Otimizar a prática de exercícios pode melhorar a qualidade do sono, e dormir uma quantidade adequada pode promover a atividade física durante o dia
Atividade física: mecanismos sobre a saúde e o sono
ainda precisam ser elucidados, mas a maioria dos estudos considera que o efeito
geral é positivo. Crédito: Pxfuel
Salvo engano, até os sedentários não negam os benefícios
da prática de exercícios físicos para a promoção da saúde. Já os especialistas
em sono acrescentam ao rol de efeitos positivos dos exercícios a melhoria da
qualidade do sono. No entanto, alertam para que a prática seja evitada próximo
da hora de ir dormir, o que dificultaria o adormecer. Por outro lado, os
mecanismos que explicam essa relação entre exercícios e sono ainda não estão
totalmente esclarecidos.
Em 2017, um grupo de pesquisadores da Universidade da
Califórnia fez uma revisão sistemática a partir de um levantamento
bibliográfico dos quatro anos anteriores exatamente sobre a relação
exercício-sono. Medidas objetivas ou subjetivas do sono e uma intervenção de
exercícios de acordo com as diretrizes recomendadas pelo American College of Sports
Medicine foram os critérios que incluíram 34 estudos na revisão. Dentre esses,
29 estudos concluíram que os exercícios melhoraram a qualidade ou a duração do
sono. No entanto, quatro não encontraram nenhuma diferença e um relatou um
impacto negativo do exercício no sono. Fatores como idade, estado de saúde e
tipo ou intensidade do exercício podem explicar a variação observada entre os
resultados dos estudos revisados.
A prática de exercícios foi especialmente positiva
entre pessoas mais velhas de modo a promover um aumento da eficiência e da
duração do sono, independentemente do modo e da intensidade da atividade,
principalmente em populações portadoras de doenças.
Efeitos positivos substanciais
Os autores concluem que o sono e o exercício exercem
efeitos positivos substanciais um sobre o outro, porém ressaltam que os
mecanismos por trás dessas observações devem ser elucidados.
O aumento da temperatura corporal durante a prática de
exercícios é, sem dúvida, um fator que, reconhecidamente, altera a latência do
sono, dificultando o adormecer, quando os exercícios são realizados
imediatamente antes do início do sono. Exercícios aeróbicos também liberam
endorfinas, aumentando o estado de alerta, o que reforça a recomendação de se
evitar exercícios físicos antes do sono. Por outro lado, exercícios físicos
praticados ao longo do dia promovem o alerta e reduzem a sonolência, de forma a
reduzir a latência de sono à noite. A prática de exercício moderado
regularmente, durante os momentos de lazer, contribui para a redução do peso
corporal e de dores musculoesqueléticas, além de melhorar a capacidade
respiratória. Em conjunto, esses fatores reduzem a chance de desenvolvimento de
doenças, inclusive distúrbios de sono.
Assim, ainda que não se tenham elucidado todos os
mecanismos envolvidos na melhoria da qualidade de sono decorrente da prática de
exercícios, já existe uma base consistente de evidências para recomendar a
prática de exercícios como uma medida de promoção do sono de boa qualidade. Há,
por exemplo, evidências suficientes para a National Sleep Foundation americana
reconhecer que o sono e os exercícios têm uma relação bidirecional. Em outras
palavras, otimizar a prática de exercícios pode potencialmente melhorar a
qualidade de sono e dormir uma quantidade adequada pode promover a atividade
física durante o dia.
O melhor horário
Resta ainda saber qual é o melhor horário para a prática
da atividade física. O sistema de temporização biológico regula os processos do
corpo com um ritmo de aproximadamente 24 horas. Esse sistema influencia muitos
aspectos do desempenho, variando de efeitos fisiológicos a fatores
motivacionais, perceptivos e cognitivos.
Do ponto de vista biológico, faz sentido supor que o
desempenho da atividade física no final da tarde é melhor que quando realizada
de manhã. Em um estudo sobre a hora do dia de atividade física (manhã versus
noite) e efeitos do consumo de uma dieta rica em gordura no controle glicêmico,
pesquisadores australianos acompanharam homens com sobrepeso/obesidade que
consumiram uma dieta com 65% da energia da gordura por 11 dias consecutivos.
Após cinco dias de dieta, os participantes foram aleatoriamente alocados para
exercícios pela manhã (6h30), exercícios no final da tarde (18h30) ou nenhum
exercício nos cinco dias subsequentes. Vinte e quatro participantes completaram
o estudo e foram incluídos nas análises (oito por grupo).
A prática de atividade física teve um impacto menor do
que a dieta rica em gordura nas mudanças nos metabólitos circulantes, e apenas
o exercício realizado no final da tarde foi capaz de reverter parcialmente
algumas das mudanças induzidas pela dieta rica em gordura nos perfis
metabolômicos. As melhorias na aptidão cardiorrespiratória foram semelhantes,
independentemente da hora do dia da atividade física. No entanto, melhorias no
controle glicêmico e reversão parcial das mudanças induzidas por uma dieta rica
em gordura nos perfis metabólicos foram observadas apenas quando os
participantes se exercitaram no final da tarde.
Características biológicas
Em outro estudo, pesquisadores da Universidade de
Groningen, na Holanda, investigaram o efeito da hora do dia na avaliação do
desempenho físico de atletas olímpicos. Os pesquisadores observaram que o pior
desempenho foi no início da manhã, por volta das 5 horas, enquanto o melhor foi
observado no final da tarde, por volta das 17 horas.
Assim, embora o senso comum sugira que a melhor hora
do dia para a prática de atividade física seja de manhã cedo, estudos sugerem
que tal afirmativa não é válida de modo genérico. Em primeiro lugar, deve-se
levar em conta características biológicas da pessoa, o que leva à variação do
desempenho ao longo do dia. Um vespertino extremo deve expressar seu melhor
desempenho no início da noite, enquanto um matutino extremo, bem mais cedo.
Outra consideração diz respeito ao desempenho esperado do treinamento físico. É
óbvio que atletas preferem horários em que seu desempenho é melhor, mas se o
objetivo do treino for a promoção da saúde, é provável que o desempenho não
seja tão importante.
Exercícios leves e moderados podem ser praticados pela
manhã quando não há a preocupação com o desempenho e desde que sejam realizados
apenas por pessoas que se sentem bem se exercitando nesse horário. Já o
controle glicêmico parece ser mais eficiente quando o treino é realizado no
final da tarde. Por fim, a preocupação com o aumento do tempo para adormecer
devido à prática de atividade física próxima do horário de início do sono não
impede que esta seja realizada no final da tarde, desde que seja realizada
algumas horas antes do início do sono.
Fonte: https://www.revistaplaneta.com.br/exercicio-fisico-e-seus-efeitos-na-saude-e-no-sono/ - Claudia R. C. Moreno é professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. - Texto: Claudia R. C. Moreno | Jornal da USP