Especialistas debatem se a realização de um
megaevento esportivo como a Olimpíada do Rio de fato estimula a população
brasileira a se tornar mais ativa
Desde que o Rio de Janeiro foi escolhido como sede
da 31ª edição dos Jogos Olímpicos, em 2009, as autoridades não se cansam de
discursar sobre as suas heranças positivas para a infra-estrutura, o turismo, a
mobilidade urbana e a promoção de saúde. Mas será que uma competição desse
porte fomenta um cotidiano mais ativo entre os cidadãos?
Bem, os números das últimas Olimpíadas sugerem que
não. Apesar de ter como lema “Inspirar uma Geração”, a de Londres (2012) não
alcançou seu objetivo inicial. Em 2005, quando a capital britânica foi
escolhida para receber o evento, os organizadores estipularam uma meta
ambiciosa: motivar 2 milhões de sedentários a se mexer ao menos 30 minutos por
dia, três vezes na semana. Passados dois anos, baixaram o sarrafo para 1 milhão.
E nem assim saíram vitoriosos. De 2005 a 2010, 123 mil ingleses se engajaram no
projeto. No mesmo período, o número de inativos aumentou em quase 300 mil.
“Se você incentiva o esporte profissional, corre o
risco de desestimular o amador”, avalia o médico Marcelo Demarzo, da
Universidade Federal de São Paulo, que participou de uma pesquisa sobre o
impacto da Olimpíada de Londres na taxa de atividade física da região. Segundo
ele, o cidadão comum pode achar que não tem o talento nem o gás para se aventurar
numa modalidade qualquer.
Os dados ingleses não são os únicos a contrariar a
tese do legado olímpico. Um estudo da Universidade de Sydney, na Austrália,
constata que o tempo dedicado à malhação por adultos daquele país não mudou
muito após os Jogos de 2000, sediados lá – passou de 295 minutos semanais em
1999 para 303 em 2000. Outro trabalho, esse da Universidade de Kent, na
Inglaterra, revela que o índice de movimentação na Grécia subiu 6% um ano antes
da Olimpíada de Atenas (2004). Cinco anos depois, porém, despencou para abaixo
do nível de 2003. “Os atletas podem até servir como modelos. Mas um torneio,
por si só, não gera mudanças de hábito”, afirma a educadora física Doralice de
Souza, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), coautora do artigo Legados de
Megaeventos Esportivos: Considerações a Partir de uma Perspectiva Crítica. “O
chamado efeito inspiração, quando ocorre, não dura e tende a afetar quem já se
exercita”, completa.
No longo prazo, essencial mesmo é ampliar a malha
cicloviária, revitalizar áreas de lazer, melhorar a segurança pública, abrir
academias populares, valorizar aulas de educação física… “O investimento deve
ser feito de maneira permanente, e não apenas às vésperas de uma competição”,
diz o educador físico Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio
Grande do Sul.
Ficar entre os dez primeiros no quadro de medalhas.
Esse foi o desejo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Há quatro anos, a
delegação nacional terminou em um modesto 22º lugar, com três ouros, cinco
pratas e nove bronzes. E não é apenas no esporte profissional que o Brasil está
longe do pódio. Segundo o Observatório Global de Atividade Física (GoPA, na
sigla em inglês), 72% da nossa população se mexe com alguma regularidade, o que
nos põe na 40ª colocação desse ranking.
Vídeo: tudo sobre vôlei | Saúde nas Olimpíadas
Por outro lado, não pense que ostentar um histórico
olímpico dourado — sinal de investimento no esporte de alto rendimento — é
sinônimo de um povo afeito a pedaladas e caminhadas. Os Estados Unidos,
recordistas em medalhas, com 2 399 no total, ocupam o mísero 46º lugar na lista
do GoPA. Já o Nepal, que participou de 11 Olimpíadas sem nunca subir ao pódio,
é a nação mais ativa do globo, com taxa de 96%. Tanto que só 4,1% das mortes
registradas lá decorrem do sedentarismo, ante 13,2% do Brasil.
Apesar dos pesares, será que a Rio 2016 encorajará
os brasileiros a saírem do marasmo? Os especialistas têm suas dúvidas. O
presidente do Confef, Jorge Steinhilber, lembra que, desde 2007, quando a
capital fluminense sediou os Jogos Pan-Americanos, o Brasil está em evidência
no cenário esportivo. De lá pra cá, recebeu a Copa das Confederações e a Copa
do Mundo – e nem por isso vimos mudanças sólidas. “Às vezes, esses torneios têm
um efeito contrário ao desejado. A Olimpíada pode estimular indivíduos ativos a
migrarem para a frente da TV, enquanto tomam cerveja e comem pipoca”, pondera.
Demarzo traz outra preocupação: episódios
extraesportivos como o surto de zika, a queda da ciclovia na orla do Rio e até
o conturbado momento político contribuiriam para a sensação de que a Cidade
Maravilhosa não está pronta para hospedar os Jogos Olímpicos. Aí, em vez de se
engajar na competição e talvez experimentar uma modalidade, o indivíduo pode
pegar ojeriza dela. Nesse sentido, uma pesquisa do Datafolha indica que metade
dos entrevistados é contra o evento e 63% acreditam que ele trará mais
prejuízos do que vantagens.
Vídeo: tudo sobre ginástica artística | Saúde nas
Olimpíadas
Mas o secretário municipal de Saúde do Rio de
Janeiro, Daniel Soranz, segue otimista. Na sua opinião, os preparativos para a
Olimpíada já aumentaram os níveis de atividade física no município. Ele cita o
programa Academia Carioca da Saúde, que, desde sua criação, em 2009, beneficiou
mais de 93 mil indivíduos. “Dos inscritos, 96% controlaram a pressão, 80%
perderam peso e 17% pararam de tomar remédios”, contabiliza. Só cabe ressaltar
que o projeto não foi inspirado na Olimpíada e funciona paralelamente a ela.
Infraestrutura para todos?
Terminada a Rio 2016, várias das instalações estão
previstas para ser abertas ao público. Mas isso nem sempre ocorre. De acordo
com o Índice dos Estádios do Mundo (2012), do pesquisador Jens Alm, do
Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte, todo grande campeonato gera seus
elefantes brancos. Ele analisou 75 arenas de 20 países erguidas entre 1996 e
2010 para sediar Copas do Mundo de futebol, Olimpíadas e por aí vai. Então
concluiu que a maior parte foi abandonada ou é subutilizada. Qual a razão? Na
maioria dos casos, elas almejavam satisfazer as demandas dos organizadores e
não do povo.
Vamos, então, às promessas dos governantes sobre o
assunto: um pedaço do Complexo Esportivo de Deodoro, o segundo maior polo de
competições dos Jogos, será transformado no Parque Radical, tornando-se a
segunda maior área de lazer da cidade. Já a Arena Carioca 3, que integra o
Parque Olímpico da Barra, vai virar o Ginásio Olímpico Experimental, uma escola
com método de ensino voltado para a prática esportiva e que possuirá capacidade
para 9 500 alunos. “Não basta motivar a população a fazer atividade física. É
preciso criar condições, como facilitar o acesso às instalações e
disponibilizar orientação profissional”, frisa Doralice. Só assim um estilo de
vida mais saudável deixará de ser mera promessa de campanha para se
transformar, de fato, num legado às futuras gerações.
Inspiração para achar seu esporte
A Olimpíada do Rio teve 42 modalidades. Entre elas,
Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física (Confef),
indica o atletismo, a natação e o handebol para os cidadãos que querem
abandonar o sofá. As três práticas não requerem tanta técnica, esforço ou
preparo para começar. A educadora física Doralice de Souza, da UFPR, destaca
que a opção deve dar prazer ao sujeito. Do contrário, ele irá engrossar a
estatística de 60% de pessoas que desistem nos três primeiros meses.
…E campeões no dia a dia
Se a disputa é por índice de atividade física, não
tem pra ninguém: o vencedor é o Nepal, com uma taxa de 96%, seguido de
Moçambique (94%) e Tanzânia (93%). Juntos, os três países somam apenas quatro
medalhas olímpicas. Contudo, nesses casos o alto nível de movimentação pode ser
consequência da pobreza — associada a um menor acesso a carros,
eletrodomésticos e outros confortos que promovem o sedentarismo.
Fonte: http://saude.abril.com.br/fitness/as-olimpiadas-deixaram-os-brasileiros-menos-sedentarios/
- Por Karolina Bergamo - Foto: Bruno Marçal