A busca pela vida eterna pelas empresas do Vale do
Silício
Um dos grandes assuntos científicos do mês de março
de 2017 foi o evento inaugural de uma instituição que leva o nome bizarro de
Academia Nacional de Medicina para o Grande desafio da Longevidade Saudável.
Pode parecer algo no terreno do esotérico ou o nome de um ministério do governo
Mao-Tsé Tung, mas não é.
Dezenas de empresas milionárias bancadas por
investidores de peso, como Sergey Brin, da Google, e Jeff Bezos, fundador da
Amazon, vêm reunindo há pelo uma década no Vale do Silício alguns dos cérebros
mais privilegiados em biologia e genética, como a prêmio Nobel Liz Blackburn,
para tentar descobrir maneiras de frear o envelhecimento.
Como relata um dos investidores, com uma lógica
irretocável: “se doenças, envelhecimento e morte são resultados de processos
químicos que obedecem a leis universais da termodinâmica, não há qualquer razão
para se pensar que os mesmos não poderiam ser revertidos com outras reações
físico-químicas que restabeleceriam o estado de entropia daquela célula ou
daquele indivíduo”.
Se a lógica do raciocínio é clara, parece
interessante que a questão da ciência produzindo longevidade e até imortalidade
tenha surgido como um fim em si própria. Vou tentar explicar melhor.
Intuitivamente, o caminho mais prático para se lidar com este tipo de problema
seria contar com os avanços da medicina, encontrando cura para doenças fatais e
revertendo os processos resultantes do envelhecimento.
Reverter os danos do envelhecimento
O pessoal do Vale do Silício decidiu buscar outra
forma de atacar a questão, e estão buscando diretamente formas de reverter os
danos provocados pelo envelhecimento. Não se trata de imortalidade pura e
simples, mas de não envelhecer. Derivados deste sonho são antigos, e Lindbergh,
o herói voador americano, e o bilionário Howard Hughes tentaram suas versões de
ciência da imortalidade em meados do século passado.
Não deu certo, como sabemos. Mas a sua persistência
rendeu frutos no imaginário de muita gente. Eles foram até apelidados de os
imortalistas e renderam pelo menos dois bons livros e um grande documentário.
Pois bem, os atuais campeões que patrocinam as pesquisas sobre imortalidade não
são muito diferentes dos imortalistas do século XX. Os do século XXI também são
multi-bilionários que não conseguem comprar os dois bens mais preciosos para
usufruir das suas fortunas: juventude e tempo.
Propostas de imortalidade
Entre as apostas dos pesquisadores da imortalidade
se destacam a tentativa de parar o relógio biológico, a substituição de órgãos
e tecidos por próteses com materiais muito mais resistentes que nossos órgãos
originais e o reparo de danos causados pelo próprio processo de envelhecimento.
Estes processos tem pouco a ver com a descoberta de
cura de doenças. Por exemplo, as duas principais causas de morte em pessoas acima
dos 50 anos (que já são a maioria da população mundial) são câncer e doenças
cardiovasculares. A descoberta da cura de todos os tipos de câncer aumentaria a
nossa expectativa de vida em 3,6 anos. Resolver todos os problemas cardíacos,
nos adicionaria meros 4 anos.
O processo de envelhecimento
Uma das teorias mais aceitas sobre o processo de
envelhecimento, relaciona-se à evolução. O amadurecimento sexual e o tempo de
procriação de nossa espécie faz com que a velocidade de envelhecimento do nosso
corpo seja muito lenta até os 30 anos. Se envelhecêssemos na velocidade que
este processo ocorre entre os 20 e os 30 anos, viveríamos 2.000 anos. Depois
disso, é como se a natureza perdesse o interesse nos nossos corpos.
Cumprida a função de procriação, certos elementos
guardiões do bom funcionamento de nossos órgãos e especialmente da integridade
do nosso DNA colapsam rapidamente. O fato dos nossos sistemas de defesa do
envelhecimento ruírem de forma rápida após os 30 anos nos sugere um raciocínio
no mínimo intrigante: não seríamos determinados a envelhecer por um desígnio
imutável da natureza, mas poderíamos detectar os resíduos genéticos de
processos biológicos que passam a não funcionar bem, e aprender a corrigi-los.
Estratégias da longevidade
As estratégias para consertar mutações e outras
alterações genéticas acumuladas com o passar do tempo são surpreendentemente
engenhosas e envolvem a cooperação das áreas de conhecimento mais distintas
possíveis. A química básica e a biologia molecular prometem medicamentos
capazes de restaurar o funcionamento de genes desligados de forma inadequada.
Magos da biologia celular unidos com gênios da
análise de proteínas, prometem serem capazes de restaurar o DNA danificado de
um indivíduo através do reparo com enzimas editoras de DNA e inseri-las em
células tronco que reativariam nosso relógio biológico completamente.
Uma das empresas de biotecnologia mais inovadoras
trabalha com a ideia de nano-robôs capazes de “limpar” certos resíduos que
promovem oxidação do DNA, um dos fenômenos mais importantes no processo de
envelhecimento. Finalmente, a integração de todas as informações fornecidas por
processos químicos associados ao envelhecimento e danos progressivos no DNA
precisam ser conhecidas e mapeadas individualmente.
Coletar e processar informações é exatamente a área
em que os cientistas do Vale do Silício estão mais à vontade. É por isso, que
estes projetos podem resultar em algo bom para a espécie humana. A capacidade
de aglutinar massas de informações e transformá-las em padrões inteligíveis
pode nos levar a compreender muito do porquê envelhecemos.
Já conseguimos muito. Mesmo sem saber como
envelhecemos, medidas dietéticas, mudança de hábitos de vida e controle de
doenças por meio de prevenção e da melhoria dos tratamentos quase dobrou a
nossa expectativa media de vida nos últimos 100 anos.
Imortalidade: benção ou maldição?
Não acredito que muitas pessoas estariam
interessadas em imortalidade. Mas acredito que quase todos aceitariam de bom
grado viver até os 120 anos com plena saúde. Esta é uma meta possível, em médio
prazo, na medida que destrinchamos os mecanismos que nos tornam vulneráveis a
doenças da terceira idade, como diabetes, osteoporose, neurodegeneração,
câncer.
Quanto à imortalidade. Bem, os antigos nos
advertiram sempre que esta não é uma benção, mas uma maldição. Gilgamesh, na
saga mais antiga registrada por escrito, é testemunha do desespero que é ser
imortal enquanto pessoas queridas envelhecem e morrem.
Os imortais de Jorge Luis Borges, ficam estáticos,
sem ânimo de fazerem qualquer coisa, porque nada tem qualquer sentido sem a
morte. Drácula só atemoriza os aldeãos locais em busca de algum sangue fresco,
mas a sua historia é de tragédia por ser eterno e ele busca, na verdade, uma
forma de morrer.
Pessoalmente, prefiro que este assunto ainda resida
apenas no reino da ficção dos multi-bilionários, até nos tornarmos uma espécie
em que viver para sempre seja uma forma de felicidade e não de horror ou
maldição para si próprio ou para os outros.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/voce-gostaria-de-viver-120-anos-e-eternamente/
- Por Bernardo Garicochea - ThinkStock/VEJA
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