Eles estão ligados à prevenção de doenças, mas
também suscitam erros quanto ao potencial de salvar a pátria da saúde. O que
são e fazem os antioxidantes?
Outra vez a dieta mediterrânea caiu nas graças da
ciência. Pesquisadores da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos,
analisaram dados de mais de 500 mil pessoas e concluíram que o cardápio rico em
azeite, peixes, frutas e hortaliças age como um escudo contra os efeitos da
poluição. Do ponto de vista molecular, todos os louros dessa proteção vão para
uma famosa classe de substâncias, os antioxidantes.
Se o corpo fosse o palco de um conto de fadas, daria
pra dizer que eles são os cavaleiros que exterminam dragões. O inimigo, no
caso, são os radicais livres. Ocorre que a vida real não tem um script tão
simples e maniqueísta. Inclusive existem estudos mostrando que, na forma de
suplementos, nem sempre os antioxidantes provam seu valor.
A história que alçou o grupo ao estrelato surgiu com
os experimentos do médico americano Denham Harman (1916-2014), mas vem sendo
reescrita diante de novos achados. Quem deve prestar atenção em particular são
aquelas pessoas que confiam nessas moléculas como uma fórmula mágica para curar
doenças e chegar aos 100 anos. “Os antioxidantes não devem ser vistos como uma
panaceia”, adianta o bioquímico Luís Eduardo Soares Netto, do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
Nessa toada, tem gente que vive engolindo um monte
de cápsulas por conta, hábito que exige cautela. Há indícios de que o excesso
de vitaminas e de betacaroteno, por exemplo, eleva o risco de certos tumores –
e aí o mocinho viraria bandido. Outra reviravolta no roteiro tem a ver com os
radicais livres. “Há 20 anos se pensava que todos eram danosos, mas alguns
deles são essenciais à imunidade”, conta a biogerontóloga Ivana Cruz,
professora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Ancorada em novos conceitos e evidências – como os
de uma revisão publicada por holandeses no periódico Trends in Pharmacological
Sciences -, SAÚDE busca, a seguir, desfazer as principais confusões desse
enredo.
1. Quanto mais antioxidante, melhor
MITO. A virtude, já diziam os sábios e repetem os
cientistas, está no equilíbrio. Até porque, mesmo os radicais livres, os alvos
dos antioxidantes, têm papéis a cumprir. “Entre outras funções, eles agem em um
tipo de sinalização para que células de gordura, os adipócitos, se convertam em
músculos”, ilustra o professor Luís Netto, que é membro do Cepid Redoxoma,
projeto brasileiro que reúne experts em processos oxidativos. Até o óxido
nítrico, que dilata os vasos sanguíneos e favorece o fluxo sanguíneo, é um tipo
de radical livre.
Entupir-se de antioxidantes ainda traz riscos de
toxicidade e outros perrengues. O consumo abusivo de suplementos de vitamina C
já foi associado a pedras nos rins, por exemplo. O engenheiro de alimentos
Mário Maróstica, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que uma
pesquisa feita em seu laboratório com o pó de casca de jabuticaba mostrou que
doses excessivas anulam a ação antioxidante das antocianinas. Ou seja, o
benefício vai para o ralo.
2. Devemos aumentar a ingestão de frutas e verduras
VERDADE. A história de que não adianta exagerar nos
antioxidantes não deve servir de desculpa para economizar nos vegetais, as
principais fontes naturais dessas substâncias. E os brasileiros vêm deixando a
desejar nesse ponto.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde é
comer pelo menos cinco porções (ou 400 gramas) por dia. “Como as plantas estão
expostas a fatores oxidantes como pragas e oscilações de temperatura, produzem
uma série de substâncias protetoras”, explica a professora Ivana Cruz.
Para garantir os antioxidantes, quanto mais colorido
o prato, melhor. Tons arroxeados denunciam antocianinas. Polpas avermelhadas e
laranja, por sua vez, são fontes de carotenoides. De quebra, hortaliças e
frutos entregam também vitaminas e sais minerais.
A nutricionista Ariana Vieira Rocha, doutora em
ciência dos alimentos e nutrigenética pela USP, explica, ainda, que a ação
antioxidante dos alimentos tende a se potencializar pela interação entre os
compostos reunidos ali.
3. Antioxidantes curam doenças
MITO. Um relatório de estudiosos de Harvard, nos
Estados Unidos, confirma o elo entre o excesso de radicais livres e o
aparecimento de doenças crônicas, como câncer e males cardiovasculares. Só que
o mesmo documento salienta que esse mecanismo não valida a teoria de que
antioxidantes seriam capazes de consertar os estragos já feitos. Não são,
portanto, remédio!
A dinâmica é outra quando se fala em prevenção.
Pesquisas sinalizam que manter bons níveis dessas substâncias na dieta e no
organismo colabora com a redução do risco de problemas ligados ao
envelhecimento, caso dos próprios tumores.
Brócolis, couve-flor, couve-manteiga e
couve-de-bruxelas, ou seja, a turma dos crucíferos, vira e mexe ganham destaque
nos estudos. É que eles esbanjam compostos bioativos como o sulforafano. Essa
molécula defende as células de toxinas e neutraliza agentes capazes de gerar
danos até mesmo no DNA – situação que abre o caminho para o câncer aparecer.
4. Todo antioxidante é igual
MITO. “Cada um atua em um determinado sítio”, ensina
o bioquímico Luís Netto. Assim, não é difícil imaginar que há muitas diferenças
entre os antioxidantes se lembrarmos que nosso organismo tem vários tipos de
tecidos. E, mesmo dentro das células, cada um tem afinidade com uma estrutura.
“A vitamina E é do grupo lipossolúvel e tem
compatibilidade com as membranas celulares, que são compostas de gordura”, cita
o professor. A vitamina C, por sua vez, é hidrossolúvel e atua em outras
bandas, de meio aquoso. Esse trabalho conjunto defende o DNA, que fica guardado
no núcleo da célula. Inclusive, os vegetais oferecem uma combinação genuína de
fitoquímicos – e cada molécula do time apresenta uma função específica.
Portanto, não existe um único antioxidante capaz de
impedir todos os danos. Aliás, vale contar que o corpo também produz agentes
contra os radicais livres, caso das enzimas catalase e glutationa peroxidase.
“Elas os transformam em água”, resume a professora Ivana.
5. Vale conversar com o profissional de saúde
VERDADE. O recado se destina sobretudo aos amantes
das cápsulas. Para a nutricionista Ana Beatriz Barrella, da RG Nutri, na capital
paulista, a suplementação deve ser restrita a casos de déficit de nutrientes ou
para atletas de alta intensidade. “Os estudos ainda são muito controversos
quanto à sua recomendação para a população geral”, diz.
Ivana menciona um trabalho italiano recém-publicado
que também elege os praticantes de atividade física como candidatos a receber
antioxidantes extras. “São sugeridas substâncias como a quercetina, o
resveratrol e a curcumina”, relata.
Ainda assim, não é todo esportista que precisa ir
além do cardápio. Embora a atividade física incremente a capacidade
respiratória e o consumo de oxigênio, resultando no aumento dos níveis de
radicais livres, o organismo é tão perfeito que, em resposta, gera mais enzimas
antirradicais. Quanto maior o condicionamento do sujeito, mais antioxidantes
tendem a ser fabricados para ajudar a suprir a demanda.
6. Existem ingredientes pró-oxidantes
VERDADE. O processo de oxidação, em que se formam os
radicais livres, faz parte da vida. O ato de respirar é um grande gerador
dessas moléculas. Lembremos das aulas do colégio: nossas células usam o
oxigênio para reagir com a glicose e fabricar energia. Essa reação bioquímica
também propicia o surgimento dos radicais.
Mas, esperta, a natureza dotou nosso corpo de
mecanismos capazes de frustrá-los antes que danifiquem o material genético das
células. Quando a gente capricha na ingestão de vegetais, seus compostos
bioativos de efeito antioxidante só melhoram essa habilidade de neutralizar
processos oxidativos.
Na contramão, o exagero em outros tipos de alimento
pode ter a ação oposta. A nutricionista Ariana Rocha afirma que o elevado
consumo de açúcar, de gordura trans e de álcool pende a balança para a
oxidação. E, de sobra, esse desequilíbrio contribui com processos
inflamatórios. Eis um combo terrível para as artérias, o coração e o cérebro.
7. Alimentos perdem antioxidantes quando cozidos
VERDADE. Mas tudo vai depender do tipo de comida.
Alguns compostos ficam até mais disponíveis para o corpo quando passam pelo
fogo. O professor Mario Maróstica conta que o betacaroteno da cenoura e o
licopeno do tomate são mais bem aproveitados depois de cozidos. “Quando esses
alimentos são aquecidos, ocorre uma quebra em certas estruturas e essas
substâncias são liberadas”, explica.
Veja bem: não é para submeter os vegetais à
altíssima temperatura sob pena de comprometer textura, aroma e seus
componentes. Outro truque culinário é acrescentar um fio de óleo aos vegetais
para otimizar ainda mais a absorção pelo nosso corpo – o azeite cai muito bem.
Já a turma que estampa coloração arroxeada, caso da
jabuticaba e do repolho roxo, deve ser consumida preferencialmente crua. É que
as antocianinas se perdem com o calor. O mesmo vale para as frutas cítricas,
que esbanjam vitamina C. O ideal é descascar a laranja e saboreá-la na
sequência mesmo.
8. Antioxidantes são a chave para uma vida longa
MITO. “Não dá para dizer que a longevidade depende
exclusivamente dessas substâncias”, afirma a nutricionista Vanderlí Marchiori,
da Associação Paulista de Fitoterapia. A expectativa de vida é pautada por uma
porção de fatores, genéticos e ambientais, e outros hábitos à mesa, como a
ingestão adequada de proteínas, carboidratos e gorduras.
Quem segue a cartilha da boa alimentação sabe que o
melhor é priorizar as fontes gordurosas e proteicas mais saudáveis, além de dar
maior espaço no cardápio para o carboidrato de baixo índice glicêmico, aquele
que promove a entrada gradual da glicose no sangue. Assim, a lista de compras
deve ser preenchida com frutas e hortaliças, peixes, cortes de carne magros,
ovos, castanhas, cereais integrais…
Além da prática regular de exercícios, Vanderlí
chama a atenção para a qualidade do sono, decisivo para frustrar os radicais
livres e reparar os tecidos. “E também é fundamental evitar o tabaco e o abuso
de álcool”, completa a nutricionista.
9. Nem tudo no mercado é fonte de antioxidante
VERDADE. Embora existam, sim, excelentes opções nas
prateleiras, cuidado para não se iludir com falsas promessas. Vanderlí destaca
sucos integrais e alguns tipos de farinhas feitas com sementes de uva como
produtos interessantes. “Ainda assim, o ideal é pedir orientação de um
especialista antes de sair por aí comprando itens específicos”, sugere. Isso
porque a quantidade a ser consumida e o tempo de uso podem variar de acordo com
cada perfil.
Cabe aqui lembrar que antioxidantes são, há tempos,
ingredientes aliados da indústria. Eles contribuem para retardar a deterioração
dos alimentos, impedindo a oxidação de gorduras e o ranço, entre outros
atributos. Sulfitos e hidroxianisol butilado (BHA) estão entre os mais
conhecidos. Espie o rótulo e poderá encontrá-los lá. Ana Beatriz comenta que os
fabricantes têm buscado alternativas naturais e que tenham alguma propriedade
funcional. “Trata-se de uma exigência dos próprios consumidores”, diz. A dica
é: olho no rótulo sempre!
10. Não há contraindicação para suplementos
MITO. Um estudo clássico dos anos 1980 é ainda hoje
citado pelos experts para justificar por que a suplementação nem sempre é
inofensiva. O trabalho, envolvendo 29 mil voluntários, foi feito na Finlândia
com o objetivo de provar os benefícios de cápsulas com altas doses de
betacaroteno. Qual foi a surpresa ao verificar que, entre os fumantes, não
havia proteção alguma e, para piorar, eles apresentavam um risco 18% maior de
ter câncer de pulmão!
Outra experiência, essa mais recente e conduzida em
laboratórios da Suécia, revela que suplementos das vitaminas A, C e E estariam
por trás do crescimento de tumores em animais que já apresentavam a doença. A
explicação é que o exagero nesses antioxidantes seria capaz de desarmar um
mecanismo de supressão do câncer.
Atenção: esses achados não são mencionados para
causar alarde. Suplementos podem ser bem-vindos, desde que no contexto certo. E
quem está apto a determinar isso é um bom profissional de saúde.
Como os antioxidantes preservam as células
1. Eles neutralizam os radicais livres, átomos ou
moléculas que precisam de elétrons para se estabilizar.
2. Os radicais roubam elétrons da vizinhança. Quem
fica sem seu par sai à caça, reação que causa danos às células.
3. Os antioxidantes bloqueiam esse processo ao doar
elétrons aos radicais. Assim, as células e seu DNA são preservados.
Os antioxidantes e suas fontes à mesa
Vitamina A: Manga, espinafre, gema de ovo, fígado…
Vitamina C: Laranja, acerola, caju, morango…
Vitamina E: Azeite de oliva, nozes, abacate…
Selênio: Castanha-do-pará, frango, feijão, leite…
Zinco: Peixes, frutos do mar, cereais…
Betacaroteno: Cenoura, abóbora, mamão…
Licopeno: Goiaba, tomate, melancia…
Antocianinas: Jabuticaba, açaí, repolho roxo…
Catequinas: Chá-verde, cereja, pera…
Quercetinas: Maçã, cebola, chocolate amargo…
Resveratrol: Uva, vinho tinto, amendoim…
Sulforafano: Brócolis, couve, couve-flor…