Uma das melhores lembranças que tenho da minha
infância e da juventude era de assistir a filmes, principalmente no Cine Santo
Antônio, e provavelmente da maioria dos itabaianenses que nasceram algumas
décadas atrás. Os meus filmes preferidos eram os de cowboy com Django, Sartana
e Ringo eternizados por suas músicas orquestradas, Mazzaropi, Tarzan e os chineses
de lutas e espada.
Para os
que não conheceram ou frequentaram o Cine Santo Antônio, também conhecido como
cinema do padre, ele ficava no Edifício Pio XII na Praça João Pessoa que também
teve o estúdio da Rádio Princesa da Serra AM a partir de 1978, onde hoje é o
Supermercado Nunes Peixoto. O Cine Santo Antônio era enorme com cadeiras de
madeira e acolchoadas. Nas laterais ficavam algumas portas grandes e largas, em
cada lado existia um corredor onde as pessoas ficavam se refrescando nos dias
de calor enquanto aguardavam o início do filme ou batendo papo com os amigos.
O Cine
Santo Antônio foi marco cultural de Itabaiana, porque além de exibir filmes
também cedia seu espaço para eventos tais como: shows com cantores nacionais,
de calouros e político, a exemplo do lançamento da candidatura de Djalma Lobo
para deputado estadual.
Os filmes
eram exibidos à noite e na matinê aos domingos. Quando o público era
insuficiente, o dinheiro do ingresso era devolvido, isso aconteceu algumas
vezes na sessão do domingo à tarde. Na frente do cinema eram colocados cartazes
do filme em exibição e lançamentos. Quando a pessoa passava pela portaria
adentrava a um salão onde ficavam expostos cartazes de filmes e do lado direito
tinha uma bomboniere que vendia balas, chicletes, drops, pipocas, pirulitos e guloseimas
em geral. Um funcionário, Queixinho, era quem colocava os cartazes dos filmes,
inclusive em alguns pontos do centro da cidade, a exemplo do Bar Simpatia.
Enquanto
o público aguardava o início da película, ouvia músicas orquestradas transmitidas
nas caixas de som do cinema. Na matinê, as portas laterais eram fechadas para
que o ambiente ficasse escuro e a noite as portas ficavam abertas, e quando as
luzes eram apagadas, as pessoas gritavam de euforia pelo início do filme. No
início, passava um documentário do Canal 100, principalmente sobre o futebol,
depois passava os trailers de filmes que entrariam em cartaz e finalmente
iniciava o filme. Era comum ao término do filme, as pessoas ficarem olhando o
cartaz e as fotos na frente do cinema para relembrar das cenas.
De tanto
frequentar o Cine Santo Antônio ainda tenho lembranças dos funcionários que
trabalharam no período a exemplo do gerente João Carteiro, que morava próximo a
minha casa, Antônio Santana do Dnocs e seu filho Dode, ambos trabalharam na
bilheteria e portaria, Oseas e Mané Roló como porteiros e Roberto, mais
conhecido como filho de Deus, operador de máquina, o que passava o filme e
Queixinho.
Comecei
assistir a filmes no cine Santo Antônio no final da década de 60 até o início
dos anos 90 quando o mesmo parou de exibir as produções cinematográficas. A
partir desta data, Itabaiana ficou sem um cinema por causa da febre das
locadoras de filmes e dos videocassetes e posteriormente dos DVDs, já que quase
todo mundo possuía um em sua casa.
Tenho
lembranças de algumas situações que ocorriam durante as exibições de filmes
como: quando a fita do filme quebrava, o operador acendia as luzes enquanto a
consertava, e as pessoas impacientes pela demora ficavam batendo as cadeiras de
madeira até o reinício da exibição; igualmente ocorria quando faltava energia
durante a apresentação, e que às vezes a energia não retornava e as pessoas recebiam
o ingresso para voltar outro dia; quando o filme era ruim as pessoas se
levantam e iam embora antes do término, geralmente o filme ficava um dia em cartaz,
mas quando era bom, ficava a semana toda em exibição; em algumas datas
especiais, a exemplo da Sexta-feira Santa, o filme passava em duas sessões
seguidas com um ingresso apenas para quem quisesse assistir.
Teve uma
época que bastava mudar o cartaz e eu ia para o cinema, para isso, ganhava
alguns trocados pegando carrego com a carroça de mão para Tonho cacetinho, que
tinha uma bodega na esquina do Grupo Escolar Guilhermino Bezerra, e ao fazer compras
no mercadinho me chamava para ir buscá-las. Também ajudei no bar de Gleide de
Dedé de Tutu nos finais de semana para ganhar algum dinheiro e poder ir ao
cinema. Meu pai, Josias Costa, morreu quando eu tinha 10 anos e minha mãe
recebia a pensão e também trabalhava de costureira, e o dinheiro era
pouco. Certa vez, pedi dinheiro a ela
para assisti o filme de Mazzaropi, mas como não tinha, disse que se recebesse o
dinheiro de uma costura até à noite me daria, mas com uma condição, eu tinha
que varrer o quintal. Assim o fiz, e
depois do café, naquela época não falava jantar, a freguesa pagou-lhe e assim
que ela me deu o dinheiro, saí correndo para o cinema, pois sabia que seria
casa lotada. Comprei o ingresso, entrei e sentei em uma cadeira de madeira próxima
ao corredor do lado direito e ao lado de uma cadeira vazia, foi quando chegou
um casal e propôs comprar o meu lugar com o dinheiro correspondente a do
ingresso, aceitei e assisti ao filme sentado no batente de uma das portas. Enquanto
assistia ao filme, fiquei pensando no que fiz, pois deixei de sentar em um
lugar confortável, e que, talvez, mãe tivesse feito um sacrifício em me dá o
dinheiro. Ao chegar em casa, mãe estava costurando, coloquei a mão no bolso da
bermuda e entreguei o dinheiro a ela que perguntou se eu não tinha ido ao
cinema, e respondi que sim. Contando o que tinha acontecido, ela me entregou o
dinheiro e disse que era meu e gastasse como quisesse.
No palco
do cine Santo Antônio, apresentavam-se vários cantores de renome nacional da
época e eu assisti a alguns shows, entre eles, o de Ronnie Von, Marcio Greyck,
Perla paraguaia, Waldick Soriano que geralmente eram acompanhados por seus
violinistas e pelas bandas sergipanas Brasa 10 e Los Guaranis. Uma lembrança
que tenho de um show foi quando eu ia para o cine Santo Antônio e ao passar no
bar de João Marcelo, na Praça João Pessoa, vi Waldick Soriano tomando algumas
doses de cachaça. Ele deve ter gostado bastante, pois comprou algumas garrafas
e ao passo que caminhava, ia cumprimentando as pessoas que cruzavam com ele
pela praça. Vizinha ao cinema, ficava a casa de Zeca Titia onde o cantor pediu
para que guardassem as garrafas dele até o término do show. Durante um desses
shows, o cantor oportunizou a Queixinho que cantasse para o público com o seu
violão, já que o mesmo gostava muito de cantar, mas infelizmente o itabaianense
não alcançou a profissão.
Também assisti filmes no Cine Arrojado, que ficava
na Rua Barão do Rio Branco, atualmente Lucy Decorações, e sem pagar, já que
Arrojado era amigo do meu pai e também me conhecia, pois eu vendia a serviço
dele, os escapulários de Nossa Senhora do Carmo, na Praça Fausto Cardoso, na
comemoração do dia da santa. O cinema era muito simples com um espaço dividido
para exibição de filmes e venda de frutas. O cinema tinha alguns bancos de
madeira, as pessoas que chegavam atrasadas assistiam ao filme sentadas no chão
ou de pé.
No cine Popular, situado na Rua 13 de maio, onde
atualmente é a Rádio Princesa da Serra AM, assisti a poucos filmes, mas o que
mais me marcou foi O exorcista, filme de terror, e apesar de não ter a idade
exigida pela censura que era de 14 anos, o porteiro me conhecia e permitiu a
minha entrada. O Cine Popular era pequeno e tinha dois pavimentos para o
público, o maior, que ficava no térreo e o menor, na parte superior. Os cinemas
Santo Antônio e Popular eram do empresário José Queiroz da Costa, que também
tinha alguns cinemas em Aracaju.
Atualmente,
Itabaiana possui salas de cinema no shopping Peixoto, mas eu não fui ainda assisti um
filme, talvez pela facilidade de ver filmes em casa pela netflix, youtube, sky,
dvd, computador ou tv, eu sei que não é a mesma coisa, mas nada comparado a
simplicidade e o glamour de frequentar o Cine Santo Antônio algumas décadas
atrás. Que saudades dos tempos que não voltam mais…
Por Professor José Costa