Um roteiro didático para quem se vacinou ou vai se vacinar – e que já antecipa: a imunidade de rebanho, ou seja, a volta àquela vida normal de antes, ainda vai demorar algum tempo
A vacina não previne totalmente a infecção, mas reduz a praticamente zero as chances de o vacinado ficar gravemente doente.
Nota do editor: então você recebeu sua vacina contra o coronavírus, esperou duas semanas paratado de São Paulo/Wikimedia Commons que seu sistema imunológico respondesse à injeção e agora está totalmente vacinado. Isso significa que você pode percorrer o mundo como antigamente sem medo de espalhar o vírus? Deborah Fuller é microbiologista da Escola de Medicina da Universidade de Washington que trabalha com vacinas contra o coronavírus. Ela explica o que a ciência mostra sobre a transmissão pós-vacinação – e se novas variantes poderiam mudar essa equação.
1) A vacinação previne completamente a infecção?
A resposta curta é não. Você ainda pode se infectar
depois de ser vacinado. Mas suas chances de ficar gravemente doente são quase
zero.
Muitas pessoas pensam que as vacinas funcionam como
um escudo, impedindo um vírus de infectar as células por completo. Mas, na
maioria dos casos, uma pessoa que é vacinada está protegida contra doenças, não
necessariamente contra infecções.
O sistema imunológico de cada pessoa é um pouco
diferente. Então, quando uma vacina é 95% eficaz, isso significa que 95% das
pessoas que recebem a vacina – mas que teriam ficado doentes se expostas ao vírus
antes – não ficarão doentes. Essas pessoas podem estar completamente protegidas
da infecção ou podem estar sendo infectadas, mas permanecem assintomáticas
porque seu sistema imunológico elimina o vírus muito rapidamente. Os 5%
restantes das pessoas vacinadas – se expostas ao vírus – podem ser infectadas e
adoecer. Mas é extremamente improvável que elas sejam hospitalizadas.
A vacinação não evita 100% que você seja infectado.
Mas, em todos os casos, dá ao seu sistema imunológico uma grande vantagem sobre
o coronavírus. Seja qual for o seu resultado – seja proteção completa contra
infecção ou algum nível de doença –, você ficará melhor depois de encontrar o
vírus do que se não tivesse sido vacinado.
2) Infecção sempre significa transmissão?
A transmissão ocorre quando partículas virais
suficientes de uma pessoa infectada entram no corpo de uma pessoa não
infectada. Em teoria, qualquer pessoa infectada com o coronavírus poderia
transmiti-lo potencialmente. Mas uma vacina reduzirá a chance de isso
acontecer.
Em geral, se a vacinação não prevenir completamente
a infecção, reduzirá significativamente a quantidade de vírus que sai do nariz
e da boca – um processo chamado eliminação – e encurtará o tempo de eliminação
do vírus. Esse é um grande negócio. Uma pessoa que espalha menos vírus tem
menos probabilidade de transmiti-lo a outra pessoa.
Esse parece ser o caso das vacinas contra o
coronavírus. Em um estudo recente em pré-impressão, que ainda não foi revisado
por pares, pesquisadores israelenses testaram 2.897 pessoas vacinadas quanto a
sinais de infecção por coronavírus. A maioria não tinha vírus detectável. Mas
as pessoas infectadas tinham um quarto da quantidade de vírus em seus corpos em
relação às pessoas não vacinadas testadas em momentos semelhantes após a
infecção.
Menos coronavírus significa menos chance de
propagá-lo. Se a quantidade de vírus em seu corpo for baixa o suficiente, a probabilidade
de transmiti-lo pode chegar a quase zero. No entanto, os pesquisadores ainda
não sabem onde está esse limite para o coronavírus e, uma vez que as vacinas
não fornecem 100% de proteção contra infecções, os Centros de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC, dos EUA) recomendam que as pessoas continuem a usar
máscaras e a manter distanciamento social mesmo depois de ser vacinadas.
3) E quanto às novas variantes do coronavírus?
Novas variantes do coronavírus surgiram nos últimos
meses. Estudos recentes mostram que as vacinas são menos eficazes contra
alguns, como a variante B1351 identificada pela primeira vez na África do Sul.
Cada vez que o SARS-CoV-2 se replica, ele obtém
novas mutações. Nos últimos meses, os pesquisadores descobriram novas variantes
que são mais infecciosas – o que significa que uma pessoa precisa respirar
menos vírus para se infectar – e outras variantes que são mais transmissíveis –
o que significa que aumentam a quantidade de vírus que uma pessoa espalha. E os
pesquisadores também descobriram pelo menos uma nova variante que parece ser
melhor para escapar do sistema imunológico, de acordo com os primeiros dados.
Então, como isso se relaciona com vacinas e
transmissão?
Para a variante da África do Sul, as vacinas ainda fornecem mais de 85% de proteção contra doenças graves com covid-19. Mas quando você conta os casos leves e moderados, eles fornecem, na melhor das hipóteses, apenas cerca de 50%-60% de proteção. Isso significa que pelo menos 40% das pessoas vacinadas ainda terão uma infecção forte o suficiente – e vírus suficiente em seu corpo – para causar pelo menos uma doença moderada.
Se as pessoas vacinadas têm mais vírus em seus
corpos e levam menos desse vírus para infectar outra pessoa, haverá maior
probabilidade de uma pessoa vacinada transmitir essas novas cepas do
coronavírus.
Se tudo correr bem, as vacinas muito em breve
reduzirão a taxa de doenças graves e morte em todo o mundo. Na verdade,
qualquer vacina que reduza a gravidade da doença também está, no nível da
população, reduzindo a quantidade de vírus a ser eliminada em geral. Mas, devido
ao surgimento de novas variantes, as pessoas vacinadas ainda têm o potencial de
eliminar e espalhar o coronavírus para outras pessoas, vacinadas ou não. Isso
significa que provavelmente levará muito mais tempo para que as vacinas reduzam
a transmissão e as populações atinjam a imunidade de rebanho do que se essas
novas variantes nunca tivessem surgido. Exatamente quanto tempo isso levará é
um equilíbrio entre a eficácia das vacinas contra as cepas emergentes e o quão
transmissíveis e infecciosas essas novas cepas são.
Fonte: https://www.revistaplaneta.com.br/pessoas-vacinadas-ainda-podem-transmitir-o-coronavirus/
- Texto: Deborah Fuller - é professora
de Microbiologia na Escola de Medicina da Universidade de Washington (EUA) - Crédito:
cromaconceptovisual/Pixabay