O ex-boxeador americano Muhammad Ali, 74, morreu
após internação em um hospital de Phoenix, nos Estados Unidos, por problemas
respiratórios. A morte foi anunciada na madrugada (de Brasília) deste sábado
(4). Seu porta-voz, Bob Gunnell, anunciou nesta quinta (2) que o ex-atleta
estava hospitalizado.
Ali foi campeão olímpico, participou da "Luta
do Século" original, venceu o combate mais famoso da história,
foi o primeiro tricampeão mundial dos pesados, dominou o boxe no período mais
competitivo entre os grandalhões dos ringues e se tornou a primeira estrela
globalizada do esporte, com duelos em países do Terceiro Mundo.
Poderia ter conquistado mais como atleta, muito
mais, não tivesse sido forçado a ficar inativo durante mais de três dos anos
mais produtivos da carreira de um esportista. Mas, graças a esse sacrifício,
transcendeu o esporte e influenciou a sociedade americana em questões sociais,
políticas e religiosas.
Nascido Cassius Marcellus Clay Jr. em 1942, na
cidade de Louisville, oriundo de uma família humilde, Ali descobriu o boxe na
infância por acaso. Aos 12 anos, quando roubaram sua bicicleta, procurou Joe
Martin, um policial que dava aulas em um centro de recreação, para reclamar do
roubo. Nunca mais viu a bicicleta, mas logo estava calçando as luvas de boxe.
Rapidamente ele conquistou títulos amadores que lhe
abriram caminho até a Olimpíada de Roma, em 1960. Lá, aquele jovem tagarela
ganhou a medalha de ouro entre os meio-pesados (categoria de peso imediatamente
inferior à dos pesados no amadorismo).
Ao retornar aos Estados Unidos, foi acolhido como
herói, homenageado por autoridades e assinou contrato com um grupo de
milionários que o patrocinou.
Naquela época, prevalecia o racismo. Os
restaurantes, hotéis e cinemas, especialmente os do sul do país, reservavam
espaços para que os negros se acomodassem separados dos brancos.
Quando teve o pedido de um hambúrguer e um milk
shake negado em uma lanchonete por causa da cor de sua pele, Ali foi à Ponte
Jefferson County e atirou no Rio Ohio sua medalha olímpica, com a qual sonhava
desde que desferira os primeiros socos no ginásio. "Não houve dor ou remorso,
só alívio e renovação de forças", disse Ali sobre o episódio, anos depois.
O boxeador se adaptou facilmente ao
profissionalismo, no qual estreou ainda em 1960. Adotou um slogan simpático:
"flutuar como uma borboleta, picar como uma abelha", em referência à forma
como bailava no ringue e à velocidade dos golpes. Seus reflexos faziam com que raramente fosse
atingido com força.
Ele se dava ao luxo de prever, por meio de poemas,
em que assalto derrubaria seus adversários. Na maioria das vezes, acertava. E
não perdia a pose quando errava a previsão. Quando o ranqueado Doug Jones
aguentou dez assaltos com ele, Ali argumentou: "Primeiro disse que
venceria em seis assaltos, depois em quatro. Bom, seis mais quatro dá dez,
não?".
Poucos meses após conquistar o título mundial dos
pesos-pesados, ao bater Sonny Liston, a quem apelidou de "O Grande Urso
Feio", em fevereiro de 64, revelou que se convertera ao islamismo, abrindo
mão do seu "nome de escravo", Cassius Clay, e passando a se chamar
Muhammad Ali. Em suas próprias palavras, era agora "O Rei do Mundo" e
"O Mais Bonito".
Três anos depois, ainda campeão, foi convocado a
comparecer ao centro de recrutamento do Exército, onde recusou o alistamento
para a Guerra do Vietnã. "Nenhum vietnamita jamais me chamou de
crioulo", justificou Ali, que teve a licença de pugilista cassada e foi
destituído do cinturão em 1967. Nos anos seguintes, ganhou a vida com palestras
no circuito universitário. Viu aumentar o ódio daqueles que defendiam o sistema,
mas seu discurso o tornou ídolo dos jovens, que à época clamavam veementemente
por mudanças.
Após uma longa batalha jurídica, recuperou a licença
de pugilista e retornou aos ringues em 1970, contra dois rivais de categoria,
Jerry Quarry e o argentino Oscar "Ringo" Bonavena. No ano seguinte,
enfrentou na "Luta do Século" "Smokin" Joe Frazier, que
então era o dono de seu cinturão, em um choque de invictos. A comoção gerada
pela luta foi tamanha que o cantor Frank Sinatra, já um grande astro àquela
época, aceitou fazer um "bico" como fotógrafo para a revista
"Life" apenas para garantir um lugar à beira do ringue, já que os
ingressos estavam esgotados.
Ali perdeu por pontos em 15 assaltos, mas em 1974
ganhou nova oportunidade de lutar pelo título, desta vez contra George Foreman,
na "Rumble in the Jungle" ("Briga na Selva"), no Zaire. Ali
subiu ao ringue como o azarão. Afinal, Foreman tomara o cinturão de Frazier ao
derrubá-lo seis vezes em dois assaltos, e precisara do mesmo número de assaltos
para destruir outro algoz de Ali, Ken Norton.
Sem a agilidade e os reflexos do auge da carreira,
Ali usou a cabeça. Encostou-se nas cordas e permitiu que o rival o castigasse,
assalto após assalto, até que Foreman se cansasse. Então, no oitavo assalto,
partiu para o ataque e derrotou o rival. O combate foi transformado em livro
por Norman Mailer ("A Luta") e gerou um documentário, "Quando
Éramos Reis", ganhador do Oscar em 1996.
Ali disputou depois aquela que foi eleita pela
publicação especializada "The Ring" a melhor luta da história, a
"Thrilla in Manila", seu terceiro duelo com Frazier, nas Filipinas.
"Foi o mais próximo que cheguei da morte", falou sobre a luta, que
venceu no 14º assalto.
Em 1978, Ali perdeu o título para o novato de sete
lutas Leon Spinks, mas o recuperou no mesmo ano para se tornar o primeiro
tricampeão dos pesados. Anunciou sua aposentadoria, mas retornou contra seu
ex-sparring Larry Holmes, agora campeão, e contra Trevor Berbick. Perdeu as
duas e pendurou as luvas em definitivo.
Ele passou, então, a se dedicar a missões de cunho
humanitário e político, visitando países como Cuba, China e Rússia. Foi ao
acender a pira olímpica nos Jogos de Atlanta-96 que o mundo descobriu os
avançados sintomas do Mal de Parkinson, que reduziu drasticamente a sua mobilidade
e a sua capacidade de comunicação. Passou os últimos anos de sua vida
dependente de tratamentos e remédios, e suas aparições públicas se tornaram
cada vez mais raras.
CRONOLOGIA:
17.jan.1942
Nasce Cassius Marcellus Clay Jr. em Louisville, Kentucky (EUA)
1954
Aos 12 anos, após ter uma bicicleta roubada, é encorajado por Joe Martin, um
policial de sua cidade, a aprender boxe
1959
Vence o torneio nacional "Luvas de Ouro", na categoria médio (entre
71 kg e 75 kg), disputado entre estudantes colegiais
1960
Como médio, vence pela segunda vez o "Luvas de Ouro". Também
conquista o título nacional dos meio-pesados (entre 75 kg e 81 kg) da União
Atlética Amadora
5.set.1960
Nos Jogos Olímpicos de Roma, conquista a medalha de ouro na categoria
meio-pesado, ao derrotar o polonês Zbigniew Pietrzkowski. De volta aos EUA,
joga a medalha no rio Ohio depois que o dono de uma lanchonete recusa-se a
servi-lo
29.out.1960
Em sua primeira luta como profissional, bate Tunney Hunsaker
1961
Passa a ser treinado por Angelo Dundee
25.fev.1964
Invicto em 19 lutas, enfrenta o campeão mundial dos pesos-pesados Sonny Liston,
em Miami e conquista o título. Dois dias depois, anuncia conversão ao islamismo
e adota o nome Cassius X Clay. Em 6 de março, muda para Muhammad Ali
25.mai.1965
Vence revanche contra Liston, por nocaute no primeiro assalto
28.abr.1967
Recusa-se a lutar no Vietnã. Alega que "nunca havia sofrido racismo de um
vietcongue". Sua licença de boxeador, seu título e seu passaporte são
cassados. Inicia batalha na Justiça e, em 1970, a Suprema Corte revoga a
decisão do júri
26.out.1970
Após três anos afastado dos ringues, derrota Jerry Quarry, no terceiro assalto,
em Atlanta
8.mar.1971
No seu primeiro grande desafio desde a volta aos ringues, sofre a primeira
derrota, por pontos, para o então campeão da Associação Mundial de Boxe, Joe
Frazier, no que ficou conhecida como a "Luta do Século". Meses
depois, bate Jimmy Ellis e sagra-se campeão pela federação norte-americana
31.mar.1973
Perde o cinturão para Ken Norton. Apesar de ter o maxilar quebrado, luta até o
12º assalto, quando Norton é declarado vencedor. Seis meses depois, bate o
mesmo adversário e reconquista o título
28.jan.1974
Bate Joe Frazier, que havia perdido o título para George Foreman, por pontos,
no 12º assalto
30.out.1974
Em luta conhecida como "Ruble in the Jungle", vence George Foreman,
por nocaute, no oitavo assalto, e reconquista o cinturão dos pesos-pesados. O
combate acontece no Zaire (atual Congo)
1º.out.1975
Luta mais uma vez contra Joe Frazier, no combate conhecido como "Thrilla
in Manila", realizada nas Filipinas. É o terceiro duelo contra Joe Frazier
e Ali vence no 14º assalto
15.fev.1978
Perde o cinturão ao ser derrotado por Leon Spinks, por pontos
15.set.1978
Bate Leon Spinks e recupera o título, tornando-se o primeiro tricampeão dos
pesados. Ali anuncia sua aposentadoria
2.out.1980
Volta aos ringues, desafiando Larry Holmes. Pela única vez na carreira, é nocauteado
11.dez.1981
Aos 39 anos, faz sua última luta. É derrotado por Trevor Berbick, por pontos
1984
É diagnosticado com o de Mal de Parkinson
1990
Pouco antes da Guerra do Golfo, se reúne com Saddam Hussein e consegue libertar
14 prisioneiros norte-americanos
19.jul.1996
Acende a pira dos Jogos Olímpicos de Atlanta
1998
O então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, nomeia Ali como Mensageiro da Paz
19.nov.1999
No evento realizado em Viena para eleger os atletas do século, é premiado na
categoria esportes de combate
7.dez.1999
Recebe do presidente do comitê olímpico da Itália, uma cópia da medalha de ouro
que conquistou na Olimpíada de 1960, disputada em Roma
Mar.2001
Ali e Joe Frazier encerram rivalidade histórica. Após participar de jantar com
Frazier, Ali, em reportagem do "The New York Times", pede desculpas
ao antigo adversário pelas ofensas do passado. A reconciliação acontece meses
antes das filhas de Ali e Frazier se enfrentarem em luta realizada em Nova York
2005
Recebe a Medalha da Liberdade, mais alta distinção civil dos Estados Unidos
2.dez.2012
É nomeado "Rei do Boxe Mundial" pelo Conselho Mundial de Boxe
27.set.2014
Numa de suas poucas aparições públicas, participa da cerimônia Muhammad Ali
Humanitarian Awards, em Louisville
20.dez.2014
É internado com suspeita de pneumonia e infecção urinária. Recebe alta 17 dias
depois, em 6 de janeiro de 2015
15.jan.2015
Volta a ser hospitalizado devido à infecção urinária. Recebe alta no dia
seguinte
4.jun.2016
Após nova internação por problemas respiratórios, morre na madrugada de sábado
(4).