O número de ataques cardíacos em pessoas com menos
de 30 anos cresceu 13% no Brasil. Como prevenir esse problema?
No início de setembro, Danilo Feliciano de Morais se
sentiu mal durante uma partida de futebol com os amigos. O filho do ex-jogador
Cafu, capitão do pentacampeonato do Brasil na Copa do Mundo de 2002, não
resistiu. Morreu de infarto aos 30 anos, uma tragédia que provocou comoção e
também chamou a atenção para um problema cada vez mais comum: os ataques do
coração em adultos jovens.
Embora eles ainda figurem no imaginário como algo
que afeta só gente de meia-idade ou com os cabelos brancos, avançam com força
na moçada. Um estudo apresentado no último encontro do Colégio Americano de
Cardiologia revela que, apesar de o número de infartos ter se estabilizado
entre os americanos mais velhos, a incidência vem se ampliando 2% ao ano entre
cidadãos com 40 anos ou menos.
A situação é parecida entre os brasileiros. Segundo
o Ministério da Saúde, de 2013 pra cá os episódios de infarto entre adultos com
até 30 anos subiram 13%. “Isso reflete o aumento de hábitos não saudáveis que
colocam em risco a vida de pessoas nessa faixa etária”, avalia o médico Roberto
Kalil Filho, diretor do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, na
capital paulista. “Estresse, obesidade, diabetes, tabagismo, hipertensão e
colesterol fora de controle, além do histórico familiar, são fatores cada vez
mais prevalentes e apontados como os grandes responsáveis pelo aumento das
estatísticas”, enumera ele, que também comanda o Instituto do Coração (InCor),
em São Paulo.
Os genes e algumas peculiaridades biológicas ainda
entram em jogo. Como no caso de Danilo, que praticava esporte quando sofreu o
ataque, muitas vezes o comprometimento cardiovascular só se revela na hora do
próprio infarto. “Uma parte significativa dos episódios em jovens acontece a
partir de entupimentos que até momentos antes não eram significativos, as
chamadas placas rasas, que geram um coágulo capaz de obstruir uma artéria do
coração”, explica José Knopfholz, professor de cardiologia da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. “Nessas ocasiões, às vezes o primeiro sintoma
é o próprio infarto”, lamenta.
Para evitar um desastre desses, ficar atento a
antecedentes familiares (avós, pais ou irmãos que infartaram mais cedo), ter
acompanhamento médico e buscar um estilo de vida equilibrado compõem um roteiro
básico. Tem que se alimentar direito, fazer exercícios, não fumar nenhum tipo
de cigarro… “O tabagismo leva a um risco até cinco vezes maior de ter um
infarto”, ressalta o cardiologista Leopoldo Piegas, do Hospital do Coração, em
São Paulo.
Fatores de risco para o infarto antes dos 40 anos
Sedentarismo, dieta desregulada e obesidade (em alta
no Brasil) semeiam o terreno para entupimentos nos vasos do coração.
A hipertensão não costuma dar sinais e causa danos
nas artérias coronárias e cerebrais, abrindo caminho a ataque cardíaco e AVC.
Cerca de 15% dos casos de infarto estão ligados a
crises de estresse, capazes de levar a picos de pressão e ao colapso do músculo
cardíaco.
A herança genética pode favorecer colesterol nas
alturas e outros elementos que contribuem para a ocorrência de infartos
precoces.
Como surge um infarto
Você já deve ter ouvido por aí que o infarto em
jovens é mais grave, não? Um papo de que, com a idade, o coração se prepararia
melhor para futuros sustos… Isso se deve à história de que os mais velhos
teriam mais circulação colateral, vasos sanguíneos que se desenvolvem ao redor
do músculo cardíaco para supri-lo — se uma artéria importante ficasse entupida,
o problema seria compensado pelo aporte de sangue fornecido pelos outros
caninhos.
Pois bem: uma revisão de estudos feita por
cientistas suíços atesta que a circulação colateral pode, sim, ser decisiva
para o desfecho de um infarto, mas a idade não teria influência sobre esse
fenômeno. “A circulação colateral pode evitar uma morte súbita em decorrência
do ataque cardíaco, fazendo com que a pessoa tenha uma chance de ir ao hospital
em caso de emergência”, explica Knopfholz.
“Só que ela não é maior ou menor no jovem, uma vez
que é determinada geneticamente”, esclarece o cardiologista Bruno Caramelli,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Por falar em herança genética, ela tanto pode
proteger como elevar a propensão a um infarto precoce. “Filhos de pais
hipertensos ou que já tiveram AVC correm um risco 50% maior”, calcula Oscar
Dutra, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Algumas
condições determinadas pelo DNA, como a hipercolesterolemia familiar (que faz
disparar os níveis de colesterol), também tornam mais árduo o destino do
coração — daí a importância de diagnosticar e tratar corretamente quanto antes.
A despeito dos genes, a prevenção não deve esperar
sintomas, até porque a formação das placas que entopem os vasos do coração é um
processo silencioso. Mas o fato é que fatalidades como a de Danilo despertam a
preocupação com o tema e a saúde de cada um, como o InCor já tinha observado em
2006 após a morte do humorista Bussunda, do Casseta & Planeta.
Nos dias seguintes à notícia, houve aumento no
número de pessoas atendidas na emergência cardiológica do hospital. Os
pacientes tinham, em média, 43 anos, a idade de Bussunda ao falecer. “As
pessoas lembram que precisam se cuidar quando veem algo ocorrer com alguém
famoso”, nota Caramelli, que liderou esse levantamento no InCor.
O combate à doença cardiovascular, a bem da verdade,
precisa começar antes mesmo do nascimento. Já está comprovado que um ambiente
intrauterino desfavorável eleva a probabilidade de hipertensão, colesterol
alto, obesidade e diabetes lá na frente. Com base nisso, a SBC recomenda que os
cuidados se iniciem no pré-natal e percorram a primeira infância e a
adolescência — as placas de gordura já podem se depositar nas artérias das
crianças.
Nesse sentido, além das consultas e do check-up com
o pediatra, cabe estimular prática de atividade física, alimentação balanceada,
controle do peso, boas noites de sono… “A ideia de que a prevenção começa aos
40 anos é coisa do passado. Tem de começar antes do nascimento e se estender ao
longo da vida”, defende Caramelli.
Projetos como o SBC Vai à Escola, que pretende levar
educação sobre o assunto a mais de 60 mil alunos de 6 a 18 anos de 210 escolas
públicas de São Paulo, buscam justamente mudar esse paradigma de cuidados. E
incentivar que não só os mais jovens, mas toda a família, se protejam de uma
das maiores causas de morte no planeta.
Fonte: https://saude.abril.com.br/medicina/a-ameaca-do-infarto-em-adultos-jovens/
- Por Maurício Brum, Juan Ortiz e Sílvia Lisboa - Ilustração: Victor
Beuren/SAÚDE é Vital