Táticas preventivas, tratamentos modernos e novas
formas de levar informação podem mudar o cenário do AVC, a segunda causa de
morte no Brasil
É assustador: um em cada quatro adultos no mundo vai
sofrer o acidente vascular cerebral (AVC). O rompimento ou o entupimento de um
vaso sanguíneo na cabeça respondem por 10% das mortes no planeta.
“No Brasil, notamos uma tendência de aumento no
número de casos, mas a mortalidade deve diminuir nos próximos anos”, analisa o
neurologista Cesar Minelli, de Matão (SP), que apresentou dados inéditos sobre
o tema durante o Congresso Brasileiro de Doenças Cerebrovasculares, realizado
no final do ano passado em Goiânia.
Infelizmente, o número de ocorrências só cresce. Só na cidade de Matão,
em média, 127 casos de AVC ocorrem a cada 100 mil habitantes por ano. E 26% dos
pacientes da cidade paulista não resistem e morrem anualmente após o derrame.
Apesar de ser um perigo em ascensão, tem muita
notícia boa sobre o tema. Conheça novos tratamentos, formas de prevenção e
maneiras de levar informação que podem mudar o cenário brasileiro:
Programa de saúde pública bem-sucedido
Lançada em 1994, a Estratégia Saúde da Família
(ESF), do governo federal, abrange enfermeiros, médicos e dentistas, que fazem
o acompanhamento da população de um determinado bairro ou região. Os
profissionais são responsáveis pela atenção básica das pessoas, o que inclui
vacinação, campanhas de prevenção, consultas simples e exames de rotina.
Mais que resolver queixas pontuais, um programa
desses traz resultados de longo prazo. “Descobrimos recentemente que nas
regiões em que a ESF está implementada há menos internações por AVC”, revela
Minelli.
Trombectomia, um tratamento aprovado com louvor
A trombectomia é um tratamento em que o cirurgião
guia um cateter até o cérebro para retirar o trombo que fecha a passagem do
sangue. O Ministério da Saúde encomendou um estudo para ver se essa estratégia
seria custo-efetiva na rede pública.
“Os resultados mostraram que o paciente submetido a
essa operação tem 3,4 vezes mais probabilidade de não ficar com sequelas”,
conta a neurologista Sheila Martins, presidente da Rede Brasil AVC.
A expectativa é que o método, já disponível nos
planos privados, seja englobado em breve pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.
Outras saídas para frear o AVC
Anticoagulante: remédio que dissolve o coágulo, deve
ser usado nas primeiras quatro horas após o início dos sintomas.
Cirurgia: quando a artéria se rompe no cérebro,
muitas vezes é preciso drenar o sangue que se espalhou.
Precisão a despeito da hora
Para escolher qual será a resposta para o
entupimento cerebral, o médico pergunta quando se iniciaram os sintomas (boca
torta, dificuldade de fala, dor de cabeça…). Mas e se o sujeito dormiu bem e
acordou mal? Como saber o momento exato?
“Cerca de 20% dos pacientes chegam ao pronto-socorro
nessas condições”, calcula o neurologista Octávio Pontes Neto, da Universidade
de São Paulo em Ribeirão Preto.
A boa notícia é que novos equipamentos permitem
calcular o tamanho do estrago com mais exatidão, o que dobra as chances de
oferecer um melhor tratamento.
O implante que poupa neurônios
Um grupo de mais de 80 cientistas espalhados por 18
países está testando um dispositivo peculiar que poderá ser utilizado logo
depois do AVC.
Com o tamanho de 4 centímetros, ele é instalado num
nervo que fica perto do nariz e dos olhos. Ao ser ativado, estimula a chegada
de mais sangue ao cérebro, o que ajudaria a manter os neurônios vivos por um
tempo extra e reduziria as sequelas.
Os testes iniciais, que envolveram mais de mil
voluntários, mostraram que o implante é seguro e pode trazer ganhos em
situações específicas. “Porém, antes de colocarmos essa ideia na prática, ainda
devemos aguardar resultados mais contundentes”, avalia Sheila Martins.
A instalação é simples: basta introduzir uma injeção
pelo buraco do nariz até chegar ao fundo da cavidade nasal. O implante fica
grudado num nervo chamado gânglio esfenopalatino. Ele é acionado por um
controle remoto. Com isso, há um incremento no aporte de oxigênio e nutrientes
para a massa cinzenta.
Capacitação de crianças para salvar vidas
Durante o congresso em Goiânia, a Rede Brasil AVC
iniciou uma campanha que vai percorrer escolas de todo o Brasil para ensinar
estudantes de 4 a 8 anos a reconhecerem um derrame. Por meio de um filme e
personagens de desenho animado, a proposta é treinar a garotada para reconhecer
os principais sintomas e como agir se virem algo parecido em casa ou na rua.
“Sabemos que as crianças passam boa parte do tempo
com os avós, que são o público que tem maior risco de sofrer um evento desses”,
destaca Sheila. O objetivo é que o público infantil aprenda e ligue para o 192
rapidamente, sem precisar esperar a chegada dos adultos. Afinal, tempo é cérebro:
cada minuto perdido pode fazer uma diferença tremenda lá na frente.
Os heróis e seus poderes
Criados na Universidade da Macedônia, eles
desembarcaram este ano em terras brasileiras
Simão: é o vovô que tem o maior sorriso. Se ele não
mexe a boca, algo está errado.
Bruno: possui braços fortes e firmes. Quando perde a
força, é sinal de encrenca.
Fiona: sua voz é doce e angelical. Preocupa caso não
consiga cantar ou falar.
Tiago: é o neto esperto e inteligente que liga para
o Samu no 192 e socorre os avôs.
Um comprimido 4 em 1
Uma das principais dificuldades para manter pressão
e colesterol sob controle está no tratamento de longo prazo: estima-se que
menos de 10% dos indivíduos continua a tomar os remédios direitinho um ano após
o diagnóstico.
Mas e se a gente tivesse uma cápsula que reunisse
tudo de uma vez? Essa estratégia foi testada na Universidade de Ciências
Médicas de Teerã, no Irã. Os resultados indicam que um comprimido único com
aspirina, estatina (para baixar o colesterol) e dois anti-hipertensivos
melhorou a adesão ao tratamento e reduziu em 34% infartos e AVCs.
A polipílula já recebeu endosso da Organização
Mundial da Saúde (OMS) e deve custar menos de 30 centavos de dólar.
Vitamina D não previne o AVC
“Infelizmente, a suplementação dessa substância não
demonstrou a eficácia esperada”, afirmou durante a sua apresentação no
congresso o neurologista Rubens José Gagliardi, da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo. O especialista se referia a um estudo publicado este ano no
prestigiado periódico Journal of the American Medical Association (Jama).
O trabalho liderado pela Universidade Estadual de
Michigan, nos Estados Unidos, revisou as informações de 21 pesquisas feitas
previamente, que acompanharam mais de 83 mil pacientes. Após toda essa análise,
conclui-se que as doses de vitamina D não trouxeram nenhuma proteção contra o
ataque cardíaco ou o derrame.
Se você faz uso regular desse nutriente por meio de
gotas ou cápsulas, visite um médico para saber mais e receber uma orientação
personalizada.
Novas ferramentas na reabilitação
A fisioterapia não é mais a mesma: hoje em dia é
possível fazer uso de máquinas ultramodernas, lançar mão de remédios que mexem
na química cerebral e aplicar ondas eletromagnéticas na cabeça após um AVC.
Até o popular Botox entra na jogada: as injeções
dessa substância alteram não apenas o funcionamento dos músculos que ficam com
sequelas, mas influenciam na conectividade entre os nervos periféricos e o
sistema nervoso central.
“Nesse contexto, a toxina botulínica tem um nível
alto de evidência para tratar a espasticidade, quadro marcado por rigidez e
espasmos musculares constantes”, conta a neurologista Carla Moro, do Hospital
Municipal São José, em Joinville, Santa Catarina.
As sequelas motoras são a complicação mais comum
após os derrames. Os indivíduos deixam de movimentar partes do corpo,
geralmente braços ou pernas. Esse problema traz outras dificuldades, como
acessos de dor, deformidades e disfunção sexual.
Para amenizar todas essas chateações, a fisioterapia
é primordial. Com as sessões, as chances de se restabelecer e ter liberdade são
ainda maiores. É preciso iniciar logo cedo (se possível, no hospital) e não
desistir após as primeiras semanas.
O robô que sabe tudo sobre o derrame
Alunos e professores do Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, criaram um programa de computador
que responde às principais perguntas do público sobre o AVC. O sistema foi
instalado no Facebook e, durante 40 dias, recebeu 138 perguntas de usuários
dessa rede social.
Mais de 40% das pessoas estavam interessadas em
saber mais sobre os sintomas. Na sequência, as questões variavam entre
prevenção e tratamento.
“Uma ferramenta dessas consegue esclarecer de
maneira prática e direta mais de 80% das dúvidas sobre o tema, o que demonstra
a importância da educação continuada em saúde para a população”, argumenta o
neurologista Marcos Lange, um dos responsáveis pela iniciativa.
O que causa um AVC?
Hipertensão
Sedentarismo
Colesterol alto
Dieta ruim
Obesidade
Estresse
Tabagismo
Doenças cardíacas
Alcoolismo
Diabetes
Manual básico para a alta
Depois que a situação está estabilizada, o paciente
é liberado para seguir com a recuperação em casa. Nesse momento, recebe um
monte de orientações sobre o que comer, quais remédios tomar, como se
exercitar… É tanta coisa que a maioria dos detalhes se perde pelo caminho.
Para facilitar o processo, um grupo da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) lançou um guia que reúne de forma simples e clara
todas as informações. “O livro é assinado por profissionais das mais diversas
especialidades, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e neurologistas, e pode
ser baixado de graça no site da Rede Brasil AVC”, informa a terapeuta
ocupacional Natália Andrade Camargo, coordenadora da iniciativa.
Doença de Chagas também prejudica o cérebro
Transmitido pela picada do inseto barbeiro, o
protozoário Trypanosoma cruzi fica escondido no organismo por décadas até
afetar algum órgão, geralmente o coração. O que não se sabia até agora era que
essa bagunça toda pode respingar na cabeça: pesquisadores da Universidade
Federal da Bahia descobriram que a doença de Chagas é um fator de risco
independente para o AVC.
“Esses pacientes desenvolvem problemas cardíacos
que, por sua vez, favorecem a formação de trombos capazes de ir até o cérebro”,
destrincha Pontes Neto.
Esse conhecimento tem o potencial de modificar
políticas públicas e o acompanhamento de pacientes onde a transmissão da
moléstia segue ativa, como São Paulo, Minas Gerais, Bahia e a Região Norte do
país.