Acredite: a diferença entre um sono restaurador ou
desastroso pode estar dentro do seu prato
Nas últimas décadas, estudos vêm mostrando que um
sono ruim está implicado em quatro das sete maiores causas de morte no mundo.
Quem dorme mal corre maior risco de encarar doenças cardíacas, diabete,
obesidade, derrame e acidentes em geral. É um problemão atrás do outro. Logo,
os profissionais de saúde têm se esforçado para identificar o que, afinal,
deixa as pessoas e o colchão em pé de guerra.
E eles já desvendaram que um dos motivos desse
embate não tem nada a ver com o quarto. Fica, na verdade, na cozinha. “A
alimentação é um potente sincronizador do relógio biológico”, afirma a
neurocientista Adriana Ximenes, da Universidade Federal de Alagoas. A professora
se refere à complexa engrenagem que regula o funcionamento do organismo e
orienta nossas horas de atividade e descanso.
Uma das pesquisas mais quentes sobre esse tema foi
realizada por profissionais das universidades Harvard e do Estado da Pensilvânia,
ambas nos Estados Unidos. Ao cruzarem os dados a respeito da dieta e dos
hábitos noturnos de mais de 15 mil homens entre 58 e 93 anos, os estudiosos
perceberam que aqueles que afirmavam penar para pegar no sono, dormiam pouco
(menos de cinco horas) ou se sentiam preguiçosos no dia seguinte – sinal de que
não descansavam direito – apresentavam uma alimentação mais calórica e menos
variada.
Para piorar, eles não só abusavam de gorduras trans
e sódio como quase não comiam verduras, legumes e frutas. Um combo nada bacana
para a saúde em geral – e, aparentemente, fatal para o sono.
Outro trabalho, este da Universidade de Adelaide, na
Austrália, alimenta essa relação. A análise, publicada na revista científica
Nutrients, avaliou o padrão alimentar de 1 800 homens de 35 a 80 anos por 12
meses. Os cientistas descobriram que quem consumia alimentos ricos em gordura
era mais propenso a sofrer para apagar na cama, a ficar sonolento ao longo do
dia e a desenvolver apneia do sono, distúrbio marcado por roncos, engasgos e
interrupções temporárias na passagem de ar enquanto se dorme. O convívio com a
apneia é, aliás, um caso digno de nota.
“Quem tem o problema nunca chega à fase REM do
sono”, conta a biomédica Lenise Kim, da Universidade Federal de São Paulo. É
nesse estágio – a sigla REM vem do inglês e significa “movimento rápido dos
olhos” – que ocorrem os sonhos, e o corpo se encarrega de reparar funções como
memória e metabolismo. Resumindo: quem não chega lá não descansa direito e fica
refém, com o tempo, de encrencas da pesada. “Em longo prazo, o indivíduo passa
a ter problemas cognitivos, dificuldades de atenção no dia seguinte, ganho de
peso e resistência à insulina”, exemplifica Lenise.
E não pense que é coincidência a gordura surgir como
inimiga das noites tranquilas em todos esses estudos. Parece que ela
destrambelha o sono pra valer. “A ingestão excessiva durante a noite dificulta
o esvaziamento gástrico, e a digestão fica mais lenta”, esclarece a
nutricionista Patrícia Nehme, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo (USP). Nessa situação, quem disse que dá para repousar a cabeça no
travesseiro numa boa?
Como se não bastasse, o ingrediente ainda interfere
diretamente no ritmo circadiano – o tal do relógio biológico -, afetando a
produção de hormônios e a liberação de neurotransmissores, mensageiros químicos
essenciais às células nervosas. Toda essa rede trabalha seguindo uma rigorosa
escala ao longo das 24 horas.
“Só que as gorduras geram mais calor durante o seu
processamento pelo corpo, o que eleva a nossa temperatura”, informa Patrícia.
Nesse contexto, o hipotálamo, região do cérebro que responde pela regulação
térmica, concentra-se em apagar o incêndio. Em meio a essa balbúrdia, ele acaba
se descuidando de outra função, que é reger alguns hormônios que influenciam o
sono. Aí é o repouso noturno, coitado, que paga o pato.
Uma das substâncias que ficam em níveis desajustados
por causa da enxurrada de gordura da comida é o cortisol, o hormônio do
estresse. Quando deveria estar mais contido para o corpo relaxar, ele passa a
circular livre e desimpedido – bye-bye, sono! Outros hormônios também se metem
na história.
A leptina, que dá o sinal de saciedade, e a grelina,
que ativa o apetite, dão uma descompensada. O pico de produção da primeira é
durante a noite e nas primeiras horas da manhã. Se o indivíduo não dorme,
porém, tem menos leptina disponível – e uma fome totalmente fora de hora. A
grelina, por outro lado, deveria ser liberada no decorrer do dia, mas continua
agindo mesmo depois de o sol se pôr. “Quando isso acontece, a pessoa não só
come mais como dá preferência a alimentos hipercalóricos”, revela Lenise. Ou
seja, além de parecer um zumbi, o indivíduo fica guloso.
Aí é fácil entender por que a dieta dessa turma
tende a ser composta por refeições rápidas e industrializadas, doces e
salgadinhos. Esses itens são devorados com a finalidade de inconscientemente
aliviar o estresse e as alterações de humor típicas dos insones ou de quem não
dorme o suficiente. “Estudos mostram que, após uma noite em claro, a atividade
em certas regiões do cérebro aumenta quando vemos fotos de comida, o que pode
nos predispor a comer demais”, relata o médico Michael Grandner, diretor do
Programa em Pesquisa sobre Saúde e Sono da Universidade do Arizona, nos Estados
Unidos.
Agora, não é porque gordura de monte dificulta o
pregar dos olhos que você deve sair por aí enxugando o prato drasticamente.
Segundo Grandner, quem faz regime para emagrecer também acaba rodopiando sob os
lençóis. “Quando a dieta muda radicalmente, o corpo pode ter dificuldade de se
adaptar, o que contribui para a ocorrência de distúrbios do sono”, afirma. Ele
lembra ainda que cardápios restritivos causam estresse, outro rival do sossego
noturno.
Grandner é um dos responsáveis por um estudo recente
que reforça o seguinte: se a má alimentação atrapalha, ter bons hábitos à mesa
(sem cortes bruscos) faz toda a diferença. Na pesquisa, feita com mais de 5 mil
pessoas, ele inclusive descobriu uma ligação entre a qualidade do descanso e a
predileção por certos nutrientes. Para ter ideia, o selênio, mineral abundante
nas castanhas, não costuma frequentar o prato de quem fica a madrugada
acordado. Assim como o licopeno do tomate e a vitamina C da laranja, dois
antioxidantes poderosos. O trio, não por acaso, tem papel direto em certos
mecanismos envolvidos no sono. Na contramão, o que nunca faltava no menu dos
insones era o ácido hexadecanoico, uma gordura saturada presente nos óleos
vegetais, na manteiga e nos queijos amarelos.
Apesar de tantas evidências, os cientistas avisam
que essa é uma área nova e cheia de mistérios – portanto, mais pesquisas
precisam ser feitas antes de chegarmos à dieta anti-insônia completa. Ainda não
é possível cravar que os resultados de estudos com homens valem para as
mulheres, por exemplo. Outra questão nebulosa tem a ver com os carboidratos. Há
suspeita de que os complexos, que demoram mais para serem absorvidos pelo
organismo, não prejudicam o sono como os simples, digeridos rapidinho. Se a
informação for confirmada, é mais um belo motivo para trocar o arroz branco
pelo integral no jantar.
Mas se tem algo que pode ser dito com segurança é
que, a despeito do alimento escolhido, empanturrar-se antes de pular na cama é
um erro. “Comer duas horas antes seria o ideal considerando o tempo de
digestão”, ensina a nutricionista Milana Dan, da Associação Brasileira do Sono.
Outra dica: o melhor mesmo é caprichar nas primeiras refeições do dia.
“Pesquisas sugerem que quem ingere mais calorias pela manhã come menos à
noite”, diz Patrícia, da USP. Para começar a selar a paz com o travesseiro, é
você quem precisa tomar a iniciativa à mesa.
Corpo pesado, sono leve
Novas pesquisas confirmam que os quilos extras
abalam a qualidade do sono. Mais grave ainda: sabe-se que a obesidade é um
fator de risco para a apneia. Tudo leva a crer que os depósitos de gordura na
barriga e no pescoço prejudicam o entra e sai de ar na madrugada. “Ao dormir
mal, a pessoa acima do peso fica tentada a consumir mais alimentos calóricos
depois, gerando um círculo vicioso”, alerta a biomédica Lenise Kim, da
Universidade Federal de São Paulo.
Promotores do descanso
Conheça os nutrientes que fazem o sono chegar
Vitamina C
Ajuda a controlar os níveis do cortisol, hormônio do
estresse. Está em frutas como laranja, acerola, caju e limão.
Licopeno
No corpo, ele vira retinol, um ativador da
melatonina, hormônio indutor do sono. Goiaba, mamão e tomate são boas fontes.
Selênio
Sem ele, a tireoide, também envolvida com o sono,
não trabalha bem. Uma castanha-do-pará oferta a dose ideal.
Triptofano
Abundante na clara do ovo, participa da produção de
serotonina, substância indispensável ao pregar dos olhos.
Regras da refeição noturna
Evite
certos alimentos pouco antes de dormir.
Além dos
gordurosos, convém ficar longe dos ricos em sódio, que dão sede, e dos que
contêm cafeína, muito estimulantes.
Por outro
lado, priorize alguns itens.
É o caso
daqueles que têm triptofano, como a aveia e o leite. Que tal um copo quente antes
de deitar?
Há
horário-limite para jantar.
Os
especialistas dizem que o correto é realizar a última refeição duas horas antes
de dormir.
Tenha
cuidado com as bebidas alcoólicas.
Para
algumas pessoas, uma lata de cerveja ou taça de vinho todo dia pode prejudicar
o sono após algumas semanas.
Não abuse
dos líquidos durante a noite.
O motivo é
simples: a bexiga não dorme. Aí, quando está cheia, vai despertá-lo para fazer
xixi.
Fonte: http://saude.abril.com.br/alimentacao/comida-para-dormir-melhor/
- Por Raquel Marçal
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