Esses produtos seduzem jovens com a promessa de
acelerarem o ganho de massa muscular. Só que o uso por conta própria pode ter
consequências sérias à saúde
Adolescentes, ainda mais os nascidos na era digital,
querem tudo para ontem. Não é à toa que muitos deles desejam trocar o corpo
infantil por uma versão mais musculosa ou definida no menor prazo possível.
Pisando na academia, eles são público fácil para os suplementos esportivos,
especialmente aqueles que aumentam a massa muscular, caso de whey protein, BCAA
e creatina.
“Percebo nas consultas que é muito grande a demanda
por esse tipo de produto. O adolescente é invariavelmente vaidoso e quer ficar
forte logo”, observa a pediatra Mônica Moretzsohn, do Departamento Científico
de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Estudos recentes endossam a constatação da médica.
Uma pesquisa realizada em Fortaleza com 85 frequentadores de academia de 18 a 58
anos mostrou que gente abaixo dos 30 é a que mais recorre a suplementos. Quanto
mais jovem, maior o apelo da categoria. Mas o que deixa mesmo os especialistas
de cabelo em pé é o uso dessas substâncias por conta própria – sendo que, em
geral, elas são indicadas a atletas.
Outro levantamento, este feito com 30 adolescentes
de Campo Mourão, no Paraná, revelou que um terço deles ingeria suplementos sem
orientação. Só 10% ouviram um médico ou nutricionista. O fenômeno, claro, não
se restringe ao Brasil. Na Eslovênia, cientistas da Universidade de Liubliana,
a mais antiga do país, identificaram um cenário parecido ao avaliar 1 500
jovens de 14 a 19 anos. Dos adeptos da suplementação, 40% não eram acompanhados
por profissionais de saúde. Detalhe: 30% se aconselhavam com familiares.
“Sem consultar um especialista, o adolescente pode
ultrapassar a dose recomendada e combinar substâncias que interagem entre si”,
alerta a pediatra Flavia Meyer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O
estudo paranaense chegou a apontar um dos efeitos desse consumo sem supervisão:
falta de carboidratos e excesso de proteína no cardápio.
“E temos visto muitos casos de jovens internados
para fazer diálise por sobrecarga dos rins em razão do abuso proteico”, conta a
médica Leda Lotaif, chefe da Nefrologia do Hospital do Coração (HCor), em São
Paulo. Ela ressalta que as complicações surgem em quem já possui predisposição
a problemas renais – algo que praticamente ninguém sonha ter.
Pela legislação, suplementos de proteína, como o
whey protein, são considerados alimentos e não remédios, o que favorece a venda
e o consumo sem critério. Atenta aos riscos disso, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu revisar as regras na área. O objetivo é
tornar o mercado mais seguro – hoje, parte dele está na ilegalidade.
“Há muita divergência de informações entre rótulos
de produtos semelhantes, promessas de benefícios sem comprovação científica,
itens com problemas de qualidade”, enumera Rodrigo Vargas, especialista da
Gerência Geral de Alimentos da Anvisa. “Já houve casos de adição de
anabolizantes em algumas marcas. Os riscos disso vão desde alterações hormonais
e sexuais até cardiopatia e câncer“, alerta a médica Flavia Meyer, que é
doutora em nutrição e exercício físico infantil.
Ainda que as normas fiquem mais claras, não
dispensam a visita ao médico ou nutricionista. Para adolescentes, o recado é
especialmente importante. Quem pula essa etapa corre o risco de apresentar um
desequilíbrio nutricional, o que compromete o desenvolvimento ósseo e muscular.
Há relatos também de espinhas, dor de cabeça,
insônia e até agressividade e taquicardia entre usuários dessas substâncias.
Como se não bastasse, suplementos com proteína isolada contribuiriam para
manifestações alérgicas. Nada disso, porém, foi estudado a fundo. “Faltam
pesquisas específicas sobre os efeitos colaterais desses produtos”, diz a
nutricionista Luciana Rossi, do Centro Integrado de Saúde da Universidade
Anhembi Morumbi, em São Paulo.
Suplementação + vício por exercício, uma dobradinha
perigosa
Não raro, a suplementação é ligada a outro
comportamento: a dependência de exercícios físicos. E, quanto menor a idade,
maior o risco de ficar fissurado nos treinos e abusar dos aceleradores da
atrofia muscular. Foi o que Luciana Rossi descobriu na sua tese de doutorado,
conduzida na Universidade de São Paulo (USP). Mais um ótimo motivo para prestar
atenção e dar orientação à garotada.
Nessa turma, excessos de carga ou de ritmo na
malhação podem acarretar lesões nos músculos e nos ossos, prejudicando
inclusive o crescimento. Para ter ideia, alguns sintomas do vício em atividade
física são semelhantes aos da abstinência de álcool, como alterações no padrão
de sono e ansiedade. Sem falar na possibilidade de aparecimento de transtornos
alimentares.
Mas, afinal, com supervisão médica, quando meninos e
meninas realmente tiram proveito dos suplementos? A verdade é que esse tipo de
produto só faria sentido para quem está iniciando uma carreira como atleta. “A
princípio, a suplementação é contraindicada para adolescentes saudáveis que já seguem
uma alimentação balanceada”, afirma Flavia.
Pois é: montar o prato com mais zelo já auxiliaria o
organismo no ganho de massa muscular. Em termos de proteína, por exemplo, dois
filés de frango ao dia são suficientes para quem está em fase de crescimento.
“A conta é, em média, de 1 grama de proteína para cada quilo de peso. Um filé
de frango tem cerca de 20 gramas do nutriente. Logo, uma porção no almoço e
outra no jantar estão adequadas para um adolescente com 40 quilos”, contabiliza
a pediatra Mônica, da SBP.
Ao começar os treinos, o jovem pode, com orientação,
aumentar as porções e reforçar a ingestão de calorias e outros nutrientes, como
carboidratos, cálcio e ferro. “Quando se fala em suplemento alimentar, há uma
impressão de que ele é mais completo do que o alimento, o que nem sempre é
verdade”, reforça Luciana.
Ela cita o caso do badalado whey protein. “Trata-se
da proteína do leite isolada. Ou seja, a bebida em si já contém essa mesma
proteína e ainda gordura, cálcio e outros componentes necessários ao
organismo”, justifica. Para quem está em franco desenvolvimento, o melhor
conselho a ser dado envolve bom senso, paciência e alguns copos de leite, ovos
e bifes.
Passou do ponto
Segundo pesquisa da USP assinada pela nutricionista
Luciana Rossi, quem utiliza suplementos alimentares tem 4,5% mais risco de se
tornar dependente de exercícios físicos. Só que a obsessão por malhar ainda
está atrelada a distúrbios alimentares, como anorexia ou bulimia. Para evitar
esse desdobramento, veja indícios de que o gosto do adolescente por exercícios
deixou de ser saudável:
– Ele vai à academia cinco vezes por semana ou mais.
– Chega a recusar viagens a locais onde não há
possibilidade de puxar ferro.
– O menino ou a menina preferem malhar a se divertir
com os amigos.
– Não deixa de se exercitar mesmo na presença de
alguma lesão muscular.
– Demonstra desejo constante de modificar o corpo ou
muita obsessão com a aparência.
Conheça os suplementos que estão em alta entre os
jovens
Whey protein: Falamos da proteína do soro do leite.
Tem rápida absorção e aproveitamento pelo corpo. Auxilia na formação de
músculos e ossos.
BCAA: Combina três aminoácidos que formam as
proteínas musculares. Não há evidências de que a ingestão sempre traga
vantagens.
Creatina: Produto da transformação de aminoácidos,
ajuda a reter água nas células. Daí, elas aumentam de tamanho e geram energia
extra.
Cafeína: A substância que marca presença
naturalmente no café é estimulante. Portanto, promete turbinar a resistência e
o desempenho em exercícios intensos.
Quais são os pré-requisitos da malhação dos 12 aos
18 anos
Idade ideal: Varia. Mas o melhor é esperar o estirão
de crescimento, que ocorre normalmente entre 11 e 13 anos.
Carga certa: É aquela que permite ao jovem repetir
todo o movimento pelo menos umas oito ou nove vezes.
Supervisão: Um educador físico deve acompanhar a
progressão de cargas, postura e execução dos exercícios.
Sem exagero: Morar na academia pode levar a lesões
em músculos e ossos e prejudicar o crescimento.
Avaliação prévia: Uma ida ao médico cai bem para ver
se a saúde como um todo está preparada para a malhação.
Fonte: https://saude.abril.com.br/fitness/fortes-mas-em-risco-o-perigo-dos-suplementos-alimentares-para-os-jovens/
- Por Naira Hofmeister e Sílvia Lisboa - Ilustração: Daniel Almeida/SAÚDE é
Vital
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