Além de ajudar a evitar tumores, o exercício é
importante durante o tratamento - por vários motivos. Veja as últimas
recomendações dos especialistas
Antes da quinta sessão de quimioterapia, a médica da
fisioterapeuta Roberta Peres, diagnosticada com câncer de mama aos 27 anos,
avisou que trocaria os remédios. É um protocolo comum, que pode reduzir a
intensidade de efeitos colaterais. “Mas ela me disse que, entre outros
sintomas, eu talvez tivesse dores parecidas com as de um treino forte na
academia”, lembra. Após a químio, Roberta definiu seu sofrimento de outro
jeito: “Eram como facadas. No dia seguinte, falei que não iria aguentar e meu
marido sugeriu caminharmos no parque para eu me distrair. Foi delicioso”.
O desconforto não sumiu, porém diminuiu a ponto de
ela repetir a dose na próxima manhã e até trotar um pouco. “Tive câncer, fiz
químio… e corri careca”, arremata Roberta, hoje com 29 anos e um perfil no
Instagram que estimula outros pacientes a tomarem as rédeas da vida diante da
doença. Ao longo das 11 sessões quimioterápicas seguintes (uma por semana), ela
continuou dando suas passadas com o aval da doutora e notou ganhos em ânimo,
autoestima, força…
“Está evidente que a atividade física ameniza
consequências da doença e da terapia”, afirma o oncologista Auro Del Giglio, do
Hospital do Coração, em São Paulo. Durante uma palestra que dará no Ganepão, um
dos maiores congressos científicos do Brasil, o especialista vai destacar o papel
da movimentação contra a fadiga gerada pelo tratamento. “Não há drogas
adequadas para enfrentar essa reação adversa. Apenas os exercícios funcionam
mesmo”, explica. Soa esquisito dizer que “gastar energia vai gerar energia”,
mas é nesse sentido que as evidências científicas andam.
Uma revisão internacional de 34 estudos reuniu dados
de 4 366 indivíduos com tumores. Seu resultado é categórico: não importa o tipo
da doença, tirar o corpo da cama combate a indisposição. “Eu me poupava nos
dias de quimioterapia, porque ficava sonolenta. Só que nos outros já voltava a
me exercitar”, conta Roberta. Ela admite que os primeiros passos exigem esforço
extra, contudo a sensação de esgotamento se dissipa com o suor.
“Na verdade, a atividade física libera neurotransmissores
que trazem prazer e bem-estar”, explica José Cesar Rosa Neto, doutor em
fisiologia e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de
São Paulo. A malhação ainda freia a degeneração muscular, uma repercussão comum
após o diagnóstico que atrapalha tarefas cotidianas e intensifica a canseira.
Não por menos, o brasileiro Daniel Galvão, codiretor
do Instituto de Pesquisa em Medicina do Exercício da Universidade Edith Cowan,
na Austrália, concentrou-se no potencial de treinos supervisionados com
práticas aeróbicas e de flexibilidade e força em 57 homens com câncer de
próstata avançado – a doença havia invadido os ossos. Mesmo nesse cenário
grave, os participantes expressaram uma melhora nas funções físicas sem
desenvolver complicações.
“O estudo tem um enorme impacto, porque indivíduos
com metástases ósseas até então eram excluídos de programas de exercício”,
raciocina Galvão. Está aí um erro comum: imaginar que o câncer pede cama.
Mais benefícios da atividade física contra o câncer
Sono: a sensação de relaxamento após o esforço
físico facilita o adormecer e melhora a qualidade do sono.
Disposição: sacudir a poeira é uma das principais
maneiras de afastar a fadiga típica da quimioterapia.
Peso: ao contrário do que se pensa, vítimas do
câncer podem engordar. E o exercício queima calorias.
Dor: os incômodos são aplacados com as substâncias
analgésicas liberadas pelo esporte.
Como o exercício ajuda o tratamento em si
Resistir aos solavancos do tratamento é primordial
para finalizá-lo. E aqui a malhação ofereceria vantagens. “Embora faltem
pesquisas, o bom senso sugere que, se essa prática atenua reações adversas,
ajudaria a pessoa a aguentar a estratégia desenhada pelo médico“, reflete Del
Giglio.
Um indício de que o argumento bate com a realidade
vem de um trabalho da Universidade de Alberta, no Canadá. Divulgado em 2007,
ele reuniu 242 mulheres com câncer de mama submetidas à químio. Resultado: 78%
das que foram orientadas a fazer musculação seguiram o plano original do doutor
sem grandes intercorrências, ante 66% das que ficaram paradas.
Tais dados justificariam a menor taxa de mortalidade
associada aos enfermos que suam a camisa após o diagnóstico. Em um levantamento
de 2015 publicado no British Journal of Sports Medicine, os mais ativos
apresentavam um risco 22% menor de morrer por causa do tumor.
Só considere que, talvez, dados como esse decorram
do fato de que os sujeitos com cânceres mais agressivos se mexem menos – não
seria o esporte que afasta a doença, e sim o contrário. “De qualquer forma,
também existe a teoria de que os exercícios gastam parte da energia que
abasteceria o tumor”, explica Sandro Fernandes da Silva, educador físico da
Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. Fora isso, em experiências no
laboratório, o esforço físico estimula o suicídio de células cancerosas e faz o
sistema imune reconhecê-las melhor.
A atividade física ainda rechaça transtornos que
abreviam a longevidade do pessoal que venceu o câncer. Exemplo: vários dos
fármacos empregados lesam o coração. “Quem recebeu quimioterapia na infância às
vezes desenvolve insuficiência cardíaca já aos 30 ou 40 anos”, revela Rosa
Neto. “Mas o treinamento parece remodelar o órgão e manter seu funcionamento”,
completa.
Na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados
Unidos, pesquisadores recrutaram 100 voluntárias que haviam se tratado
recentemente contra o câncer nos seios e colocaram metade para realizar
exercícios. Depois de quatro meses, eles perceberam que a turma do agito exibiu
quedas em colesterol, pressão e outros marcadores da síndrome metabólica.
“Sobreviventes do tumor de mama com essa condição têm maiores índices de
mortalidade. Logo, erradicá-la aumentaria a sobrevida”, diz a fisiologista
Christina Dieli-Conwright, autora da investigação.
A dificuldade é sair do sedentarismo em um momento
tão complicado – até porque o câncer impõe restrições. “No nosso trabalho, um
grande desafio foi a falta de confiança das mulheres em movimentar os braços”,
recorda-se Christina. Ora, não raro a cirurgia contra o tumor de mama abala as
estruturas dos membros superiores.
Roberta, que passou por quatro operações antes de
ver sua doença sumir dos radares, é prova disso: “Meu alongamento foi para as
cucuias. Aí eu comecei a fazer pilates e ioga, que me ajudaram a recuperar a
flexibilidade”. Claro que cada caso demanda cuidados específicos, que exigem
supervisão. “Mas todos, ao se exercitarem, deixam de viver só em função do
tratamento”, dá o recado. Tem virtude melhor do que essa?
Os exercícios físicos na prática
“As recomendações para pacientes com câncer estão
sendo revistas”, adianta o pesquisador Daniel Galvão. Hoje, as diretrizes
gerais se assemelham às voltadas ao restante da população – ou seja, pedem para
incluir modalidades aeróbicas, musculação e alongamentos por ao menos 150
minutos na semana.
No entanto, há particularidades de acordo com o tipo
de tumor, o estágio da doença e as características da pessoa. “Durante o
tratamento, devemos focar na segurança, cobrar supervisão e reforçar que não é
a hora de apertar o passo”, ressalta o oncologista Antonio Carlos Buzaid, da
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Veja, a seguir, táticas para se manter ativo em meio
à luta contra o câncer:
O calendário: veja como se sente após uma sessão do
tratamento e se exercite nos dias em que os sintomas abrandarem.
A expectativa: concentre-se mais nos benefícios da
atividade contra o tumor e menos – bem menos – no desempenho.
Os cuidados: se a doença se espalha para o fêmur,
por exemplo, é bom não sobrecarregar a perna. Respeite as limitações impostas
pelo médico.
A supervisão: o ideal é programar os treinos junto a
educadores físicos e outros profissionais com experiência em oncologia.