Não é só a pele que pede cuidados com os raios
solares. Os olhos também podem sofrer com essa exposição. Mas dá para se
proteger
Todo verão aquele mantra se repete: use e abuse do
protetor solar! E o conselho não é dado à toa. Afinal, os raios ultravioleta do
sol agridem a pele e podem provocar de queimadura a câncer. Mas há outra
redondeza do corpo que padece com essa radiação e costuma ser negligenciada.
Abra bem os olhos… pois falamos deles. E não pense que basta colocar qualquer
par de óculos escuros e sair por aí. Na verdade, tem acessório que, em vez de
ajudar, até piora a situação.
A proteção ocular deveria preocupar mais os
brasileiros. Nosso país está em uma posição privilegiada em matéria de
incidência dos raios solares — são altos os índices de luminosidade de janeiro
a janeiro.
“A irradiação solar é mais acentuada quanto mais
próximo se está da linha do Equador”, explica o oftalmologista Miguel Padilha,
do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. “Em lugares
mais distantes, como na Escandinávia, o sol é menos intenso e alguns problemas
de visão se manifestam com menor frequência ou mais tarde na vida”, completa.
É por essas e outras que brasileiros, sobretudo nas
regiões Norte e Nordeste, correm maior risco de desenvolver pterígio, quando a
membrana que cobre a parte branca do olho e o interior das pálpebras se torna
mais espessa em reação à radiação ultravioleta. Em alguns casos, ela cresce
tanto que cobre a pupila, estrutura que controla a entrada da luz no globo
ocular e é peça-chave para enxergarmos direito.
Nem as cidades mais ao sul do Brasil ficam de fora
da zona de risco. Inclusive porque a população ali tem algumas suscetibilidades
genéticas, herdadas dos imigrantes europeus.
“Na Região Sul, são mais comuns os episódios de
carcinoma no olho, um tipo de câncer que também se desenvolve em função da
exposição solar”, aponta o oftalmologista Leon Grupenmacher, professor da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Independentemente de onde você mora, é preciso saber
que o contato exagerado com o sol pode provocar desde pequenas queimaduras na
córnea (a camada transparente que fica na frente do olho) até danos no
cristalino, a lente natural que nos ajuda a focalizar os objetos.
Com o tempo e a falta de cuidados, essa estrutura
perde a flexibilidade, o que dificulta a visualização de elementos mais
próximos dos olhos. E aí lá vem a tal da vista cansada, a presbiopia. Há
indícios de que ela aparece mais cedo em quem vive em lugares ensolarados.
No longo prazo, outra encrenca é a catarata,
situação em que o tal do cristalino se torna opaco e chega a turvar a visão.
Ligada ao avanço dos anos, ela também se aproveita da exposição aos raios
ultravioleta.
E é um problema de saúde pública: a Organização
Mundial da Saúde (OMS) estima que 48% dos casos de cegueira no mundo sejam
causados pela catarata e, embora muitos possam ser revertidos com cirurgia, a
falta de recursos e informação em alguns territórios limita o acesso ao
tratamento.
Problemas que o excesso de sol pode causar ou
agravar
Catarata: o cristalino, lente natural do olho, fica
turvo com o tempo, a ponto de limitar ou bloquear a visão. Uma cirurgia corrige.
Pterígio: é o crescimento anormal da membrana que
reveste a parte branca do olho. Se não tratar, compromete a vista.
Fotoceratite: é uma dolorosa queimadura solar na
córnea. Pode levar à sensação de areia nos olhos e perda temporária da visão.
Hábitos para evitar problemas nos olhos
“Nossa recomendação é tomar o máximo de cuidado ou
evitar o sol no período entre as 10 e as 16 horas”, receita Padilha. Além
disso, é preciso estar atento ao fato de que os raios solares refletem em
diferentes superfícies, especialmente as mais claras — como a areia da praia
ou, em países frios, a neve.
“Não é por estar debaixo de um guarda-sol que a
pessoa escapa da radiação. Por isso, devemos proteger os olhos a todo momento”,
indica o médico.
O kit básico para resguardar a visão conta com bons
óculos escuros dotados de lentes com filtro ultravioleta e um boné ou chapéu de
qualidade — sim, até esse item merece ser escolhido com critério.
“O boné deve ter a pala de tecido, pois o plástico
não protege os olhos da irradiação”, avisa Padilha. A depender da exposição,
vale até investir em tecidos que contam com filtro UV.
Quais os melhores e os piores horários
9 horas da manhã: os médicos concordam que o início
da manhã é o melhor momento para sair ao sol. É que nesse período os raios
solares estão mais fracos e temos maior proteção da camada de ozônio.
Meio-dia: quando o sol está a pino, deve-se evitar
ao máximo a exposição. Isso porque os raios vêm de todos os lados: não só de
cima, mas também das superfícies onde se refletem, como asfalto e areia.
5 horas da tarde: a partir desse horário, a
luminosidade começa a diminuir. Mas os olhos também podem sofrer devido à
posição do sol. Quando ele se põe no horizonte, fica bem em nossa linha de
visão.
Os equipamentos essenciais
Óculos: tanto os de sol como os de grau previnem a
maioria dos problemas associados aos raios UV. Para isso, devem ter filtro
certificado nas lentes. Os piratas só agravam os riscos.
Chapéu: costuma cobrir e proteger uma área maior que
a do boné. Mas, assim como os outros acessórios do gênero, não deve ser usado
sozinho em horas de sol intenso.
Lentes de contato: opção para quem não quer usar
óculos, vai entrar na água ou praticar esportes, contam com proteção UV e são
mais efetivas se combinadas com os outros acessórios.
Boné e viseira: barram parte dos raios solares, só
que devem ser feitos de material adequado: prefira sempre o pano e evite as
abas de plástico. Eles não dispensam os óculos escuros.
Guarda-sol: o utensílio é bacana para ajudar a
bloquear a incidência direta sobre toda a família. Ainda assim, como o sol
reflete na areia ou na piscina, óculos e chapéu continuam bem-vindos.
Como escolher os óculos de grau e de sol (e a lente
de contato)
A escolha dos óculos, inclusive os de grau, merece
um capítulo à parte nessa história de proteção aos olhos. O ponto crucial aqui
é que as lentes precisam ter filtro ultravioleta. Em geral, as óticas oferecem
certificado de garantia dos fabricantes e também possuem equipamentos capazes
de confirmar a defesa prometida. Comprando com o camelô, o ambulante ou em uma
loja não especializada, é alto o risco de levar um produto que não dispõe desse
atributo.
“Usar óculos sem filtro é pior do que sair ao sol sem
nada. Por causa da lente escura, a pupila fica mais dilatada e a radiação
consegue penetrar ainda mais nos olhos”, alerta Grupenmacher.
Hoje, além de preservar os globos oculares dos raios
UVA e UVB, algumas marcas já começam a oferecer lentes para nos blindar da luz
azul, emitida pelo sol e por dispositivos eletrônicos como a tela do celular.
Aliás, esse tipo de luminosidade se tornou uma preocupação dos oftalmos nos
últimos tempos, porque há evidências de que consegue danificar a retina, tecido
no fundo do olho essencial à captação das imagens.
Segundo Padilha, as grandes marcas costumam oferecer
de série o filtro ultravioleta. Como a proteção contra luz azul é novidade,
convém perguntar na ótica quais delas apresentam esse extra.
Para quem faz uso de óculos de grau e não curte
tanto os modelos de lente que escurecem com a claridade, uma boa notícia é que
dá para encomendar versões com diferentes filtros e sem alteração na
tonalidade.
“A principal tarefa do vidro escuro é reduzir o
desconforto à luminosidade, mas o fato de uma lente ser branca não significa
que ela não vá proteger”, esclarece Padilha. O importante mesmo é garantir que
os óculos tenham um filtro certificado.
No mercado das lentes de contato, opção cada vez
mais procurada pelos brasileiros, acabam de chegar ao país as lentes Acuvue com
tecnologia Transitions — aquela que deixa as lentes mais escuras de acordo com
a luminosidade.
“Diferentemente do que acontece nos óculos, elas não
ficam com uma coloração muito escurecida, já que a ativação é regulada também
pela temperatura do corpo”, explica a oftalmologista Debora Sivuchin, da
Johnson & Johnson Vision Care, companhia por trás do lançamento, que possui
filtro contra raios UV e luz azul.
“As novas lentes são bem-vindas quando as pessoas
não podem ou não querem utilizar óculos, mas são ainda mais eficientes em
conjunto com os próprios óculos de sol, que também protegem estruturas que a
lente não cobre, como as pálpebras”, completa.
Os efeitos do sol na visão a longo prazo
Os cuidados e os acessórios para poupar os globos
oculares ganham ainda mais relevância se lembrarmos que os efeitos da radiação
são cumulativos e indolores. Um verão em que se dispensa a proteção pode até
aparentemente não causar problemas. Mas temporadas seguidas desse jeito vão
semear danos.
“De fora para dentro do olho, podemos ter lesão na
pálpebra, na córnea, no cristalino e na retina. Nas partes mais externas, as
lesões são tratáveis e há cirurgias. Mas, quando chega às células da retina,
pode não ter muito o que fazer”, diz Grupenmacher.
Por falar em retina, uma doença desafiadora
relacionada ao avançar da idade e agravada com a exposição solar é a
degeneração macular — a mácula é a porção central da retina. Alguns casos,
infelizmente, até hoje não contam com um tratamento eficaz, o que faz desse mal
uma causa de cegueira irreversível.
Tudo isso não deve ser interpretado como um convite
para se esconder dentro de casa. Nosso corpo também precisa de sol — e não
apenas em função da vitamina D. A radiação e a luz natural em dose adequada
inclusive são aliadas da visão, especialmente na infância.
“Vários estudos mostram que crianças pouco expostas
ao sol acabam desenvolvendo miopia com frequência muito maior”, relata Padilha.
Então você e a família podem e devem sair nesse e em
outros verões. O melhor momento? No início da manhã ou no fim da tarde, quando
o sol está mais brando. No fundo, se observar bem, vai ver que até os olhos se
dão bem se houver moderação.
E a pele ao redor dos olhos?
O tecido que fica em volta do olho também requer
atenção. “Ali está a pele mais fina do corpo inteiro”, nota o dermatologista
André Braz, professor da Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Por isso, os
produtos aplicados na região devem ser diferentes: precisam ter concentrações
menores de princípios ativos quando comparados àqueles voltados ao rosto em
geral.
“O melhor é usar o protetor solar até a junção com a
maçã do rosto e, na pele ao redor dos olhos, passar só um hidratante”,
recomenda Braz. Também não se aconselha botar protetor nas pálpebras em si.
Assim, óculos de sol e boné seguem parceiros aqui.