Em 2018, os cientistas descobriram formigas
enfermeiras, encontraram um lago em Marte e inventaram um novo jeito de
observar o céu: neutrinos.
Vamos começar a retrospectiva de 2018 com uma
história um pouquinho mais antiga. Em 1919, uma comitiva de astrônomos gringos
se dirigiu à cidade de Sobral, interior do Ceará, para observar o céu durante
um eclipse solar. A missão deles era avaliar se a luz de estrelas distantes era
distorcida pela gravidade massiva do Sol quando passava perto dele.
É que alguns anos antes, em trabalhos publicados em
1905 e 1911, um cara levemente genial chamado Albert Einstein havia previsto que
sim: gravidade é um negócio que distorce o tecido da realidade; dobra o espaço
e o tempo e obriga até a luz a fazer curva. No limite, permite viagens no tempo
– ainda que essa seja uma possibilidade teórica, essencialmente impossível de
se realizar na prática.
Lembre-se: estamos em 1919. Isso é 40 anos antes da
época em que se passa a série de TV Mad Men. E em Mad Men homens ainda andavam
de terno e chapéu e mulheres usavam anáguas por baixo dos vestidos. Se você, de
calça jeans no século 21, apanha para entender a Teoria da Relatividade,
imagine o que foi para alguém da época inventá-la.
Pois é, calhou que era verdade. A comitiva de Sobral
viu a luz ser distorcida da maneira exata que Einstein havia previsto. No dia
seguinte, a notícia era capa de todos os jornais do mundo. É difícil para nós,
da SUPER, imaginar a alegria dos repórteres que estavam de plantão naquele dia.
Não é sempre que um jornalista de ciência pode dar uma bomba dessas – afirmar,
na capa, que um cara, sozinho, mudou a história da civilização.
Isso é porque gênios são raros. Descobertas,
normalmente, são feitas passo a passo. E os passos são minúsculos. Eles são o
resultado do esforço colaborativo de centenas de pessoas (nem todas de avental
branco), que organizam experimentos longos e complicados para tirar conclusões
que, muitas vezes, um leigo sequer é capaz de entender. Os jornalistas tentam
extrair, dessas conclusões, as que são mais interessantes ou simples de
explicar – e, assim, transmitir um pouco do fascínio que move essa Sociedade
dos Poetas Mortos chamada Ciência, com “C” maiúsculo.
Em 2018, como geralmente acontece, não houve nenhum
Einstein. Mas teve muita Ciência do jeito que ela é: sangue, suor e lágrimas.
Relembrando:
1. Formigas enfermeiras
Em fevereiro, a equipe de Erik Frank, biólogo da
Universidade de Würzburg, publicou um artigo relatando como as formigas da
espécie Megaponera analis agem como enfermeiras de guerra: resgatam as colegas
feridas em combates com outros insetos, limpam os ferimentos e até aplicam
substâncias de função antibiótica. As veteranas voltam para a linha de frente
depois da cicatrização. Relembre aqui.
Formigas
africanas resgatam os feridos em expedições de caça – limpam os ferimentos,
aplicam antibiótico e os carregam para casa. quase um terço da colônia é
composta de veteranos de guerra salvos.
Formigas africanas resgatam os feridos em expedições
de caça – limpam os ferimentos, aplicam antibiótico e os carregam para casa.
quase um terço da colônia é composta de veteranos de guerra salvos. (Estevan
Silveira/Superinteressante)
Frank e seus colegas sabem disso porque, entre 2013
e 2015, eles assistiram de camarote a 420 expedições de formigas, organizadas
por 52 formigueiros. Pode parecer muito trabalho para uma conclusão simples. É
muito trabalho para uma conclusão simples. Mas vale a pena porque o
comportamento nossas amigas analis é exemplo de algo maior: como a seleção
natural pode dar origem a comportamentos altruístas em sociedades animais (como
a nossa).
Na teoria, a seleção natural deveria premiar seres
vivos egoístas: como eles agem de maneira a beneficiar a si próprios, eles
naturalmente sobrevivem mais tempo e deixam mais prole. Já os seres vivos bobos
e prestativos, que gastam energia com os outros, perdem na luta pela vida. Por
causa disso, sempre foi um desafio explicar a existência da bondade – seja
entre formigas, seja entre nós.
A coisa muda de figura quando percebemos que um gene
que te estimula a ajudar pessoas próximas acaba, por tabela, ajudando a
preservar as cópias dele que moram no corpo dos seus parentes próximos: pais,
irmãos, filhos… Assim, o altruísmo ganha uma explicação matemática: um gene que
colabora com seus clones em outros corpos aumenta o número de si mesmo na
população. Você pode entender o fenômeno nesta matéria da SUPER de junho.
As formigas, portanto, são uma pequena colaboração à
grande aventura de entender o comportamento animal. Um exemplo lindo de ciência
feita em 2018.
2. Bebês editados
Às vezes, cientistas abandonam a cautela dos
pequenos passos no desejo de virar notícia. E aí erram. O pesquisador chinês He
Jiankui afirmou, em novembro, que havia criado um par de gêmeas humanas com o
DNA editado pela técnica CRISPR-Cas9. A ideia era torná-las resistentes ao
vírus causador da AIDS, o HIV. Os pais das crianças eram soropositivos.
Ninguém sabe se Jiankui realmente fez isso – não há
nenhum artigo científico que descreva a peripécia, e ninguém viu as cobaias recém-nascidas.
Mas isso não torna a alegação menos grave.
O primeiro problema é prático: a técnica CRISPR-Cas9
(que você pode entender melhor aqui) nunca foi submetida à bateria de testes
clínicos pelos quais qualquer medicamento e terapia sérios precisam passar
antes de serem aplicados em humanos. Ninguém sabe ao certo quais são os riscos
e efeitos colaterais de se copiar e colar trechos de DNA como se faz com textos
no computador. Há evidências, por exemplo, de que genes sem relação com o
gene-alvo podem ser modificados acidentalmente pela técnica.
O segundo é ético: editar DNA para curar doenças não
é diferente de customizar genes para mudar características físicas ou
comportamentais de um bebê. As ferramentas para fazer isso ainda precisam ser
aperfeiçoadas, mas já estão nas mãos dos cientistas.
Crianças produzidas sob encomenda, de acordo com as
especificações dos pais, são uma assustadora versão século 21 da eugenia – a
ideia de “melhoramento genético” da espécie humana por meio da reprodução
seletiva de indivíduos mais aptos e a castração dos supostamente incapazes.
3. Lago de gelo em Marte
Em julho, dados de radar de uma sonda não-tripulada
da Agência Espacial Europeia (ESA) revelaram um corpo de água salgada com 20
quilômetros de extensão oculto sob uma calota de gelo no extremo sul de Marte.
Essa foi a primeira vez que um acúmulo de H2O estável e razoavelmente grande
foi encontrado no Planeta Vermelho – e reacendeu as esperanças de que nosso
vizinho planetário possa abrigar formas de vida simples.
4. Sons de Marte
A sonda inSight, da Nasa, chegou ao planeta vermelho
em 26 de novembro com a missão de estudar os terremotos marcianos –
“martemotos”, para os bem-humorados. Mas veio com um bônus: conseguiu usar seus
sismógrafos para registrar o som do vento do planeta. Conclusão? Sons graves se
propagam melhor na atmosfera rarefeita de gás carbônico. Os baixistas
agradecem. Ouça abaixo:
5. Neutrinos antárticos
Até 2017, havia basicamente dois jeitos de se
observar o Universo.
1. Um era o que você já conhece: luz. Luz, para um
astrônomo, não é só a luz que os olhos podem ver diretamente – do tipo que
permitiu a Galileu descobrir as luas de Júpiter com uma pequena luneta, em
1610. Outros tipos de radiação eletromagnética, como as ondas de rádio e as
micro-ondas, podem ser captadas e interpretadas por equipamentos com um alcance
muito maior que o do olho humano – e são uma fonte de informação valiosa para
estudar objetos distantes.
2. O outro método de observação, bem mais recente,
são as ondas gravitacionais: perturbações no próprio tecido do espaço-tempo,
que se propagam após colisões violentas entre corpos extremamente densos, como
estrelas de nêutrons e buracos negros. Elas são captadas pelo observatório
LIGO. Você pode entender melhor o que o LIGO faz aqui.
Em 2018, o observatório IceCube, na Antártica,
inaugurou um terceiro jeito de observar o céu. Bem diferente dos dois
anteriores, ele funciona por meio da detecção de partículas subatômicas muito
discretas chamadas neutrinos.
Neutrinos – ao contrário de quarks e elétrons, que
compõem seu corpo, ou de fótons, que compõem a luz – são bastante discretos.
Raramente interagem com as coisas. Há 65 bilhões de neutrinos atravessando cada
centímetro quadrado do seu corpo neste exato momento.
Nas raras ocasiões em que interagem, porém, causam
um rebuliço. Se um neutrino tromba com outra partícula dentro da água – ou do
gelo, o que dá na mesma –, ele dá origem a uma porção de outras partículas.
Essas partículas são jogadas longe pelo impacto, como bolas de sinuca atingidas
pela bola branca. Aceleram tanto, de fato, que vão mais rápido do que a
velocidade da luz na água (que é um quarto menor que a velocidade da luz no
vácuo – só por isso é possível ultrapassá-la).
Da mesma maneira que um avião gera uma onda de
choque quando cruza a barreira do som no ar, uma partícula emana uma
luminosidade azulada muito particular quando cruza a barreira da luz na água: a
radiação Cherenkov. O que o IceCube é capaz de detectar, portanto, não são os
neutrinos em si, e sim a radiação Cherenkov gerada quando eles, por sorte,
colidem com alguma coisa.
Com os dados dos 5160 sensores de luz que compõem o
IceCube, é possível calcular com precisão de que direção do céu veio cada
neutrino. E assim, estabelecer qual foi a estrela (ou até quasar) distante que
os produziu. Esses sensores ficam encravados em um pedaço de gelo com um
quilômetro cúbico de volume no Polo Sul. Ou seja: o IceCube é uma espécie de
Facebook do céu. Envia uma notificação sempre que recebe uma mensagem de um
lugar distante.
6. Exoluas?
Da série “legal, mas ainda precisa de confirmação”:
em outubro, astrônomos detectaram pela primeira vez um corpo na órbita de um
planeta de outra estrela. Em outras palavras, uma lua em outro Sistema Solar. A
dita cuja gira em torno do planeta gigante gasoso Kepler 1625b, que é maior que
Júpiter. A dupla fica a 8 mil anos-luz da Terra, na direção da constelação de
Cisne.
A presença de luas nos planetas de outras estrelas
não é uma surpresa: elas são extremamente comuns no Sistema Solar, e não há
motivos para pensar que não apareçam em outros lugares. Mas a detecção de uma é
um feito técnico notável: atestado na nossa capacidade de observar lugares tão
distantes que jamais poderemos visitar.
7. O animal mais antigo
A explosão do Cambriano é o nome dado pelos geólogos
ao momento em que animais grandes e complexos surgem repentinamente no registro
fóssil, há 541 milhões de anos. Foi um capítulo de evolução acelerada na
história natural, em que formas de vida grandes e cheias de truques — como
lesmas, caramujos e insetos — pipocaram após bilhões de anos de tédio microscópico
e sexo nada entusiasmado entre bactérias.
O bichinho que você na foto acima, batizado de
Dickinsonia, é o fóssil animal mais antigo já encontrado: viveu há 558 milhões
de anos, 17 milhões de anos antes desse marco zero. E você teve o prazer de
acompanhar sua descoberta em 2018. Diga olá para seus ancestrais, humano.
Fonte: https://super.abril.com.br/ciencia/6-grandes-momentos-da-ciencia-em-2018-e-um-nao-tao-bom-assim/
- Por Bruno Vaiano
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