Sempre bom
Há poucos anos, ter uma doença cardíaca era
virtualmente uma "condenação" a um repouso absoluto, fugindo de
qualquer esforço físico que pudesse representar uma carga adicional para o
coração.
Hoje, ao contrário, a prática regular de atividade
física tem-se firmado como uma importante forma de tratamento para a
insuficiência cardíaca - doença caracterizada pela incapacidade do coração de
bombear sangue adequadamente.
Os benefícios vão desde prevenir a caquexia - perda
severa de peso e massa muscular - até o controle da pressão arterial, a melhora
da função cardíaca e o retardo do processo degenerativo que causa a morte
progressiva das células do coração e leva à morte 70% dos afetados pela doença
nos primeiros cinco anos.
Pesquisadores a Universidade de São Paulo (USP)
descobriram agora uma parte dos mecanismos fisiológicos pelos quais o exercício
aeróbico protege o coração doente.
"Basicamente, o que descobrimos é que o
treinamento aeróbico facilita a remoção de mitocôndrias disfuncionais nas
células cardíacas," contou Júlio César Ferreira, professor do Instituto de
Ciências Biomédicas que está orientando o trabalho da pesquisadora Juliane Cruz
Campos.
As mitocôndrias são as organelas responsáveis por
produzir energia para as células. "A remoção dessas organelas promove um
aumento na oferta de ATP [adenosina trifosfato, molécula que armazena energia
para a célula] e reduz a produção de moléculas tóxicas, como os radicais livres
de oxigênio e os aldeídos reativos, que em excesso danificam as estruturas
celulares", acrescentou.
Atividade física moderada é segura para pacientes
cardíacos
Dois mecanismos de limpeza
Em uma pesquisa anterior, a equipe já havia mostrado
por meio de experimentos com cobaias que o treinamento aeróbico combate a
insuficiência cardíaca reativando um complexo intracelular conhecido como
proteassoma - principal responsável pela degradação de proteínas danificadas.
Os resultados mostraram ainda que, no coração de
portadores de insuficiência cardíaca, a atividade desse sistema de limpeza
diminui mais de 50% e, consequentemente, proteínas altamente reativas começam a
se acumular no citoplasma, interagindo com outras estruturas e causando a morte
das células cardíacas.
Agora, eles descobriram que a atividade física
também regula a atividade de outro mecanismo de limpeza celular conhecido como
sistema de autofagia - cuja descoberta rendeu o Nobel de Medicina ao cientista
japonês Yoshinori Ohsumi, em 2016.
"Em vez de degradar proteínas isoladas, esse
sistema cria uma vesícula [autofagossomo] em volta de organelas disfuncionais e
transporta todo esse material de uma só vez até uma espécie de incinerador, o
lisossomo. Lá dentro, existem enzimas que destroem o lixo celular. No entanto,
observamos que no coração de ratos com insuficiência cardíaca esse fluxo
autofágico está interrompido, o que faz com que mitocôndrias disfuncionais
comecem a se aglomerar", explicou Júlio César.
De acordo com o pesquisador, a mitocôndria chega a
se dividir, isolando a parte danificada para facilitar sua remoção. Isso foi
possível constatar ao analisar a atividade de proteínas relacionadas com o
processo de divisão mitocondrial. Porém, o sistema que deveria transportar o
material rejeitado até o lisossomo não consegue completar a tarefa.
Trocar exercício por remédio?
Segundo o pesquisador, o objetivo da pesquisa no
longo prazo é identificar alvos intracelulares que possam ser modulados por
meio de fármacos para promover pelo menos parte dos benefícios cardíacos
obtidos com a atividade física.
"Claro que não queremos criar a pílula do
exercício, isso seria impossível, pois ele atua em muitos níveis e em todo o
organismo. Mas talvez seja viável, por meio de um medicamento, mimetizar ou
maximizar o efeito positivo da atividade física no coração.
"Nossos resultados mostram que a atividade
física não só previne, como também reverte os danos causados pela insuficiência
cardíaca. Nossa hipótese é que o treinamento físico module a expressão e/ou
atividade de uma ou mais proteínas-chave envolvidas no processo denominado
'mitofagia', a autofagia mitocondrial, restaurando então sua atividade. É o que
agora estamos tentando descobrir," comentou Júlio César.
De acordo com o pesquisador, quando identificados,
esses genes e as proteínas por eles codificadas poderiam ser testados como
alvos terapêuticos.
Fonte: http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=exercicio-fisico-protege-coracao-mesmo-coracao-doente&id=12283&nl=nlds
- Imagem: Marcelo Hiro Akiyoshi
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