O consumo de certos nutrientes, associado à prática de
atividade física, ajuda o cérebro a funcionar melhor
Por mais que a ciência evolua, não tem jeito, o processo de
envelhecimento dos seres humanos continua sendo, até agora, irreversível.
Enquanto tratamentos estéticos e produtos de beleza têm conseguido ao menos
retardar os efeitos do tempo externamente, como fazer para conseguir evitar a
deterioração do cérebro e da memória, por exemplo? Uma das estratégias é ter
uma alimentação saudável.
"Recentemente, um grande estudo publicado em uma revista de neurologia
mostrou que indivíduos que tinham como hábito fazer a dieta do mediterrâneo,
que basicamente consiste em consumir peixes de águas frias, frutas frescas e
azeite de oliva in natura, tiveram um declínio das funções cognitivas
significativamente menor quando comparados com pessoas que consumiam outras
dietas", conta o neurologista André Felício, com pós-doutorado na
University of British Columbia, no Canadá.
Segundo a
pesquisa,
a dieta mediterrânea pode reduzir os riscos de os indivíduos virem a sofrer de
problemas de memória com o passar do tempo. A pesquisa foi descrita como
"o mais amplo estudo do tipo feito até agora" e se baseou na
informação dietética de 17.478 afro-americanos e caucasianos com média de idade
de 64 anos. Os adeptos da dieta mediterrânea foram 19% menos propensos a
desenvolver problemas em suas habilidades de memória e raciocínio do que
pessoas que não comem estes alimentos.
A nutricionista Ariane Machado Pereira, da Naturalis, também defende o consumo
de peixes, pela presença do ômega 3 em sua composição. Trata-se de um ácido
graxo poli-insaturado adquirido por meio da alimentação que é precursor do
ácido docosa-hexaenóico (DHA).
"O DHA é um ácido graxo ômega 3 com participação ativa na formação e
manutenção do sistema nervoso e na constituição dos neurônios (células
responsáveis pela transmissão de informações no cérebro). Além disso, com o
envelhecimento do indivíduo, há um aumento do estresse oxidativo, que atua
reduzindo os níveis do DHA no cérebro. Esse processo resulta em uma diminuição
desses ácidos graxos, assim como ocorre em maior intensidade nas doenças como
alzheimer, parkinson e na esclerose lateral amiotrófica. Por isso, o peixe é
ótimo para ser inserido na alimentação", afirma a nutricionista.
Ela acrescenta que a suplementação com óleo de peixe, que contém alta
concentração de DHA, pode ajudar na memória porque o ácido é um dos maiores
constituintes do tecido nervoso.
"O aumento do seu consumo é importante para a formação
e na função do sistema nervoso, particularmente do cérebro. Ele participa da
comunicação entre os neurônios por meio da geração de impulsos nervosos. Já os
fosfolipídios (principais componentes das membranas celulares) também estão
relacionados com uma melhora na memória, pois desempenham inúmeras funções
benéficas no organismo e mantêm a integridade das células."
Funções cognitivas
Um outro alimento destacado por Pereira é a lecitina de soja, por ser
fonte de fosfolipídios, dentre eles a fosfatidilcolina, a
fosfatidiletanolamina, o fosfatidilinositol e a fosfatidilserina. "Esta
última é encontrada em grande quantidade nas células do cérebro, onde está
relacionada à função das células cerebrais. Diversos estudos mostram que essa
substância melhora as funções cognitivas, como o aprendizado, a memória, a
atenção e o raciocínio", afirma.
A fosfatidilcolina, frisa a nutricionista, fornece a colina, uma vitamina
essencial do complexo B que participa da formação da acetilcolina, um
neurotransmissor (mensageiro do cérebro).
O neurologista é mais comedido: "Além de suplementos 'naturais', como o
óleo de peixe, óleo de coco e lecitina de soja, existem diversos outros
compostos que associam vitaminas, ômega 3, outros antioxidantes, aminoácidos,
etc., e que teriam o potencial de melhorar as conexões nervosas em indivíduos
com problemas como a doença de Alzheimer. Embora do ponto de vista teórico
esses suplementos façam bastante sentido, do ponto de vista prático, além da
barreira econômica (são caros) faltam ainda estudos que comprovem sua real
eficácia ao longo do tempo, doses e segurança", diz.
Num item ambos concordam: as vitaminas ajudam muito. "De um modo geral,
elas são essenciais para o organismo, em particular para o adequado
funcionamento do cérebro. Participam de diversos processos intracelulares, são
antioxidantes e cofatores de reações químicas", fala Felício. Pereira
acrescenta: "A vitamina D, por exemplo, auxilia na regeneração dos
neurônios e regula a fixação do cálcio em receptores importantes para a
formação da memória. Alimentos que são fontes: óleo de fígado de bacalhau,
peixes e leite fortificado".
O que evitar
Gorduras saturadas, açúcar e carne vermelha em excesso e o
consumo de álcool são grandes vilões quando se trata do cérebro e, em
particular, da memória. Felício afirma que, além do efeito deletério para a
saúde de um modo geral, levando a dislipidemia (aumento do colesterol e
triglicérides), obesidade, diabetes e um significativo aumento do risco de
acidentes vasculares encefálicos, esses itens aceleram o envelhecimento, uma
vez que criam um microambiente tóxico para o tecido nervoso.
A nutricionista afirma que a gordura saturada proveniente do consumo excessivo
de alimentos industrializados pode acelerar a perda de memória por processo
inflamatório, afetando o funcionamento das células nervosas. Já o consumo
exagerado de açúcar, através de alimentos ricos em carboidratos simples (de
fácil absorção), eleva rapidamente a produção de insulina, desencadeando
reações químicas que agridem as células cerebrais.
Ela lembra que a carne vermelha ajuda a memória, mas seu consumo excessivo pode
estimular a produção de substâncias tóxicas para os neurônios. É o caso da
homocisteína, um composto que aumenta significativamente a oxidação por
radicais livres, podendo ser um fator de risco a longo prazo para o
desenvolvimento de doenças como o alzheimer. Já o consumo excessivo do álcool
pode causar um deficit temporário de memória, atenção e aprendizado, levando à
morte de neurônios e prejudicando a formação de novas células cerebrais.
"Uma alimentação equilibrada, composta por nutrientes que atuam no bom
funcionamento cerebral, associada à prática de atividade física, com certeza
ajudará positivamente na memória, na concentração e na prevenção de doenças
degenerativas progressivas do cérebro, levando em consideração os aspectos
genéticos de cada individuo", finaliza a nutricionista.
Idosos
As principais causas da perda de memória são as doenças neurodegenerativas (em
que ocorre a destruição progressiva e irreversível de neurônios, as células
responsáveis pelas funções do sistema nervoso). "As doenças ocorrem
normalmente em indivíduos idosos, acima de 65 anos. Mas existem outras causas
potencialmente tratáveis, como hipotireoidismo descompensado, hematoma subdural
crônico, deficiência multivitamínica, entre outras", afirma Felício.
É bom lembrar que problemas de memória não afetam apenas
pessoas mais velhas. E Felício comenta que, em idosos, nem sempre a perda de
memória pode significar sinais do mal de Azheimer, por exemplo. Embora a doença
seja a principal causa de perda de memória em indivíduos desta faixa etária, é
preciso uma cuidadosa avaliação médica desses casos a fim de se buscar
diagnósticos diferenciais. Já em pessoas jovens, devem ser pesquisados
transtorno do deficit de atenção e hiperatividade, transtorno de ansiedade e
depressão.
O neurologista alerta que, quando a perda de memória
interfere nas atividades cotidianas da pessoa e é percebida como um problema
por seus familiares e amigos próximos ou pelo próprio paciente, é fundamental
procurar ajuda médica. "Obviamente, muitos procuram auxílio antes disto e
neste momento o médico tem uma função especial de esclarecer e orientar",
encerra.