Entender como os indivíduos que têm autismo enxergam o
mundo é uma forma de romper barreiras e preconceitos
Willian Chimura tem 25 anos, é programador e faz
mestrado em informática para educação. Marcos Petry tem 26, é palestrante,
escritor e tem dois livros publicados. Entre exatas e humanas, além da idade
próxima os dois têm outro fator em comum: ambos foram diagnosticados com
Transtorno do Espectro Autista e contam como enxergam o mundo em canais do
YouTube.
O dia 2 de abril foi escolhido para ser o Dia Mundial
de Conscientização do Autismo. Conversamos com Willian e Marcos sobre tudo que
uma pessoa neurotípica - que não tem autismo - deveria saber sobre quem tem.
O que foi a primeira coisa que ouviu falar sobre
autismo? Se você foi informado por impressões que fazem parte do senso comum,
provavelmente o que sabe até agora não é a melhor versão. Confira a seguir como
o mundo pode ser visto a partir dos olhos de uma pessoa com autismo:
1 - Não somos iguais
O que se chama de autismo é, na verdade, uma gama de
diagnósticos englobadas no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Todos eles têm
em comum a dificuldade no relacionamento social e os interesses restritos
específicos desde o início da vida.
"Se a pessoa estiver em uma das extremidades (a
mais leve) desse espectro ela pode praticamente não apresentar sintomas, apenas
ser considerada diferente ou se sentir diferente das outras", explica
Fernando Mitsuo Sumiya, psiquiatra da Infância e Adolescência do Ambulatório de
Diagnóstico da APAE de São Paulo.
Segundo ele, é possível dizer que, se existirem mil
autistas em uma sala, todos eles provavelmente serão diferentes, como a
impressão digital dos seus dedos.
2 - Não somos insensíveis
As dificuldades no relacionamento social podem estar
ligadas à fama de insensibilidade das pessoas com autismo. Mas isso não é
verdade. O fato é que essas pessoas podem ter formas diferentes de expressar
sentimentos.
Marcos e Willian explicam suas percepções sobre o
autismo
"Assim como a falta de iniciativa, existe também
a falta de energia para se embrenhar pelo mundo pouco objetivo dos sentimentos,
então creio que ao invés de afastar o autista de grupos de amigos ou até de
festas, deve-se esperar um pouco até que ele se engaje com o mundo
sentimental", esclarece Marcos Petry.
3 - Não tenho necessariamente deficiência intelectual
O autismo pode aparecer em uma pessoa junto com outros
transtornos. A deficiência intelectual é uma delas, e atinge uma parte dos
autistas. Mesmo que essa parcela pareça alta, nem pense em estereotipar os
autistas assim. A deficiência intelectual é mais um conjunto de sintomas amplo,
e as dificuldades podem ser inúmeras.
Além disso, é importante lembrar que até as
dificuldades típicas que podem aparecer na maioria dos autistas - como a
questão dos relacionamentos, por exemplo -, são tratáveis. Portanto, esses
sintomas podem ser amenizados durante a vida.
4 - Mas não necessariamente sou um gênio
Não é difícil ouvir exemplos de pessoas com autismo
que têm habilidades que impressionam a quem está em volta. Resolver problemas
matemáticos difíceis ou falar várias línguas estão entre as coisas que podem
tornar autistas ícones, assunto para bate-papos ou até tema de obras
cinematográficas.
Essas habilidades podem ser decorrentes da forma como
a mente dos autistas funciona. Uma característica que pode ajudar é, por
exemplo, o hiperfoco, que consiste em um jeito intenso de se concentrar em um
tema, tópico ou tarefa.
No entanto, acreditar que todos os autistas têm
inteligência excepcional não é bem-vindo. "Autistas não são geniais. Não
mais geniais que qualquer pessoa. Acho que a genialidade não vem de uma hora
para outra e autistas não são privilegiados neste quesito. O que ocorre é as
pessoas confundirem retenção de estímulos e pequenos detalhes com genialidade
nata!", reclama Marcos.
5 - Também temos amigos!
Certa vez, antes de ser diagnosticado, Willian Chimura
falou a uma psicoterapeuta sobre suas dificuldades em se relacionar com as
pessoas. Ela descartou sua queixa apontando os amigos que tinha.
Essa crença de que pessoas com autismo não têm amigos
pode atrapalhar tanto no momento de diagnosticar quanto no relacionamento
interpessoal. Isso porque é muito comum a sociedade evitar o contato social com
pessoas autistas por acharem que elas não têm amigos
6 - Não estamos num mundo à parte
Lembro da primeira vez que ouvi a palavra
"autista". Era adolescente, e questionei uma amiga sobre o seu
significado. Ouvi: "São pessoas que ficam no mundo delas, não
interagem". Mais tarde, entrando em contato com pessoas diagnosticadas com
o TEA, percebi que essa definição era, além de errada, bastante prejudicial.
"Quando as pessoas falam que os autistas vivem no
mundo deles, elas não conseguem compreender a forma como as pessoas querem se
comunicar ou interagem com o ambiente e desistem de entender", explica
Willian.
Ao contrário, autistas estão no mesmo mundo em que os
neurotípicos (como se chamam pessoas que não estão no espectro do autismo ou de
outro transtorno psiquiátrico). A diferença é que as interações entre estas
duas esferas podem não ser tão óbvias assim.
"Se alguém ali em volta da pessoa com autismo
passar um tempo observando, tentando entender o que ela quer dizer com suas
expressões, com certeza vai encontrar uma maneira para se comunicar",
completa o programador.
E fazer isso não implica em tratar de forma infantil.
Marcos dá a dica: o que se precisa fazer é simplesmente dar "pitadas"
de previsibilidade, principalmente explicando algumas nuances da linguagem que
muitas vezes são difíceis de captar, como ironias e metáforas.
7 - Podemos fazer movimentos diferentes
Existe uma marca bem comum entre pessoas com autismo:
as estereotipias motoras.
"Estereotipias são movimentos repetitivos como
balançar o tronco, chacoalhar as mãos. Em geral, as estereotipias servem para
que a criança se autorregule. É muito parecido com aquela pessoa que rói a unha
o tempo todo porque está ansiosa e isso reduz a ansiedade. Quando a criança não
consegue se expressar de maneira apropriada ela encontra maneiras de se
autorregular", explica o psiquiatra Fernando Mitsuo Sumiya.
8 - Podemos repetir sons
Outra característica que pode aparecer entre pessoas
com autismo é a ecolalia, que consiste na repetição de frases em diferentes
contextos.
Para Willian, repetir as falas que aparecem em jogos é
simplesmente uma atividade prazerosa. Ele compara com o hábito que os
neurotípicos têm de cantar músicas que gostam. No entanto, nem sempre acontece
no contexto esperado.
O psiquiatra Fernando ressalta que a ecolalia também é
sintoma de outros transtornos e, por isso, deve ser avaliada.
9 - Não é qualquer barulho que me atrapalha
Autistas sentem o mundo de uma maneira diferente das
pessoas neurotípicas. É o que se chama de atipicidade sensorial. Por isso, não
faz sentido afirmar que eles não gostam de barulhos, necessariamente.
"Quando estou em meio, não só a barulho, mas
também a objetos de cores berrantes, luzes ou outdoors muito chamativos, fico
desestabilizado: Acontece porque as informações me vem aos poucos e se
aglutinam de tal maneira que fazem a mente esgotar as energias", relata
Marcos.
Cada pessoa tem certas sensibilidades diferentes das
outras. E ele reforça que isto é treinável."Já lido com estímulos
ambientais muito melhor do que quando era criança por exemplo", completa.
10 - Nem sempre somos diagnosticados
É possível que uma pessoa adulta tenha autismo e não
saiba? Sim, já que o espectro abrange formas do autismo com sintomas mais
brandos.
No entanto, o diagnóstico precoce é importante para
que as equipes realizem as intervenções necessárias.
"Lembra, quando a gente era criança, a gente caia
e ralava o joelho? Nosso joelho ralado melhorava mais rápido que hoje! Da mesma
forma o cérebro das crianças tem uma maior facilidade de realizar ligações e
conexões. Chamamos essa capacidade de neuroplasticidade. Quanto mais precoce
for a estimulação e a intervenção, maiores são as chances da criança em
qualquer grau terem a oportunidade de ter um melhor funcionamento",
detalha o psiquiatra Fernando.
Autismo: entre em contato
Se você ainda não conhece alguém que tem autismo,
provavelmente ao longo da vida irá entrar em contato. Saber mais sobre as
características das pessoas com autismo a partir da própria perspectiva delas é
a melhor forma.
Tanto Marcos Petry como Willian Chimura, que
conversaram com a gente e nos ajudaram com esta reportagem, podem contribuir
para isso.
Willian tem Um Canal sobre autismo no YouTube.
Marcos é escritor e autor de dois livros: Contos de
Meninos e Meninas (2016) e Memórias de um Autista por Ele Mesmo (2018). Além
disso, ele também tem o canal
Fonte: https://www.minhavida.com.br/bem-estar/materias/34570-10-coisas-que-pessoas-com-autismo-gostariam-que-voce-soubesse?utm_source=news_mv&utm_medium=MS&utm_campaign=9638982
- Escrito por Lara Deus - Redação Minha Vida
Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos e não os
estorveis de vir a mim, porque dos tais é o Reino dos céus.
Mateus 19:14