio
pode afetar cânceres transplantados em ratos ou em células cultivadas em
laboratório, através da neutralização da acidez no microambiente em torno de um
tumor.
Pesquisadores americanos também estão fazendo um
pequeno ensaio clínico para investigar se cápsulas de bicarbonato de sódio
podem ajudar a reduzir a dor do câncer, mas somente isso.
É muito difícil que isso se torne uma cura para o
câncer em humanos. Uma dose de cerca de 12 gramas de bicarbonato de sódio por
dia (com base em um adulto de 65 kg) só seria capaz de neutralizar o ácido
produzido por um tumor de aproximadamente um milímetro cúbico de tamanho. Doses
de mais de cerca de 30 gramas por dia podem causar graves problemas de saúde.
Mito 6: Há uma cura milagrosa para o câncer
De maconha a café, a internet está repleta de vídeos
e histórias pessoais sobre curas “naturais” e “milagrosas” para o câncer.
Em muitos casos, é impossível dizer se os pacientes
apresentados em tais fontes foram mesmo “curados” por qualquer tratamento
alternativo particular ou não. Não sabemos nada sobre o seu diagnóstico médico,
fase da doença ou perspectiva de vida, ou mesmo se eles realmente tinham câncer
em primeiro lugar. Também não sabemos que outros tratamentos de câncer eles já
fizeram, e quais condições subjacentes podiam ter.
Além disso, só ouvimos as histórias de sucesso – o
que acontece com as pessoas que tentaram e não sobreviveram? Os mortos não
podem falar, e muitas vezes as pessoas que fazem afirmações ousadas de curas
“milagrosas” só mostram seus melhores casos, sem apresentar as falhas do
“tratamento”.
Isso destaca a importância da publicação de dados
revisados, vindos de laboratórios de pesquisa científica rigorosos, com ensaios
clínicos sérios. Em primeiro lugar, porque a realização de estudos clínicos
adequados permite aos pesquisadores provar que um tratamento para câncer em
potencial é seguro e eficaz. E em segundo lugar, porque a publicação desses
dados permite que médicos de todo o mundo julguem por si mesmos os benefícios
de tais opções para seus pacientes.
Este é o padrão que todos os tratamentos de câncer
devem seguir.
Isso não quer dizer que o mundo natural não seja uma
fonte de potenciais tratamentos, da aspirina (casca de salgueiro) à penicilina
(mofo).
Por exemplo, uma droga para o câncer foi primeiro
extraída a partir da casca de árvores teixo – mas isso é diferente de dizer que
você deve mastigar a casca para combater um tumor. É um tratamento eficaz
porque o ingrediente ativo foi purificado e testado em ensaios clínicos.
Mito 7: A indústria farmacêutica esconde a cura
De mãos dadas com a ideia de que há uma infinidade
de “curas milagrosas” vai a ideia de que os governos, a indústria farmacêutica
e até mesmo instituições de caridade estão conspirando para esconder a cura
para o câncer porque fazem muito dinheiro com tratamentos existentes.
Seja qual for a “cura”, a lógica é geralmente a
mesma: é facilmente disponível, barata e não pode ser patenteada, por isso a
indústria a esconde para fazer dinheiro com outro remédio.
Não há dúvida de que a indústria farmacêutica tem
uma série de problemas com transparência e ensaios clínicos. Ela precisa ser
vigiada para termos certeza de que lança drogas eficazes a um preço justo no
mercado.
Mas problemas com a medicina convencional não provam
automaticamente que existem curas alternativas. Para usar uma metáfora, apenas
porque carros às vezes falham não significa que tapetes voadores são uma opção
de transporte viável e a indústria automobilística está escondendo isso.
Simplesmente não faz sentido que as empresas
farmacêuticas queiram “suprimir” uma cura potencial. Encontrar uma terapia
altamente eficaz garantiria vendas enormes em todo o mundo. O argumento de que
os tratamentos não podem ser patenteados não se sustenta. Empresas
farmacêuticas não são estúpidas, e há sempre maneiras de patentear um
tratamento.
Também é importante ressaltar que instituições de
caridade e cientistas financiados pelo governo podem investigar tratamentos
promissores sem fins lucrativos. Por que eles, que muitas vezes prescrevem
genéricos, ou seja, medicamentos sem patente, não usariam tratamentos baratos
se estes existissem?
Além do mais, cientistas, membros de intuições de
caridade e mesmo grandes empresários farmacêuticos também são atingidos pelo
câncer, e morrem da doença. Seria meio louco pensar que eles gostam tanto de
dinheiro que morrem por ele, ao invés de se curar da condição.
Mito 8: O tratamento do câncer mata mais do que cura
Quimioterapia, radioterapia ou cirurgia – o
tratamento para o câncer não é fácil, não é gostoso, e às vezes não funciona.
Cirurgia ainda é o tratamento mais eficaz que temos
para o câncer, desde que seja diagnosticado cedo o suficiente para uma operação
ser feita. Radioterapia ajuda a curar mais pessoas do que drogas contra o
câncer. A quimioterapia e outras drogas de câncer têm um papel muito importante
ajudando ou a curar a doença, ou a prolongar a sobrevivência do paciente.
Apesar disso, baboseiras como a “quimioterapia é
apenas 3% eficaz” ainda são lidas por aí. Claro que isso é mentira.
É importante ressaltar que, em um número crescente
de casos, as drogas funcionam. Por exemplo, mais de 96% de todos os homens hoje
são curados de câncer testicular, em comparação com menos de 70% na década de
1970, graças em parte a uma droga. E três quartos de crianças com câncer são
curadas agora, em comparação com cerca de um quarto na década de 1960, a
maioria delas diretamente graças à quimioterapia.
Sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer
até que tenhamos tratamentos eficazes para todos os tipos de câncer. É
importante que os médicos, os pacientes e suas famílias sejam realistas e
honestos sobre as melhores opções de tratamento, especialmente quando o câncer
está muito avançado. Mas uma coisa é certa: piorar a doença, o tratamento não
vai.
Mito 9: Nós não fizemos nenhum progresso no combate
ao câncer
Isso simplesmente não é verdade. Graças aos avanços
na pesquisa e a melhora nas informações, houve uma redução da mortalidade do
câncer por causas mal definidas no Brasil nos últimos anos, por exemplo.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também
divulgou números que compreendem o período entre 1987 e 2009 que revelam queda
nas taxas de incidência e mortalidade de alguns tipos de câncer em todo o país.
A maior redução no número de novos casos e óbitos aconteceu em Curitiba: 9,4%
menos mortes, 7,9% menos casos.
Claro, ainda há muito o que se fazer. Existem alguns
tipos de câncer onde o progresso tem sido muito mais lento, como o de pulmão,
cérebro, pâncreas e esôfago. É por isso que estamos trabalhando duro para
diagnosticá-los mais cedo, onde as chances de cura são maiores.
Mito 10: Tubarões não têm câncer
Há uma série de mitos por aí sobre o mundo marinho,
mas, de longe, o pior é a noção de que os tubarões não desenvolvem câncer. Esta
declaração simplesmente falsa levou ao abate de milhões de tubarões através da
indústria de pílulas de cartilagem, que são vendidas para pacientes
desesperados sob o pretexto absolutamente enganoso de que podem ajudar a
reduzir ou curar sua doença.
O mito começou na década de 1970, quando Henry Brem
e Judah Folkman da Universidade Johns Hopkins (EUA) disseram que a cartilagem
de tubarão impedia o crescimento de novos vasos sanguíneos nos tecidos. Esta
criação de um suprimento de sangue, chamada angiogênese, é uma das principais
características de tumores malignos, já que células que se dividem rapidamente
precisam de muitos nutrientes para continuar crescendo. Não é chocante, então,
que a angiogênese seja um alvo comum de terapias contra o câncer.
Só que a cartilagem de tubarão não cura ou trata o
câncer de qualquer forma, nem mesmo em ratos. Essa foi a conclusão de pelo
menos três estudos aprovados pela Administração de Drogas e Alimentos
americana, o último publicado em 2010. A ingestão de extrato de cartilagem de
tubarão não teve absolutamente nenhum efeito positivo sobre cânceres que variavam
em tipo e gravidade em todas as pesquisas.
E, no caso de não ter ficado claro, tubarões têm
câncer sim. Casos da doença já foram registrados nos animais. Não há nem mesmo
qualquer evidência para dizer que eles desenvolvem menos câncer que a gente, já
que ninguém analisou sistematicamente as taxas da doença nessa população
marinha. Assim, qualquer afirmação que sugira que os tubarões são resistentes
ao câncer é mentirosa. [IFLS, MinhaVida, INCA]