O quarto moderno é cheio de luzes e dispositivos
eletrônicos, de monitores de computador a rádios-relógio, além, é claro, do
quase onipresente smartphone vibrando e brilhando ao lado da cama. O que a
ciência tem a nos dizer, no entanto, é
que a exposição crônica à luz durante a noite leva a uma série de problemas de
saúde.
Para entender por que a exposição crônica à luz
durante a noite é tão ruim, é preciso considerar a evolução humana. Antes do
fim da Idade da Pedra, os seres humanos só eram expostos a dois tipos
diferentes de luz natural, responsáveis pela regulação do ritmo circadiano –
durante o dia, tinha o sol, enquanto à noite, havia a lua e as estrelas, e
talvez a luz de fogueiras. Esse padrão binário
de dia/noite configurava toda a nossa programação biológica.
Hoje, temos iluminação artificial à noite (IAN).
Essa iluminação interior é consideravelmente menos potente do que a luz solar,
mas ainda muitas ordens de magnitude maior do que a luz das estrelas e do luar
– uma diferença que influencia uma série de reações bioquímicas críticas
ligadas a periodicidade de luz, incluindo a produção de cortisol e melatonina.
A melatonina, o sono e a saúde
Supressão de melatonina é chave para entender muito
do porquê IAN faz mal para nós. Este composto bioquímico é produzido pela
glândula pineal do cérebro durante a noite, quando está escuro, para regular o
nosso ciclo de sono-vigília.
Ele reduz a pressão arterial, os níveis de glicose e
a temperatura do corpo – respostas fisiológicas que são as principais
responsáveis por
um sono reparador.
A parte do cérebro que controla o relógio biológico
é o núcleo supraquiasmático (SCN), um grupo de células no hipotálamo. Estas
células respondem aos sinais claros e escuros. Os nervos ópticos em nossos
olhos percebem a luz e transmitem um sinal para o SCN, dizendo ao cérebro que é
hora de acordar.
Esses sinais também iniciam outros processos, como o
aumento da temperatura corporal e a produção de hormônios como o cortisol (o do
estresse). Os nossos níveis de cortisol são relativamente baixos durante a
noite, permitindo-nos dormir, e mais elevados durante o dia, permitindo a
estabilização dos níveis de energia e a modulação da função imunológica.
IAN eleva os níveis de cortisol à noite, o que
perturba o sono e apresenta uma série de problemas relacionados com os níveis
de gordura
corporal, resistência à insulina e inflamação sistêmica. Também contribui
para um sono ruim e uma interrupção da neuroregulação do apetite.
Quando os quartos ficam totalmente escuros à noite,
nenhum sinal óptico é enviado para o SCN, de forma que os nossos corpos
produzem a melatonina necessária. A exposição à luz ambiente durante as horas
normais de sono suprime os níveis de melatonina em mais de 50%.
E, só para aumentar os problemas, muitos
dispositivos modernos emitem luz azul de LEDs, que é especialmente eficaz na
supressão de melatonina. Isto porque melanopsina – um fotopigmento encontrado
em células especializadas da retina envolvidas na regulação dos ritmos
circadianos – é mais sensível à luz azul.
Mais problemas do que você pensa
Recentemente, cientistas alertaram estudantes
universitários sobre o impacto da luz de monitores de computador sobre os
níveis de melatonina. Eles descobriram que a luz do computador à noite reduz os
níveis de melatonina, atrapalhando o sono. Em um estudo relacionado sobre
tablets, pesquisadores disseram que é importante reconhecer que o uso de
dispositivos eletrônicos antes de dormir pode romper com o sono, mesmo que a
melatonina não seja suprimida – a atividade pode deixar as pessoas alertas ou
estímulos estressantes podem levar à interrupção do sono.
Essa perturbação bioquímica também cria efeitos
físicos, como doenças. Cientistas não sabem direito por quê, mas estudos
mostram consistentemente uma correlação entre IAN e câncer.
Por exemplo, um estudo de 10 anos descobriu que um
grupo de mais de 1.670 mulheres expostas a uma maior intensidade de luz em seu
ambiente de dormir tinham chances 22% maiores de desenvolver câncer de mama. Os
pesquisadores culparam o rompimento hormonal causado pela supressão de
melatonina.
Perturbadoramente, isso tem implicações sombrias para trabalhadores
noturnos. Estudos têm mostrado que enfermeiras com turnos à noite estão em
maior risco para câncer de mama.
A luz durante a noite não precisa sequer ser
brilhante para causar problemas. A
exposição crônica à luz fraca já é capaz de levar a sintomas de depressão. Hamsters,
por exemplo, exibiram menos interesse em beber a água com açúcar que
normalmente adoram quando expostos à luz fraca à noite. Quando retornaram a uma
programação normal, a depressão foi revertida.
Outro estudo, também com roedores, mostrou que a luz
azul à noite, em particular, é especialmente poderosa em induzir depressão e
ansiedade. IAN também pode prejudicar o humor e a aprendizagem, mais uma vez
provavelmente por causa de neurônios expressando melanopsina.
A melatonina ainda tem propriedades antioxidantes,
que desempenham um papel importante no antienvelhecimento.
Outros estudos ainda mostram uma ligação entre a
supressão de melatonina e doença cardiovascular.
Como se não bastasse tudo isso, luz
à noite também contribui para o ganho de peso, mudando o tempo da
nossa ingestão de alimentos. Ratos, quando expostos a IAN, ganham mais peso –
apesar de se exercitarem e comerem tanto quanto seus irmãos que dormem na
escuridão.
Os cientistas também correlacionaram níveis baixos
de melatonina à diabetes, embora não saibam o papel da IAN na doença.
A conclusão é bastante óbvia: precisamos
manter nossos quartos os mais escuros possíveis à noite, e evitar luz azul
antes de dormir. Para isso, temos que desligar todos os gadgets emissores de
luz e fechar as cortinas. E, se possível, nos abster de usar computador, tablet
ou smartphone nas horas que antecedem o sono. Eu sei, mais fácil falar do que
fazer. [io9]