Método baseado na realidade virtual, que simula
todas as etapas de uma viagem, é a promessa da vez para quem precisa superar a
fobia de voar
Ao longo de seus 40 anos, a psicóloga paulista Mayla
Pace só andou três vezes de avião - a última delas, para Fortaleza, tomando
muito calmante. Faltou coragem mesmo. Mayla sentia o coração disparar só de se
imaginar numa aeronave. "Sempre fugi da situação. Se pudesse, ia de carro.
Caso contrário, inventava uma desculpa", confessa. Mas em julho a
psicóloga tira férias e vai conhecer o Rio de Janeiro. De avião. Há dois
meses ela decidiu tentar uma nova opção de tratamento, que alia técnicas de
terapia cognitivo-comportamental a elementos da realidade virtual, com direito
a óculos 3D e fones de ouvido.
Com esse método, o indivíduo é imerso virtualmente
em todas as etapas de um voo. Da chegada ao aeroporto à aterrissagem, passando
pelo balcão de check-in e pelo aparelho de raios x. Dentro do avião, ele ouve
(com os fones) até o "Senhores passageiros, aqui é o comandante..."
Simulação e psicoterapia
"A meta do simulador é dessensibilizar o
paciente por meio da exposição gradual ao objeto da aversão", explica o
psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, professor da Universidade de São Paulo
(USP) e um dos idealizadores do projeto. Segundo ele, todo mundo, sem exceção,
sente medo - é algo intrínseco à natureza humana. "O problema é quando
isso foge do controle. Nosso método não busca erradicar o medo, mas ensinar a
pessoa a dominar seu pânico", diz.
Ao todo, o programa compreende 12 sessões de 45
minutos e tem um preço nas alturas - 7 mil reais. A simulação é apenas uma das
etapas. Há consultas e a psicoterapia em si. Mayla já participou de sete
sessões. "Quando entrei no aeroporto virtual pela primeira vez, meus
batimentos cardíacos chegaram a 155. Hoje, quando voo no simulador, eles ficam
na casa dos 80", relata. A julgar pelo seu progresso, a experiência
virtual parece oferecer chances de "cura" bem reais.
O poeta Vinícius de Moraes (1923-1980), que tinha
pavor de avião, disse certa vez: "O bicho é mais pesado que o ar, tem
motor de explosão e foi inventado por um brasileiro. Não pode funcionar".
Gracejos à parte, andar nesse bicho é seguro. Segundo o Conselho Nacional de
Segurança americano, a probabilidade de morrer em um acidente aéreo é de 1 em
11 milhões - com automóvel, ela é de 1 em 5 mil. Mas números não acabam com o
medo.
Medos interligados
Geraldo Possendoro, psiquiatra da Universidade
Federal de São Paulo, explica que a fobia nasce tanto de experiências
traumáticas quanto de eventos estressantes. "A de avião reúne vários medos
em um só: de voar, de morrer, de altura, de lugar fechado", lista. Ainda
não se chegou a um consenso sobre o perfil dos "aviofóbicos". Já se sabe,
porém, que pessoas muito controladoras e perfeccionistas, além de portadores de
ansiedade generalizada e transtorno obsessivo-compulsivo, estão entre as
principais candidatas.
Em um ponto os especialistas concordam: o tratamento
mais eficaz é a terapia cognitivo-comportamental, que encoraja o paciente a
livrar-se dos seus medos por meio de argumentos lógicos e da exposição lenta,
gradual e segura a aquilo que lhe causa aflição. "O uso de realidade
virtual dentro dessa abordagem terapêutica tem se mostrado útil contra as fobias.
Já técnicas como a hipnose até podem ajudar, mas ainda precisamos de mais
evidências", analisa o psiquiatra Antônio Egídio Nardi, professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo com ele, recorrer a remédios
como benzodiazepínicos (os calmantes) só deve ser feito sob orientação e de
maneira pontual. Esse truque não constitui um tratamento e pode gerar tremendos
efeitos colaterais. "Da mesma forma, desaconselhamos a ingestão de álcool
para essa finalidade. Em vez de resolver um problema, pode criar outro",
alerta Nardi.
Além da terapia em si, com ou sem simulação, existem
diversos livros, cursos e serviços voltados a combater o temor de voar. A
psicóloga Rosane Bohrer, fundadora do Instituto Condor, em São Paulo, calcula
já ter atendido, desde 1998, em torno de 850 pessoas com o problema. "O
perigo está muito mais na cabeça de quem tem medo do que na aeronave. Por isso
recomendo fazer tudo o que lhe dá prazer ou segurança a bordo, como ouvir
música, colorir livros, rezar", diz.
Ex-comandante da Varig, Luiz Bassani atua hoje como
personal flyer: ele acompanha os fóbicos nos voos e ajuda a tirar suas dúvidas
e angústias. A pergunta mais recorrente? Se uma turbulência pode derrubar um
avião. "A isso respondo: não! No máximo o que pode acontecer é o bagageiro
se abrir e uma mala sair pela cabine. Daí a importância de manter os cintos
afivelados", relata o ex-piloto, que faz entre quatro e cinco viagens
dessa por mês. Seja com um instrutor real, seja com o apoio da realidade
virtual, o fato é que dá pra vencer o medo de avião. Boa viagem, dona Mayla.
Realidade virtual para viajar de verdade
Veja como recursos de videogame se aliam a sessões
de psicoterapia a fim de confrontar o medo de avião.
1. Com óculos 3D e fones de
ouvido, o indivíduo é imerso num ambiente virtual que reproduz desde
a chegada a aeroporto até o momento do desembarque. É por meio dos fones que
o terapeuta se comunica com o paciente.
2. Uma sala recria o interior da aeronave, com
direito a poltrona, cinto de segurança e escotilha. O assento é afixado sobre
uma plataforma robótica, que simula movimentos, como os de decolagem, pouso e
turbulência.
3. Todos os sinais vitais do
paciente, como temperatura e frequência cardíaca, são monitorados em tempo
real. A qualquer momento, ele pode acionar um "botão de pânico", que
interrompe a sessão.