Nova diretriz traz mais evidências sobre o assunto e
recomenda treinos personalizados para melhorar a vida depois do câncer
Fazer exercícios físicos regulares pode melhorar a expectativa
de vida de quem teve um câncer e até evitar que ele apareça. É o que afirma uma
nova diretriz assinada por 17 instituições do mundo, entre elas o Colégio
Americano de Medicina do Esporte e a Sociedade Americana de Câncer.
Durante dois dias, cerca de 40 especialistas se
reuniram nos Estados Unidos para revisar e discutir a literatura científica
sobre câncer e atividade física. O esforço foi condensado em três artigos.
O primeiro deles é focado em prevenção, e mostra
indícios sólidos de que malhar ajuda a evitar sete tumores comuns: cólon, mama,
endométrio, rins, bexiga, esôfago e estômago. Para ter ideia, o risco de ser
diagnosticado com certos tipos de câncer é 69% menor entre os fisicamente
ativos.
“E ainda existem evidências limitadas para câncer de
pulmão, cabeça e pescoço, pâncreas, ovário e mieloma múltiplo”, aponta Daniel
Galvão, diretor do Instituto de Pesquisa em Medicina do Exercício da
Universidade Edith Cowan, na Austrália, que participou da mesa redonda e assina
um dos trabalhos resultantes da reunião.
Exercícios após o câncer
O segundo trabalho da série de recomendações é
focado no que acontece depois do diagnóstico. Ele mostra um avanço considerável
e bem-vindo nessa área, uma vez que a população de sobreviventes do câncer não
para de crescer – hoje, ela está estimada em 43 milhões de pessoas no planeta.
A primeira diretriz publicada pelo mesmo grupo, em
2010, dizia em linhas gerais que se exercitar era aparentemente seguro para
essa turma. A nova publicação confirma a suspeita, além de destacar um aumento
de 261% nos estudos disponíveis sobre o impacto do exercício físico regular e
controlado em diversos aspectos da vida pós-câncer.
“Cada tipo da doença tem um comportamento e, muitas
vezes, o paciente conviverá por anos com a neoplasia em si ou as suas
consequências”, comenta a patologista Ana Luisa Gomes Mendes, do Núcleo de
Estudos em Oncologia da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Entre elas estão
fadiga, depressão, perda de massa muscular, sequelas cirúrgicas, dores crônicas
e perda de massa óssea.
“Assim, é impossível fazer uma prescrição para
todos. O ideal é olhar para essas condições específicas e criar um treino
individualizado”, aponta Galvão. A diretriz mundial elenca algumas dessas
condições e as melhores condutas para cada uma delas. O grupo de Galvão assina
ainda outro trabalho, publicado recentemente no Journal of Science and Medicine
in Sport, que detalha treinos para 30 consequências do câncer.
Além de atuar contra essas marcas, suar a camisa
diminui a probabilidade de tumores de cólon, mama e próstata voltarem, e
aumenta a sobrevida de indivíduos com esses tipos de câncer.
Tipos de atividade, frequência e intensidade
Apesar da necessidade de individualização, um
esquema é muito citado no documento: três sessões de exercícios na semana em
intensidade moderada, de preferência combinando atividades aeróbicas (como
correr e pedalar) ao treinamento de força. Os benefícios começam a aparecer
geralmente depois de 12 semanas de prática constante.
Treinos supervisionados parecem ser mais eficazes.
“Na fase de combate, a supervisão ajuda a garantir segurança e aproveitar ao
máximo o exercício. Depois do tratamento, o ideal é obter ao menos uma
orientação inicial com um especialista”, informa Christina May Moran de Brito,
Coordenadora Médica do Serviço de Reabilitação do Instituto do Câncer do Estado
de São Paulo (Icesp), em São Paulo.
Por que faz bem?
Há muitos motivos para justificar a importância do
exercício no combate ao câncer. “Ele melhora a imunidade, reduz a inflamação
sistêmica, equilibra o hábito intestinal, o que é importante no caso dos
tumores de cólon, além de promover uma composição corpórea adequada”, resume
Christina.
Vale destacar o último item, já que a obesidade, uma
das consequências da inatividade, está associada a nada menos do que 13 tipos
de câncer. Quando o tumor já se instalou, o movimento constante parece inibir
sua progressão e favorecer a resposta do corpo ao tratamento – inclusive em
situações mais sérias, como a presença de metástase em outros locais.
Linfedema não piora com exercício
Até pouco tempo atrás, se pensava que malhar poderia
piorar o linfedema, uma retenção de líquidos que causa inchaço em um membro do
corpo – essa é uma consequência comum em mulheres que passam por cirurgia para
tratar o câncer de mama. A nova diretriz mostra que isso não ocorre. A novidade
é importante, porque o exercício é vital para elas.
E a mulher deve se movimentar mesmo quando já tem o
linfedema. “O treino de força progressivo, com cuidado, é seguro, e o tônus
muscular colabora com a drenagem linfática na região”, explica Christina.
“Nesse caso, o linfedema deve ser tratado e estar estabilizado há três meses, e
os exercícios não podem ser realizados sob sol forte ou muito calor”,
acrescenta.
Implicações práticas
Por fim, o terceiro artigo produzido pelo grupo, e
publicado no periódico CA: A Cancer Journal for Clinicians, fala diretamente
com o oncologista. “Nele, mostramos que o exercício deve ser prescrito junto
com o tratamento medicamentoso”, comenta Galvão. A ideia é que, já nas
primeiras consultas, o assunto seja trabalhado em três etapas: conhecer a
capacidade física do indivíduo, aconselhar e, por fim, encaminhar para um
especialista na área.
Espera-se que um compêndio tão robusto de evidências
eleve a importância do tópico entre as autoridades. Trata-se, afinal, de uma
estratégia barata e eficaz contra uma doença desafiadora e onerosa. Segundo os
especialistas, a conclusão é de que o exercício é parte do tratamento, mas não
existe uma estrutura mundial para que isso se concretize de maneira uniforme.
Por ora, manter-se ativo antes e depois do câncer
depende muito da iniciativa própria, que sofre com os estigmas associados à
doença. “Observamos que grande parte das pessoas recebe o diagnóstico e
interrompe as atividades físicas, sendo que a maioria das contraindicações é
pontual e temporária”, diz Christina. Uma pena. “O exercício seria muito
benéfico para elas”, conclui.