Essa doença dificilmente traz sintomas claros - mas
está por trás de uma "tsunami de ossos quebrados". Saiba o que é a
osteoporose e como tratar ou evitar
A Fundação Internacional de Osteoporose (IOF)
recorreu à expressão “tsunami de fraturas” para alertar a população do perigo
da osteoporose, que, após os 50, atinge uma em cada três mulheres e um em cada
cinco homens. Exagero? Longe disso. “O quadro é extremamente preocupante”,
concorda a médica Marise Lazaretti Castro, presidente da Associação Brasileira
de Avaliação Óssea e Osteometabolismo (Abrasso). “Só no Brasil o número de
fraturas deve aumentar seis vezes mais em 2050. Talvez não tenhamos
profissionais suficientes para dar conta de tanta fratura”, prevê.
Em 2015, o Brasil registrou 80,6 mil fraturas de
quadril, considerada a mais grave – 57,2 mil em mulheres e 23,4 mil em homens.
Para 2040, são esperados 197,7 mil novos episódios, sempre com a ala feminina
na dianteira. É um aumento estimado de 245%. Mais: 10 milhões de brasileiros
têm osteoporose. No mundo, esse número chega a 200 milhões.
Na esperança de conter essa avalanche de ossos
quebrados, John A. Kanis, professor da Universidade de Sheffield, na
Inglaterra, aperfeiçoou uma espécie de “alerta de tsunami”: a Ferramenta de
Avaliação do Risco de Fratura (Frax, em inglês). Criado em 2008, o teste on
line, normalmente feito em consultório, ganhou uma nova versão, voltada para
países da América Latina, como Brasil, Argentina e Chile.
“A partir de dados clínicos do indivíduo, como peso,
idade e altura, ou do resultado de sua densitometria óssea, a ferramenta
calcula a probabilidade de ele sofrer uma fratura em dez anos”, explica o
endocrinologista Sérgio Maeda, diretor do Departamento de Metabolismo Ósseo e
Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem). “Isso
ajuda o médico a identificar os pacientes com maior risco de evoluir para a
osteoporose.”
Para evitar uma quebradeira geral nas vértebras, no
fêmur e no quadril, três regiões muito afetadas pela osteoporose, o presidente
da IOF, Cyrus Cooper, organizou um relatório com os pontos que demandam
atenção, tanto dos profissionais de saúde como do governo e da sociedade. O
reumatologista britânico sugere cautela com o uso de remédios que fragilizam os
ossos, lista doenças associadas ao quadro e salienta a importância de as
pessoas não abandonarem o tratamento.
Entre as ações de emergência, destaca o Serviço de
Atendimento a Fraturas, que segue o modelo britânico das Fracture Liaison
Services (FLS) e, no Brasil, já foi implementado em 16 unidades – do Hospital
Federal de Ipanema, na capital fluminense, à Policlínica Osvaldo Cruz, em Porto
Velho (RO). “Oito em cada dez pacientes que sofrem fratura voltam para casa sem
avaliação ou diagnóstico”, lamenta Cooper. “É importante que, em vez disso,
eles recebam o tratamento adequado para não correr o risco de novas lesões“,
adverte.
O que é osteoporose
Os cientistas explicam que as ondas gigantes nascem
nas profundezas do mar. Na maioria das vezes, são desencadeadas por erupções
vulcânicas ou abalos sísmicos. Mas e o “tsunami de fraturas”? O que leva o
esqueleto humano, à medida que envelhece, a ficar mais vulnerável ao arrastão
de quedas e quebras? Os fatores se dividem em genéticos e ambientais.
No primeiro grupo, que está por trás de 60% dos
casos, estão pessoas de pele branca, baixas e magras, com histórico de
osteoporose na família e déficit na produção de alguns hormônios. No segundo
entram sujeitos sedentários, fumantes, com alimentação pobre em cálcio, baixa
exposição à luz solar e/ou abuso de bebida alcoólica.
“A boa notícia é que podemos modificar aquilo que é
relacionado ao estilo de vida”, tranquiliza Luiz Jordan Macedo do Amaral,
presidente do Comitê de Osteoporose e de Doenças Osteometabólicas da Sociedade
Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. “Não há limite de idade para mudar de
vida e adotar hábitos mais saudáveis. Mas, quanto mais cedo, melhor.”
Como saber se eu tenho mesmo osteoporose
Em sua fase inicial, a doença não tem sintomas – ela
é indolor e silenciosa. Por esse motivo, não é pequeno o número de gente que
não sente nada até sofrer a primeira fratura. Suspeitas de ossos frágeis e
porosos são confirmadas no exame de densitometria óssea, indicado às mulheres
acima dos 65 anos e aos homens a partir dos 70. “O exame mede a densidade
mineral dos ossos, aferida com base na concentração de cálcio, e a compara com
valores de referência, considerando a idade e o sexo do paciente”, explica o
médico Marco Rocha Loures, coordenador da Comissão de Osteoporose da Sociedade
Brasileira de Reumatologia.
O resultado pode ser dividido em três categorias:
normal, osteopenia e osteoporose. Quando a perda compromete 25% da massa óssea,
o diagnóstico é osteoporose. Entre 10 e 25%, osteopenia.
“Uma das finalidades da densitometria óssea é
detectar a redução de massa óssea. Outra é diagnosticar a sarcopenia, nome dado
à perda de massa muscular”, esclarece Loures. A propósito, com a idade tanto os
ossos quanto os músculos tendem a minguar.
Aliás, já deu para notar que a osteoporose não é uma
doença que atinge só mulheres durante e após a menopausa. Sim, elas estão mais
suscetíveis por causa da queda no estrogênio, hormônio que atua como protetor
natural dos ossos. Mas os homens não estão livres do problema.
“A doença é mais comum em mulheres, mas, quando
ocorre em homens, é mais grave e a mortalidade, maior”, compara Maeda. Outro
mito: osteoporose é doença típica da terceira idade. Que nada! O problema pode
atacar, inclusive, adolescentes.
Há até uma máxima na reumatologia que diz: “A
osteoporose é uma doença pediátrica, com consequências geriátricas”. Faz
sentido. A prevenção deve começar o mais cedo possível… “De preferência, na
infância e na adolescência, quando os ossos ainda estão em formação”, aconselha
Maeda.
Marco Loures vai além. Para o reumatologista, os
cuidados com a saúde dos ossos devem ter início ainda na barriga da mãe.
“Quando a gestante se alimenta bem, fortalece, desde a vida intraútero, a
estrutura óssea do filho”, justifica.
Por essas e outras, há quem diga que, quando a gente
nasce, abre um tipo de caderneta de poupança para o esqueleto. Até os 20 anos,
só faz economizar cálcio. Dos 20 aos 25, atinge o patamar máximo. Até os 45,
ainda consegue repor o que esbanjou. Mas, dali em diante, o organismo passa a
gastar mais do que economiza, gerando em torno de 0,5% de perda óssea ao ano.
Em outras palavras: quanto mais o indivíduo poupar na juventude – ingerindo
fontes de cálcio, tomando sol, fazendo atividade física… -, menor será o risco
de fraturas lá adiante.
Detectada a osteoporose, o primeiro passo é apurar a
quantas anda a alimentação, principalmente em relação à ingestão de cálcio, o
elemento mais importante para a formação dos ossos. Dos muitos achados do
estudo O Impacto da Osteoporose no Brasil: Dados Regionais das Fraturas em
Homens e Mulheres Adultos – The Brazilian Osteoporosis Study (Brazos),
realizado com 2 420 cidadãos e publicado em 2010, o que mais surpreendeu
Marcelo Pinheiro, professor da Universidade Federal de São Paulo, foi a baixa
ingestão de cálcio e vitamina D pela maior parte da população avaliada. “Para
um adulto, o consumo ideal de cálcio varia de 1 000 a 1 200 miligramas ao dia.
Na época, consumíamos algo em torno de 400 miligramas”, conta. É um número que
não parece ter mudado desde então.
Leite e derivados, como queijo e iogurte, são a
principal fonte do nutriente. A título de curiosidade: um copo de 300 ml de
leite, integral ou desnatado, oferece 250 mg do mineral. Se o indivíduo tem
intolerância à lactose, não tem problema: o médico pode receitar suplementos de
cálcio.
De nada, porém, adianta consumir a quantidade
necessária se o corpo não tiver vitamina D suficiente para fixar o nutriente
nos ossos. “E a maior fonte de vitamina D é a exposição ao sol, 15 minutos ao
dia, das 10 às 16h, sem protetor solar”, detalha Amaral.
Mas não é só de leite e de sol que o osso precisa.
Praticar exercícios físicos, de uma simples caminhada a uma pelada de futebol,
é extremamente bem-vindo para driblar a degradação óssea. A explicação é
simples: músculos fortes tendem a proteger o esqueleto contra quedas e
fraturas.
O tratamento da osteoporose
Nem o cálcio nem a vitamina D, por mais importantes
que sejam, revertem o processo de desmineralização dos ossos. Diante do
diagnóstico de osteoporose, é provável que o médico parta para os remédios –
eles costumam ser divididos entre os antirreabsortivos e os anabólicos. “Depois
dos 30, o processo de desgaste ósseo é natural. Quem perde osso com uma
velocidade maior que o habitual, no entanto, desenvolve osteoporose. Para esses
pacientes, existem medicamentos que bloqueiam a perda óssea”, contextualiza
Marise Castro, referindo-se, entre outras, à classe dos bisfosfonatos. No caso
das mulheres, o tratamento pode englobar, ainda, reposição hormonal.
Se a osteoporose foi detectada em estágio avançado
ou se o indivíduo apresenta múltiplas fraturas, inibir a perda óssea não basta.
Para esse perfil, são indicados fármacos como a teriparatida ou o denosumabe,
um anticorpo monoclonal que, em estudos recentes, mostrou remineralizar o
esqueleto no longo prazo. E duas novas moléculas, ambas da classe dos
anabólicos e de nomes cabeludos, estão a caminho. São a abaloparatida, já
autorizada pela FDA, a agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, e
o romosozumabe, ainda em fase de aprovação.
Bem, se existem drogas que inibem o desgaste do
esqueleto e outras que estimulam a formação de novos ossos, atenção: há
remédios que, como efeito colateral, levam à degeneração da estrutura óssea.
São os famosos “ladrões de ossos”. Um dos principais, segundo Loures, é o
corticoide, usado para tratar uma porção de condições devido à sua atividade
anti-inflamatória. Mas a lista é extensa e inclui, entre outros,
anticoagulantes, imunossupressores, anticonvulsivos, opiáceos e diuréticos. Na
dúvida, consulte o médico.
“Quando houver a necessidade de prescrever um desses
medicamentos, sugiro receitá-los na menor dose possível e por um curto espaço
de tempo”, diz o reumatologista. “Caso contrário, é preciso compensar
rigorosamente com dieta adequada, atividade física e suplementação”, completa.
Para a história não acabar em fratura, todo cuidado é pouco – e o estilo de
vida conta muito. O uso consciente dos remédios, somado a boas doses de cálcio,
vitamina D e exercícios, compõe a receita para transformar o tsunami previsto
em uma marola inofensiva.
As medidas para evitar a osteoporose
Banho solar: tome sol por pelo menos 15 minutos ao
dia, sem protetor, entre 10 e 16h. Fora dos horários de pico do calor, aumente
o tempo de exposição para 20 minutos. Esse hábito é decisivo para obter a
vitamina D.
Dá-lhe lácteos: o ser humano precisa, em média, de 1
000 miligramas de cálcio diariamente. E não há melhor fonte do que o leite e
seus derivados – prefira as versões com menos gordura para não prejudicar o
peso e o coração.
Suor na camisa: o sedentarismo favorece a perda
óssea. Entre os exercícios mais recomendados estão caminhada, corrida, pilates,
bike e ginástica. Se não houver contraindicação, dá para jogar vôlei, futebol,
basquete…
Xô, cigarro: nicotina prejudica os ossos. Tanto é
que uma em cada oito fraturas de quadril em mulheres está relacionada ao
tabagismo. Álcool demais também está ligado a uma ossatura frágil.
O checkup: mulheres a partir dos 65 e homens depois
dos 70 devem fazer densitometria óssea uma vez ao ano. Esse é o principal exame
para detectar se os ossos estão porosos – e de quebra acusar se há perda
expressiva de massa muscular.
Casa segura: esse recado vale sobretudo na presença
da osteoporose: para evitar quedas, retire os tapetes; à noite, deixe sempre
uma luz acesa por perto; e, no banheiro, bote piso antiderrapante e barras no
box.