Em tempos de pandemia e isolamento social, parece que fica ainda mais difícil se distanciar do aparelho celular
Estamos cada vez mais conectados. Nosso tempo offline
é cada vez menor, seja por necessidades do trabalho, seja porque nos sentimos
atraídos pelas redes sociais. E em tempos de pandemia e isolamento social,
parece que fica ainda mais difícil se distanciar do aparelho celular.
Essa relação, no entanto, pode acabar se tornando
prejudicial, e um "detox digital" pode trazer benefícios. Nos últimos
tempos, celebridades como as cantoras Lorde, 24, Luísa Sonza, 23, e Karol
Conká, 35, contaram que se afastaram do telefone por um período, para fugir dos
haters ou simplesmente para retomar o controle do tempo e construir uma relação
mais saudável com a internet.
Foi mais ou menos isso que buscou a consultora de
imagem Mayumi Ichiura: retomar o controle do próprio tempo. Aos 25 anos, ela
conta que não estava conseguindo separar a vida pessoal do trabalho e, por
isso, resolveu que desligaria o celular e o notebook aos sábados e domingos,
durante três meses.
"Percebi que mesmo no final de semana eu estava
trabalhando", diz. "Minha solução foi desligar o celular, porque eu
estava no automático." Ela lembra que, de tão conectada, acabou se
distanciando da própria família. "Não percebi tantas coisas que estavam
acontecendo ao meu redor, como o crescimento da minha filha", diz ela
sobre a criança, de 1 ano e dois meses.
Mayumi diz que, após se submeter ao detox digital, até
sua performance no trabalho melhorou. "Me ajudou a estabelecer
metas", afirma. E conta que aprendeu a aproveitar melhor cada momento.
"Lembrei que eu gostava de ver séries, ler livros e ficar com a minha
família."
Segundo uma pesquisa realizada pela Kantar, o Brasil é
um dos países em que as pessoas mais passam tempo no celular. De acordo com o
levantamento, os brasileiros gastam 4,2 horas por dia no aparelho, em média.
A estudante Caroline Coelho, 22, diz que já costumava
ficar um ou dois dias sem mexer no aparelho, mas decidiu que faria um detox
mais significativo, de um mês, durante o isolamento social. "Eu estava me
sentindo cansada de ficar me comunicando com as pessoas através da
internet."
Caroline conta que no início se sentiu deslocada e
chegou a pensar se valeria a pena insistir no detox, mas hoje reconhece os
benefícios -ela diz, por exemplo, que se sentiu até mais disposta para fazer
outras atividades. "Foi um momento em que comecei a me aproximar mais das
artes, uma coisa que sempre gostei muito de fazer", pontua, sobre ter
voltado a desenhar.
Não existem fórmulas prontas no processo de reeducação
digital, e cada um deve buscar os meios que melhor atendam às suas
necessidades. A professora e estudante de psicologia Glaucia Sena, 29, por
exemplo, dividiu seu detox em duas etapas. Na primeira, que durou 15 dias, ela
manteve apenas os aplicativos essenciais em seu aparelho. "Exclui as redes
sociais e fiquei apenas com o WhatsApp, porque preciso para trabalhar",
conta.
Já na segunda etapa, ela agora tenta reduzir o uso do
aparelho no dia a dia, deixando o celular fisicamente longe. E conta também com
o auxílio de aplicativos que regulam o tempo de uso.
A professora usa a expressão "sobrecarga
digital" para resumir o cansaço que sentia por passar muito tempo
conectada a aparelhos eletrônicos. "O tempo que eu tinha para fazer coisas
legais eu ficava na frente do celular", relembra. "Comecei a me
sentir preguiçosa e com a vista mais cansada."
Glaucia conta que hoje tenta não mexer no celular nos
períodos da tarde e da noite, e aos finais de semana também evita o aparelho,
principalmente na sexta e no sábado. Para reduzir o uso, ela também foca em
outras atividades, como passear com sua cadela, praticar meditação e exercício
físico e cuidar de seu jardim vertical. "A questão do cuidado com as
plantas me ajudou."
Além disso, a professora diz que voltou a pintar.
"Fiz aula de pintura de tecido ainda criança, lá pelos 10, 12 anos. Nessa
faixa etária mudei de escola e as dificuldades aumentaram, então precisei
priorizar os estudos 'obrigatórios' ,mas a pintura era algo que eu gostava de
fazer", relembra.
Ela conta ainda que, antes do detox, buscava no
celular algo que a preenchesse, e escrever seus sentimentos em um papel também ajudou.
"Às vezes não sabemos o que estamos procurando, então escrever colaborou
neste sentido."
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
O psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira, 42,
afirma que os aparelhos celulares são desenvolvidos de forma a prender a atenção
do usuário. "Existe o termo nomofobia, que é o medo de ficar sem o
celular. Uma fobia que acomete aqueles que desenvolvem uma relação de adição
com o eletrônico."
Pesquisadora de educação digital, Denise Lourenço, 41,
acrescenta que as redes sociais e demais aplicativos são "repletos de
reforços positivos sutis que desencadeiam liberação de dopamina",
neurotransmissor ligado à motivação e ao prazer.
Segundo ela, o "viciante" é o inesperado
-por exemplo, quando alguém publica uma foto em uma rede social e fica na
expectativa de que uma pessoa especial possa deixar uma curtida ou um
comentário. "É saber que algo pode acontecer, sem saber quando ou se, de
fato, vai acontecer", completa Denise.
Nogueira afirma que o vício em celular pode prejudicar
a qualidade das relações sociais, bem como a capacidade de concentração e o
desenvolvimento de pensamentos complexos. "Tudo vai sendo minado por
recursos que são imediatos de estímulo de respostas. As pessoas começam a ficar
presas nesse tipo de interação", diz.
E lembra, ainda, que usar o celular durante a noite
prejudica a produção de melatonina, substância ligada ao ciclo biológico de
sono e vigília, que no organismo é produzida na ausência de estímulos
luminosos. "Há uma piora do sono quando usamos telas à noite, próximo [do
horário] de dormir", diz Nogueira.
O psicólogo afirma que, em momentos de estresse,
algumas pessoas recorrem ao aparelho em busca de uma descarga de tensão
imediata. "Quando você fica sem o celular, a dificuldade é aguentar o
acúmulo de tensões e problemas complexos. Precisamos ter a capacidade psíquica
para suportar [os desafios], e desenvolvemos isso na vida real mesmo."
Segundo ele, é necessário avaliar se o uso do aparelho traz algo significativo.
"Precisamos realmente não ficar dependentes de nada, seja do que for. A
vida é dura, não há existência sem sofrimento."
Uma relação positiva com a internet requer reeducação.
É o que sugere a pesquisadora Denise. "É urgente repensar a relação que
temos com os aplicativos e estabelecer não apenas jejuns regulares, mas
estratégias para evitar o vício."
Fonte: https://www.noticiasaominuto.com.br/brasil/1841766/uso-excessivo-do-celular-prejudica-as-relacoes-e-a-concentracao
- MARIANA ARRUDAS - Notícias ao Minuto Brasil - © istock