Além de ajudar a prevenir encrencas lá na frente, os
exercícios deixam nossos neurônios mais capacitados para responder aos desafios
do dia a dia
Raciocínio mais rápido do que os piques de Usain
Bolt. Memória mais precisa do que os arremessos de Oscar Schmidt, o Mão Santa
do basquete brasileiro… Pode escolher a analogia esportiva de sua preferência
para ilustrar a seguinte notícia: mexer o corpo fortalece tanto a massa
muscular quanto a cinzenta.
“As revisões científicas apontam que a prática
diminui o risco de comprometimento cognitivo leve em 35% e o de Alzheimer em
51%”, contextualiza Andrea Camaz Deslandes, profissional de educação física e
coordenadora do Laboratório de Neurociência do Exercício da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. “Mas não se trata apenas de prevenir doenças, embora
isso já seja valioso. Hoje sabemos que a atividade física aprimora também o
funcionamento de um cérebro considerado saudável”, arremata.
Dito de outra maneira, as células nervosas – assim
como o bíceps ou a musculatura da coxa – ganham potência ao serem estimuladas
por uma vida movimentada. Em uma análise de oito estudos com voluntários acima
de 40 anos, pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá,
concluíram que o fato de a pessoa não gastar o dia inteiro sentada já está
associado a uma melhor performance em testes cognitivos (e a uma probabilidade
reduzida de demência).
“Com base no achado, sugerimos que todos os adultos
deveriam evitar o excesso de comportamentos sedentários”, afirma a
neurocientista Teresa Liu-Ambrose, orientadora do levantamento. Segundo ela,
singelas medidas bombariam as nossas faculdades mentais. São elas: levantar-se
da cadeira a cada 30 minutos para dar alguns passos, valorizar as atividades
leves, como subir escadas ou ir até a mesa do colega em vez de enviar um
e-mail, e checar se não é possível cumprir determinadas tarefas em pé ou mesmo
andando – já pensou em uma reunião itinerante?
Mas Teresa e seus colegas não se deram por
satisfeitos. Após investigar o efeito de um cotidiano menos parado, eles se
debruçaram sobre os exercícios físicos estruturados – aqueles em que a gente
reserva tempo na agenda para fazer. A partir de outra revisão de artigos,
concluíram que tanto modalidades aeróbicas (caminhada, bicicleta…) quanto a musculação
conferem destreza à cabeça. E, apesar de as primeiras parecerem ligeiramente
mais eficazes, a combinação das duas trouxe melhores resultados.
“Ainda é cedo para determinarmos um protocolo de
exercícios”, pondera Andrea. Atualmente, os experts estão correndo para definir
a intensidade e a frequência ideais. Fora isso, será que certos esportes se
mostram mais benéficos do que outros?
Especula-se, só para citar um caso, que práticas que
exigem reflexo rápido, improviso e uma maior interação com o meio – futebol,
vôlei, caratê, tênis… – incitariam mais os neurônios em comparação com
bicicleta ergométrica ou esteira, por exemplo. “Essas questões são importantes,
porém o indivíduo precisa, antes de tudo, de liberdade para optar pelo que lhe
agrada e se encaixa no seu calendário. Qualquer movimentação ajuda”, diz a
professora.
Vantagens para todas as idades
Não é porque aqueles estudos canadenses se
concentraram em participantes com 40 anos ou mais que as virtudes de abandonar
o sofá serão perceptíveis somente nessa faixa etária. Em 2003, a educadora
física Hanna Karen Moreira Antunes, hoje coordenadora do Curso de Educação
Física da Universidade Federal de São Paulo, avaliou o desempenho cognitivo de
vários adolescentes.
“Os que se exercitavam bastante no ambiente escolar
alcançavam as maiores pontuações”, lembra. Mais recentemente, Andrea Deslandes
começou a verificar o impacto de aulas de capoeira na performance de crianças
de 6 a 12 anos. De lá pra cá, ela e seus colegas de laboratório revelaram que o
contato com essa arte marcial tipicamente brasileira contribuiu para notas mais
altas na escola. “Os estudos mostram vantagens da infância à terceira idade“,
assegura a expert carioca.
A segunda parte dessa afirmação condiz com um
experimento feito em Caeté, uma cidade de 40 mil habitantes do interior de
Minas Gerais. Coordenados pelo neurologista Paulo Caramelli, pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais registraram ao longo do tempo o estilo de
vida e a saúde mental de 639 idosos. Das diversas análises que estão pipocando
a partir desse trabalho, uma, ainda em fase preliminar, voltou-se para os
senhores que envelhecem especialmente bem – apesar de estarem na casa dos 80
anos, eles possuem uma memória comparável a de pessoas duas décadas mais
jovens.
“Percebemos que esse grupo tendia a fazer mais atividade
física do que os outros”, relata Caramelli. O estudo, cabe ressaltar, não
permite cravar uma relação de causa e efeito, entre outras coisas porque esse
pessoal também comia mais vegetais in natura. “É possível que a combinação de
hábitos saudáveis tenha contribuído para os dados encontrados”, avalia
Caramelli.
Até agora, abordamos as benfeitorias que dão as
caras com sessões regulares de malhação. Entretanto, uma única dose também
acarreta vantagens, embora efêmeras. Numa pesquisa ainda não publicada, Hanna
Karen recrutou voluntários entre 18 e 25 anos e os submeteu a diferentes tipos
de treinamento (de moderados e longos a curtos e estafantes). Com base em
testes cognitivos realizados antes, logo após a prática e meia hora depois, ela
observou que todos ficaram, digamos, mais espertos em comparação com quem
permanecia imóvel.
“Me surpreendeu o fato de que até os exercícios bem
cansativos trouxeram benefícios”, conta a educadora física. E, aqui, pedimos um
momento da sua atenção para o depoimento pessoal de um especialista: “Nos dias
em que treino, tenho a impressão de alcançar um nível de alerta bem maior”, diz
Caramelli. “Já ouvi muitos pacientes com histórico de Alzheimer na família
dizerem o mesmo”, completa.
Veja também
Por dentro do cérebro malhado
Aquela história de que o número de neurônios não
muda na fase adulta é balela. E as aulas de ginástica são prova disso. “Elas
fazem aumentar a quantidade de células nervosas no cérebro“, atesta Sonia
Brucki, neurologista da Universidade de São Paulo. Além disso, essas unidades
passam a receber um aporte sanguíneo extra e ganham ramificações para se
comunicarem com eficácia. São mudanças que ajudam a explicar o fato de o
sedentarismo ser o terceiro maior fator de risco passível de intervenção para
demências, atrás apenas do nível educacional baixo e do tabagismo.
Também não dá para desvalorizarmos os benefícios
comportamentais das modalidades esportivas. Disciplina, concentração,
resiliência e trabalho em equipe estão entre os valores que auxiliam a
sobrepujar desafios mentais. “Só não vale achar que uma corrida substitui a
leitura”, brinca Hanna Karen. Não há recorde mundial que garanta, sem um bocado
de estudo, uma cabeça realmente ativa.
Habilidades mais aprimoradas pela atividade física
Controle inibitório
É a capacidade de segurar ímpetos irracionais e a de
ignorar estímulos irrelevantes enquanto dedicamos atenção ao que interessa.
Flexibilidade cognitiva
Se uma estratégia não está dando certo ou se surgiu
um imprevisto, você consegue se adaptar e resolver o desafio.
Memória
Em primeiro lugar, suar a camisa reforça a memória
de trabalho, ou a competência em recorrer a informações já registradas quando
elas são vitais para uma tarefa qualquer – você entende o fim do livro porque o
começo dele está fresquinho na cabeça. Isso sem contar que ajuda a armazenar
lembranças de curto e, em menor escala, de longo prazo.
Treino para os neurônios
De que maneira o esforço físico repercute na massa
cinzenta
1. Mexer o corpo eleva a produção de uma molécula
batizada de fator neurotrófico derivado do cérebro, conhecido pela sigla
em inglês BDNF.
2. O BDNF promove a multiplicação de neurônios e a
ramificação dos axônios, facilitando a passagem e o armazenamento de
informações.
3. Outra substância produzida em maior escala ao
suarmos a camisa atende pelo nome de fator de crescimento endotelial vascular,
ou VEGF.
4. Como no resto do corpo, o VEGF fomenta a criação
de vasos na cabeça. Eles, então, abastecem as células nervosas com sangue
suficiente para atuarem a pleno vapor.