Em sua habitual caminhada de dez minutos até a estação de
metrô, a britânica Rachel Boothroyd começou a sentir, de repente, dores
esmagadoras em seu peito, garganta e braços. Então com 37 anos, ela não tinha
nenhuma razão para suspeitar de nada sério. Rachel era magra, comia de forma
saudável, se exercitava, não fumava e nem tinha histórico familiar de doença
cardíaca.
Mas, ao longo dos próximos meses, a dor voltou, tornando-se
cada vez mais intensa. “Eu me lembro de estar andando um dia, cerca de sete
semanas após as dores começarem, e meu peito estava insuportável. Eu não
conseguia respirar e suava em bicas”, conta.
Depois de alguns meses de aguentar as dores no peito, Rachel
resolveu ir ao médico. Este, apenas de “olhar para ela”, lhe disse que seu
coração estava bem. Como ela tinha plano de saúde privado, foi encaminhada a um
cardiologista “por precaução”.
Rachel ficou chocada quando os testes mostraram que ela
tinha uma doença cardíaca coronária, na qual uma placa se acumulava no interior
das suas artérias, restringindo o fluxo de sangue para seu coração. Uma de suas
principais artérias estava 99% bloqueada, e o cardiologista – que também tinha
inicialmente tranquilizado-a, dizendo que seu coração estava bem – disse que
ela poderia ter tido um enorme e provavelmente fatal ataque cardíaco dentro de
dias.
No mesmo momento, ela passou por uma cirurgia que inseriu um
stent (um tubo de metal minúsculo) na sua artéria para mantê-la aberta. Isso
aliviou sua dor instantaneamente.
“O diagnóstico foi um choque completo porque, como uma
mulher, eu sempre acreditei que eu não estava em risco”, disse Rachel.
“Mulher não tem ataque cardíaco”
Muitas mulheres (e até mesmo alguns médicos) não levam a
sério a doença cardíaca na população feminina, vendo-a como um “problema
masculino”. Mas, de acordo com dados publicados recentemente, só no Reino Unido
existem 710 mil mulheres com idade entre 16 a 44 anos com doença cardíaca, em comparação
com 570.000 homens da mesma idade. A título de comparação, doença cardíaca
coronária mata três vezes mais mulheres do que câncer de mama. É a maior causa
de morte de ambos os sexos no mundo todo.
No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por
29,4% de todas as mortes registradas em um ano. 60% dessas vítimas são homens –
mas grandes 40% são mulheres. Um estudo de 1990 a 2009 descobriu que o
risco de morte por doenças cardíacas no Brasil é, apesar de bem parecido, maior
para mulheres, com média de 23,35% para eles, e 29,5% para elas.
Apesar disso, de acordo com a Fundação do Coração Britânica,
as mulheres são mais propensas a ignorar os sintomas de um ataque cardíaco e
não procurar ajuda.
“As mulheres são tão vulneráveis quanto os homens a doenças
cardíacas, mas muitas vezes se recusam a reconhecer esse risco”, explica a Dra.
Jane Flint, cardiologista. “Mulheres de meia idade estão sob grande pressão
para cuidar dos pais idosos e das crianças, por isso não se colocam em primeiro
lugar”.
Há também a percepção geral de que essa é uma “doença de
homem” – a imagem estereotipada de um cara acima do peso e fumante vem a cabeça
de muita gente quando pensamos em “infarto”, por exemplo.
Fatores de risco variados
Embora seja verdade que o excesso de peso e o tabaco sejam
fatores de risco para doenças cardíacas, existem outros, talvez menos
conhecidos, incluindo a falta de exercício, histórico familiar de doença
cardíaca e estresse.
O estresse desencadeia a produção de hormônios como cortisol
e adrenalina, o que torna o sangue espesso e mais propenso a coagular. Eles
também inflamam o revestimento das artérias, o que produz um depósito viscoso
espesso nelas, que, ao longo de muitos anos, pode combinar com colesterol,
gordura e cálcio para formar uma placa.
A inflamação também pode tornar o revestimento das artérias
mais estreito, reduzindo assim o fluxo sanguíneo ao coração.
Muitas vezes é uma combinação de fatores que leva a um
ataque cardíaco. “A dor no peito de Rachel era um sintoma típico, mas ela era
uma jovem mulher sem fatores de risco aparentes, por isso ignorou o sinal”,
afirma a Dra. Flint.
Quando as dores começaram, Rachel era sócia de um escritório
de advocacia. Ela estava trabalhando em um grande negócio e sempre adiava uma
consulta médica. “Eu tentei adaptar a minha vida às dores”, conta Rachel.
A dor no peito (ou angina) é um sintoma típico de doenças do
coração e é normalmente desencadeada por estresse ou esforço. Normalmente,
concentra-se no lado esquerdo do corpo, como no braço esquerdo, o mesmo lado do
coração. Os sintomas tendem a durar poucos minutos, mas, se a dor não passar 20
minutos após administração de um tratamento, o paciente está, provavelmente,
sofrendo um ataque cardíaco.
Tive um infarto e não percebi
A angina nem
sempre é grave e algumas pessoas podem experimentá-la como um ligeiro
aperto no peito, formigamento e dormência nas mãos e nos dedos, ou dor no
maxilar e pescoço.
“Algumas pessoas podem apenas ficar sem fôlego, por isso é
importante investigar qualquer tolerância ao exercício reduzida”, explica a
Dra. Flint.
De fato, um estudo americano recente envolvendo 1,4 milhão
de pacientes descobriu que 10% mais mulheres do que homens não experimentam a
dor no peito no meio de um ataque de coração – a diferença foi maior em
mulheres com menos de 55 anos.
Jovens mulheres que sofrem de doenças cardíacas podem ter
falta de ar, o que não é doloroso e, portanto, não exige atenção imediata, ou
tontura e palpitações. A preocupação maior, no entanto, é que mulheres em seus
20, 30 ou 40 anos que se queixam de dores no peito, como Rachel, não sejam
levadas a sério por seus médicos.
“É um mito que a doença coronariana não acontece com
pacientes mais jovens”, diz o Dr. Rajay Narain. “Médicos devem avaliar os
fatores de risco, que estão presentes em até 95% dos casos de doenças
cardíacas”.
Diagnosticada e mal tratada
Pior é quando os especialistas não tratam corretamente
mulheres. Com Rachel, os médicos desconsideraram, por exemplo, o fato de que
ainda menstruava. Durante um ano após seu stent ser inserido, ela tomou
medicamentos para parar a coagulação do seu sangue. Isso levou a períodos de
menstruação pesados e ela desenvolveu anemia por perda de sangue.
A deficiência fez com que ficasse muito fraca para lutar
contra tosses e resfriados, e ela acabou no hospital. Lá, os médicos
descobriram que os níveis de ferro de Rachel eram um terço do que deveriam ser,
e ela precisava de uma transfusão de sangue.
“Ninguém pensou que eu poderia precisar de tratamento diferente, porque sou uma mulher jovem. Eu não fui aconselhada a tomar comprimidos de ferro, por exemplo, o que teria ajudado”, conta.
Eventualmente, a doença lhe deu coragem para fazer mudanças.
Ela largou seu emprego estressante, e se mudou de Londres a York, um ambiente
mais calmo.
O desejo de Rachel é que as mulheres comecem a ver a doença
cardíaca de forma diferente. “Lutar com a dor pode ser parte da cultura
feminina, tanto que muitas vezes não escutamos nossos corpos. Você não iria
ignorar um nódulo em seu peito, por isso não ignore sinais de doença cardíaca”,
recomenda. [DailyMail, SaudeBrasil, Scielo]
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