Para ser um craque profissional no Brasil é preciso vencer
uma peneira de altíssimo nível. Para você que não se assusta com a concorrência
e confia no seu talento, fizemos um roteiro para o início da carreira de
jogador
Meus amigos dizem que eu sou bom de bola, como entro em um
clube?
Não adianta se iludir: no país do futebol, mesmo se você é
bom com a bola nos pés, não é nada fácil entrar em um grande clube. "De
cada mil garotos testados, em média, o clube aproveita um", diz o
empresário Cláudio Sparapani, dono da Unidade Piloto do São Paulo Futebol
Center, franquia de escolinhas criada pelo clube tricolor, que hoje já conta
com 22 unidades em São Paulo ,
uma na Coréia do Sul e uma na Tailândia.
Escolinha
Escolas de futebol associadas a grandes clubes, aliás, têm
sido um dos principais trampolins para meninos bons de bola. Hoje, a maioria
dos clubes mantém contato permanente com algumas escolinhas e, de tempos em
tempos, envia representantes para testar garotos que se destacam em cada uma
delas. São Paulo, Corinthians, Flamengo e até o São Caetano emprestam suas
marcas para escolinhas.
O tricolor paulista, por exemplo, que conta com uma das
melhores estruturas para a formação de jogadores, deixou de fazer testes
abertos - as famosas peneiras - e só testa meninos pré-avaliados pelas
escolinhas licenciadas ou por treinadores conhecidos de outras escolinhas ou
por olheiros.
Olheiros
Todos os grandes clubes contam com olheiros, que podem ser
profissionais contratados pelo clube, os próprios treinadores das divisões de
base ou pessoas de confiança (ex-jogadores, por exemplo). O Cruzeiro é dos
clubes que contam com olheiros permanentes, que vivem rodando pelo país em
busca de torneios com garotos de 13
a 16 anos. "Temos quatro avaliadores permanentes,
mas, no mês de janeiro, quando acontecem muitos campeonatos amadores,
espalhamos 12 pessoas pelo país", diz o diretor das divisões de base, João
Gualberto Silva.
Peneira
Além de contar com essa rede de "espiões", os
cruzeirenses atiram em outras direções para não perder nenhum menino talentoso:
estão conveniados com cerca de 200 escolinhas e realizam peneiras abertas até
quatro vezes por semana. Centenas de garotos comparecem a essas peneiras e, em
poucos minutos, precisam mostrar que são bons o suficiente para tirar alguém do
clube, afinal as divisões de base funcionam como o "time de cima":
para que novos jogadores entrem no time, outros têm que sair. "Alguns pais
reclamam que seus filhos se destacaram nos testes e não foram chamados, mas aí
explicamos que o nível técnico das nossas equipes é muito mais alto do que os
das avaliações", diz Flávio Alves, supervisor do futebol amador do
Corinthians, que, além de testar os alunos das escolinhas, realiza peneiras com
até 10 mil garotos.
Enfim, o teste
Seja indicado por um olheiro, pelos treinadores de uma
escolinha ou tentando a sorte em uma peneira, de uma coisa você não escapará:
terá que mostrar o seu potencial sob pressão. Embora alguns testes contem com
exercícios para o jogador mostrar sua habilidade, em geral o que os avaliadores
querem mesmo é te testar em uma situação real de jogo.
Portanto, você entrará em um time de desconhecidos, que, assim
como você, estão brigando pela vaga, e, apesar do ambiente desconfortável, essa
é sua chance de mostrar tudo que sabe. Tente ficar tranqüilo e nem pense em
prender demais a bola para mostrar que é craque - a capacidade de jogar em
equipe é uma das características mais desejadas pelos treinadores.
Se não for aprovado, treine mais e tente de novo. É sempre
bom lembrar o exemplo do lateral Cafu, que foi reprovado em 12 peneiras (quatro
no São Paulo) e só conseguiu um lugar ao sol quando um olheiro do próprio São
Paulo o viu jogando pelo Itaquaquecetubense, um timinho do interior de São
Paulo, e o convidou para um teste.
Como posso aprimorar minha técnica?
Mesmo se você já tiver conseguido entrar em um clube, não
pense que você é um jogador completo e, mais do que isso, não pense que seu
lugar no clube está garantido. A competição nas divisões de base de um grande
clube é até maior do que no time principal. "Toda semana chegam pelo menos
cinco ou seis garotos para passar por um período de experiência", diz João
Gualberto, do Cruzeiro. Para ficar no clube esses garotos precisam derrubar
alguém, que pode ser você. Portanto, não alivie nos treinos: sempre é possível
aprimorar qualidades e corrigir defeitos (ou você pensa que o Ronaldinho Gaúcho
nasceu sabendo bater falta, dar "elástico" e chutar com as duas
pernas?).
Contudo, segundo o fisiologista Turíbio de Barros Neto, do
São Paulo, é preciso tomar cuidado com o tipo de treinamento. Treinamento
físico específico, para fazer a musculatura bombar, só a partir dos 17 ou 18
anos. Até essa idade, treine bastante com bola, desenvolvendo os fundamentos do
futebol: passe, chute, cabeceio e drible.
Um bom exercício para suprir uma carência comum no futebol é
se forçar a chutar com a perna ruim (a esquerda, se você é destro). Comece
tabelando com a parede e depois arrisque alguns passes de pé
"trocado" em
campo. Chutar com as duas pernas amplia suas opções no jogo
e, por isso, é uma das habilidades mais valorizadas nos testes.
Não sei se sou melhor na zaga ou no ataque. Como defino
minha posição?
Muitas vezes quem define a posição do garoto é seu pai,
achando que está fazendo o melhor para ele. "É comum um menino chegar aqui
jogando na posição errada porque o pai o obriga. Nesse caso, deixamos que ele
fracasse para mostrar que o pai está enganado", diz o treinador Adir
Martins, que coordena uma das escolinhas do São Paulo. A experiência dos
professores de escolinhas conta bastante nessa hora: pelo jeito com que um
menino bate na bola e a forma como corre, eles já sabem indicar qual é a sua
vocação. Na verdade, já existe um padrão na cabeça dos avaliadores. Veja em
qual estilo você se encaixa:
Goleiro: Alto e ágil. Claro que não precisa ter 1,80 m com 14 anos (não é
basquete!), mas é obrigatório que o garoto seja maior do que a maioria dos seus
colegas.
Zagueiro: Alto, corpulento, boa impulsão e cabeceio. Não
precisa ser o maior craque com a bola no pé, mas precisa ter corpo para ganhar
uma dividida e altura suficiente para se sobressair nas bolas altas.
Lateral: Bom preparo físico e habilidade nos passes e
lançamentos. A estatura não é tão importante para um lateral. O principal são
os pulmões e a qualidade do passe.
Volante: Corpo avantajado e boa capacidade de marcação.
Altura não é essencial, mas não dá para ser magrelo: o volante não pode se dar
mal nas divididas.
Armador: Bom preparo físico, passe preciso e boa visão do
jogo. O cérebro do time não precisa ter um corpo muito avantajado, embora hoje
os clubes já não se animem tanto com garotos habilidosos, mas raquíticos - no
futebol moderno, armadores também precisam marcar.
Atacante: Rápido, boa finalização e, de preferência, alto.
Até recentemente, altura não era um pré-requisito para atacantes, mas isso
mudou. "Nem todos exigem que o atacante seja alto, mas no São Paulo, por
exemplo, baixinhos não têm espaço", diz Adir.
Já estou jogando em um clube e um empresário me ofereceu um
contrato. Que cuidados devo tomar?
Para início de conversa, um atleta só pode assinar contratos
que definam vínculo com um clube, com uma pessoa ou uma marca a partir dos 16
anos. "Todos os contratos firmados antes dos 16 anos, mesmo com a
autorização dos pais, podem ser anulados", diz o advogado Eduardo Novaes,
do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo. Apesar disso,
muitos aproveitadores tentam tirar vantagem de craques mirins apresentando-se
como empresários, com propostas tentadoras envolvendo adiantamentos em dinheiro
ou em artigos esportivos. Fuja dessa roubada! Antes de se profissionalizar,
contente-se com a ajuda de custo oferecida pelo clube e pense apenas nos
treinos - se você fizer tudo direitinho, a grana virá naturalmente.
Se o clube te oferecer um contrato de profissionalização, aí
sim vale a pena procurar um empresário, que pode negociar valores e condições
melhores para você. Esse empresário (ou agente) pode ser uma pessoa de
confiança com vocação para os negócios ou, se você não conhecer ninguém com
esse perfil, um agente credenciado pela Fifa - no Brasil, eles só são
credenciados se forem aprovados em testes na CBF.
Além do agente, é sempre bom contar com um auxílio jurídico.
Muitos agentes são advogados, mas também dá para pedir a orientação dos
sindicatos de atletas. O de São Paulo, por exemplo, oferece orientação gratuita
- basta levar o contrato que eles analisam.
Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-se-tornar-um-jogador-de-futebol
- por Artur Louback Lopes