Testes foram realizados nos atletas, com e sem o uso de máscara, em treinamentos de “sprints” e saltos com contramovimentos
Com a chegada dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e
ainda em plena pandemia, o uso de máscara facial durante os exercícios físicos
ainda suscita controvérsia. No caso dos atletas velocistas e saltadores, não há
mais dúvida de que esse item de segurança e proteção contra a covid-19 possa
vir a atrapalhar o desempenho dos atletas. Foi o que constatou um estudo feito
por pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM) da USP e da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que avaliou a performance dos atletas,
com e sem o uso de máscara, em uma sessão de treinamento de sprints (corrida
que exige explosão e é feita o mais rápido possível dentro de um curto espaço
de tempo). Os resultados estão em artigo pré-print (em revisão pelos pares) no
repositório da revista SportRxiv.
“Durante os treinos, o desempenho dos atletas não
ficou comprometido, mas eles se sentiram desconfortáveis e tiveram maior
percepção de esforço”, explica ao Jornal da USP Bryan Saunders, orientador do
estudo e pesquisador em Fisiologia do Esporte e do Exercício da FM. Segundo o
pesquisador, “diante da pandemia ainda sem controle, o benefício de se proteger
contra o sars-cov-2 é maior do que qualquer desconforto causado pelo uso da
máscara”, ressalta.
“diante da pandemia ainda sem controle, o benefício de
se proteger contra o sars-cov-2 é maior do que qualquer desconforto causado
pelo uso da máscara”
A pesquisa
Matheus Dantas e Rui Barboza Neto, ambos pesquisadores
da UFRN, acompanharam os treinos dos atletas durante parte da temporada competitiva.
Ao todo, foram dez participantes (seis velocistas, três saltadores em distância
e um atleta de 110 metros com barreiras), com idade média de 23 anos, sendo
sete homens e três mulheres. A avaliação consistiu em duas sessões de
treinamento de sprints curtos (cinco sprints de 30 metros, com intervalo de
quatro minutos). A máscara utilizada foi a de tecido, com três camadas, o tipo
recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para uso no dia a dia para
o público em geral.
Antes dos sprints, todos os atletas realizaram aquecimento com corrida de moderada intensidade, seguida de exercícios de mobilidade e educativos de corrida. Todos os participantes realizaram a sessão de treino duas vezes em dias separados, sendo uma sessão com uso da máscara e outra sessão sem o uso da máscara. “Verificamos o desempenho de sprint ao longo da sessão e avaliamos o desempenho de salto antes e após a sessão de treinamento”, relata Dantas.
Como resultado, os pesquisadores observaram que não
houve nenhuma diferença entre usar ou não usar a máscara na performance de
sprint e do salto. “A diferença entre os dias em que os atletas estavam usando
ou não máscara nos treinos de tiros de 30 metros foi de apenas 0,2%”, disse
Bryan. Já com relação à percepção de esforço, foi demonstrado para ambos os
grupos comportamento similar e foi aumentando de acordo com a quantidade de
sprints.
Provas do atletismo
O atletismo é um conjunto de atividades esportivas
formado por corridas, lançamentos e saltos, que por sua vez estão subdivididas
em provas da modalidade. As corridas são de curta distância (ou de velocidade),
média distância (ou meio fundo) e longa distância (ou de fundo). As provas
oficiais de arremesso e lançamentos incluem arremesso de peso, lançamentos de
martelo, disco e dardo. E as provas de saltos abrangem provas de salto
horizontal (salto em distância e salto triplo) e de salto vertical, sendo salto
em altura e salto com vara.
Nas provas de corridas, alguns nomes fizeram a
história nesta categoria: Usain Bolt, Shellu Ann Franser-Pryce e os brasileiros
Joaquim Cruz, ex-meio fundista, campeão olímpico dos 800 metros, e Wanderlei
Cordeiro de Lima, ex-maratonista brasileiro, bicampeão dos Jogos
Pan-americanos. Wanderlei foi o único brasileiro a ser agraciado pelo Comitê Olímpico
Internacional (COI) com a medalha Pierre de Coubertin pelo fato de ter mantido
o espírito esportivo e continuado a corrida mesmo após ter sido atacado por um
ex-padre irlandês, que o jogou fora da pista, durante a maratona olímpica de
Atenas, em 2004.
Para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, o atletismo
brasileiro levou 52 atletas, incluindo Alison dos Santos (400 metros com
barreiras), Rosângela Cristina Santos (100 metros rasos) e Ana Carolina (200
metros rasos e revezamento), que estarão juntos disputando medalhas olímpicas.
Percepção de esforço - adaptação ao uso da máscara
Segundo os treinadores, o aumento de percepção de
esforço e o desconforto pelo uso da máscara, provavelmente, estavam
relacionados à adaptação da proteção durante o exercício físico.
Foi perguntado aos atletas qual era a sensação de
esforço no pós-sprint, que respondiam olhando uma tabela de escala linear de
100 pontos, na qual o “0” correspondia a nenhum esforço e “100” ao esforço
máximo. Segundo os pesquisadores, a máscara fornece uma barreira mecânica para
a respiração, que pode prejudicar a percepção de esforço e de prazer dos
atletas. “Baseado nesta tabela, durante a coleta de dados, percebemos relatos
individuais e espontâneos de que havia uma sensação de sufocamento e dificuldade
em respirar com o uso da máscara”, disse Barboza Neto.
“A partir do terceiro sprint foi verificado maior
percepção de esforço para o grupo que treinou com a máscara. No final da sessão
de treino, o uso de máscara promoveu uma percepção de esforço aproximadamente
45% maior do que o treino sem máscara. Com relação à percepção de prazer,
verificamos que o treino com máscara pode prejudicar a percepção de prazer ao
exercício. Por exemplo, em média os participantes perceberam o treino como bom
e razoavelmente bom quando performaram sem máscara. Quando fizeram uso da
máscara, o treino foi percebido como ruim e razoavelmente ruim”, explica
Dantas.
Dessa forma, os pesquisadores afirmam que por mais que
o treino com máscara prejudique as respostas psicológicas dos atletas, o seu
uso não é capaz de prejudicar o desempenho físico. “Os achados da pesquisa
trazem mais tranquilidade para atletas e treinadores quanto ao uso da máscara
durante os treinamentos de sprints e saltos com pausa longa, dado que a performance
não será afetada”, diz Saunders.
Perguntado se os resultados do estudo poderiam ser
extrapolados para outras modalidades esportivas, Barboza Neto salienta que é
válido para atividades que exijam potência e/ou velocidade com períodos de
recuperação consideravelmente grandes. Essas demandas são diferentes em
esportes como o futebol ou a maratona, onde o primeiro requer sprints curtos
com pausas pequenas e no segundo há corridas mais longas e raramente há sprints
nas sessões de treino.
Os autores ainda destacam uma possível limitação da
análise, visto que não foi possível realizar cegamento dos participantes, que é
impedir que os participantes saibam em qual condição eles estão alocados. “Isso
seria importante pois os atletas podem apresentar uma tendência de reportar
piores sensações de prazer e maiores esforços percebidos simplesmente por
fazerem uso da máscara”, diz Dantas.
O artigo pré-print A cloth facemask increased ratings
of perceived exertion and reduced affect, but did not affect sprint or muscular
performance during training in athletes, tem autoria de Matheus Dantas, Rui
Barboza Neto, Natália Mendes Guardieiro, Ana Lucia de Sá Pinto, Bruno Gualano e
Bryan Saunders.
Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/uso-de-mascara-nao-afeta-desempenho-de-atletas-velocistas-e-saltadores/
- Por Ivanir Ferreira - Imagem cedida pelo pesquisador