Alguns estudos têm demonstrado que, alguns meses
depois da segunda dose de qualquer vacina, a quantidade de anticorpos tende a
cair
As vacinas contra Covid-19 continuam a conferir boa
proteção contra a doença grave, hospitalização e morte, mas uma possível queda
nos índices de imunidade levou recentemente ao debate sobre a necessidade de
uma dose de reforço dos imunizantes.
Alguns estudos têm demonstrado que, alguns meses
depois da segunda dose de qualquer vacina, a quantidade de anticorpos tende a
cair, mas isso não significa que as pessoas vão ficar vulneráveis à infecção,
uma vez que organismo tem outras formas de defesa.
Embora uma dose de reforço seja uma estratégia já bem
estabelecida para outros imunizantes, a questão principal hoje é qual seria a
necessidade de começar a aplicação dessa injeção extra quando grande parte da
população ainda está parcialmente imunizada ou não recebeu ainda nenhuma dose
das vacinas, explica o pediatra e diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de
Imunizações), Renato Kfouri.
A maioria dos países da África não vacinou nem 5% da
população com a primeira dose. O Haiti, na América Central, só iniciou a
campanha de vacinação contra o coronavírus no mês passado.
Além disso, os cientistas ainda estão começando a
colher dados de estudos científicos controlados, randomizados e duplo-cegos (o
chamado padrão-ouro em ensaios clínicos) sobre a eficácia de uma dose de
reforço das vacinas.
Mesmo assim, diversos países já anunciaram ou até
mesmo começaram a aplicação de uma terceira dose, contrariando o apelo da
Organização Mundial da Saúde (OMS) por não fazê-lo até que a desigualdade da
vacinação seja resolvida.
Veja abaixo o que se sabe sobre a dose de reforço e
sobre a perda de eficácia das vacinas com duas doses ou dose única.
O que se sabe sobre a eficácia de uma terceira dose da
vacina contra Covid-19?
Ainda não há estudos científicos demonstrando que a
eficácia das vacinas aumenta com uma terceira dose. Algumas evidências, no
entanto, já começam a se acumular.
O que se sabe até agora é que uma dose de reforço pode
estimular o organismo a produzir mais anticorpos específicos contra o coronavírus
Sars-CoV-2 e células do tipo B (produtoras de anticorpos) de memória, o que
ajudaria a fornecer uma proteção imunológica mais duradoura.
Recentemente, o laboratório chinês Sinovac, fabricante
da vacina Coronavac, divulgou dois estudos controlados, randomizados e
duplo-cegos sugerindo que uma terceira dose da vacina de seis a oito meses após
o esquema tradicional com duas doses pode aumentar em até sete vezes a taxa de
anticorpos neutralizantes capazes de bloquear a entrada do vírus nas células.
Um estudo conduzido por cientistas da Universidade de
Oxford mostrou que o intervalo maior entre as duas doses da vacina AstraZeneca,
de até 45 semanas, e a aplicação de uma terceira dose do imunizante tiveram
sucesso em aumentar até 18 vezes a taxa de anticorpos contra o Sars-CoV-2 no
organismo.
E, em Israel, dados do ministério da saúde apontam uma
queda para um terço na taxa de casos da doença em pessoas com mais de 60 anos
após a dose reforço.A proteção conferida pelas vacinas diminui com o tempo?
Ainda é cedo para saber por quanto tempo a resposta
imune gerada pelas vacinas vai durar. Até o momento, dados de acompanhamento
dos ensaios de fase 3 apontam para uma duração de pelo menos oito meses da
proteção conferida por anticorpos neutralizantes para a maioria das vacinas.
Contudo, a proteção dada por essas moléculas é uma, mas não a única, forma de
defesa do organismo.
A imunidade conferida por infecção natural, segundo
alguns estudos, pode durar anos, mas essa proteção tende a ser ligeiramente
menor frente a novas variantes capazes de fugir dos anticorpos específicos
contra a forma ancestral do vírus, como é o caso da delta.
Mesmo com uma melhor capacidade de induzir resposta
imune do que a infecção natural, é natural que a taxa de anticorpos em
circulação no sangue caia após alguns meses até um ano.As vacinas aplicadas no
início do ano ainda podem prevenir infecções?
As vacinas contra Covid-19 foram desenvolvidas para
proteger especialmente contra a hospitalização e morte, mas não têm o poder de
conter totalmente o contágio em si. Assim, mesmo indivíduos vacinados com duas
doses ainda podem se infectar e disseminar o vírus, embora em uma proporção
menor do que os não vacinados.
Até o momento, estudos de efetividade em todo o mundo
comprovaram que as vacinas reduzem novas hospitalizações e mortes, como ocorreu
no Chile, que apresentou uma queda de mais de 80% das hospitalizações, 86% das
mortes e quase 90% de internações por UTI com cerca de 75% da população
vacinada. No entanto, o país enfrentou uma subida de casos recente, muito
provavelmente devido a uma falsa sensação de proteção das pessoas após apenas
uma dose das vacinas e ao relaxamento das medidas de distanciamento.
No final de julho, a Pfizer divulgou um estudo, ainda
em formato de pré-print, indicando que a efetividade de sua vacina seis meses
após a conclusão do ensaio clínico é de 91%, mas essa taxa cai para até 86%
dependendo das variantes em circulação.
Também no último mês, um estudo conduzido em Israel
apontou que há uma queda na efetividade da vacina da Pfizer de 64% para 39%
contra infecções causadas pela variante delta. A proteção contra hospitalização
e doença grave, no entanto, continua elevada, acima de 90%.
No Reino Unido, a proteção por resposta humoral (de
anticorpos) dos imunizantes AstraZeneca ou Pfizer contra a delta caiu de 49%
para 30,7%, após uma dose, e, com as duas doses, de 93,7% para 88%, no caso da
Pfizer, e de 74,5% para 67% com a AstraZeneca.
Já uma pesquisa feita pela Clínica Mayo, nos Estados
Unidos, centro de referência em estudos de medicina, apontou que a chegada da
delta no estado de Minnesota reduziu a efetividade da vacina da Pfizer contra
infecção de 76%, até julho, para 42% no último mês. Essa queda não foi tão
pronunciada assim para a vacina da Moderna, cuja proteção era de 86% contra
infecção e, em julho, esse índice chegava a 76%.
No Brasil, dados da pesquisa Vebra Covid-19 com as
vacinas AstraZeneca e Coronavac apontam para uma proteção de 77,9% contra casos
sintomáticos, no caso da primeira, e 50,7%, para o segundo fármaco em pessoas
de 18 a 59 anos. A proteção para casos sintomáticos em indivíduos com idade
acima de 60 anos da Coronavac, no entanto, varia de 28% a 62%.
E em relação às hospitalizações e mortes, o que
sabemos sobre a proteção das vacinas de seis a oito meses após o seu uso?
No geral, apesar da leve queda de níveis de anticorpos
que pode ocorrer alguns meses após a vacina, todas as vacinas contra Covid-19
têm se mostrado bem-sucedidas em proteger contra o agravamento do quadro,
hospitalizações e morte.
Isso não significa, no entanto, que a eficácia dos
imunizantes é de 100%, pois nenhuma vacina ou medicamento tem esse poder.
Nos países com alta de casos e já com elevada
cobertura vacinal, a maioria das internações e mortes por Covid ocorre em
indivíduos não vacinados. Nos EUA, 99% das mortes foram nas pessoas que não se
vacinaram.
Uma pesquisa do grupo Vebra Covid com mais de 60 mil
moradores do estado de São Paulo indicou uma proteção, de janeiro a julho, de
93,6% de duas doses da vacina AstraZeneca contra morte, e 87,6% para
internações. A mesma efetividade foi encontrada no estudo feito com a Coronavac
no município de Serrana, de 95% de proteção para mortes e 86% contra
hospitalização pela doença do coronavírus.
E um levantamento do InfoTracker mostrou que pessoas
completamente vacinadas representaram somente 3,68% das mortes por Covid que
ocorreram no Brasil entre 28 de fevereiro e 27 de julho.A terceira dose será
necessária para todos ou só para grupos específicos, como os mais velhos ou
imunossuprimidos?
As vacinas contra Covid apresentam, em geral, uma
eficácia mais baixa para pessoas imunossuprimidas, como aquelas com doenças
autoimunes ou em tratamento contra câncer, por exemplo.
Esse público não foi inicialmente incluído nos ensaios
clínicos, mas com o uso em massa dos imunizantes, dados sobre sua eficácia ou
efetividade nesse grupo tendem a aparecer.
Um artigo publicado no dia 23 de julho na revista
científica Jama (Journal of the American Medical Association) mostrou que uma
terceira dose da vacina da Moderna em pacientes com transplante de rim induz
uma boa proteção em quase metade (49%) daqueles que não tiveram resposta imune
após as duas doses.
Até então, apesar de as vacinas de RNA terem
apresentado uma alta eficácia nos ensaios clínicos (acima de 95%), uma pesquisa
mostrou que nesse grupo uma única dose não conferia proteção em quase 8 em cada
10 pacientes, mas aplicação de uma segunda dose das vacinas eleva a proteção
para até 54% dos transplantados.
Já uma pesquisa do Hospital das Clínicas da USP, em
São Paulo, apontou que a vacinação contra a Covid-19 em pacientes
imunossuprimidos é segura e produz boa resposta imune, chegando até 70,4% da
chamada soroconversão (presença de anticorpos específicos contra o vírus no
sangue) após duas doses da Coronavac.
Na quinta (12), a agência reguladora de medicamentos e
vacinas norte-americana, FDA, aprovou uma terceira dose das vacinas de RNA em
uso no país (Pfizer e Moderna) para pessoas imunossuprimidas. Essa seria uma
necessidade para que essas pessoas sejam completamente imunizadas, e não é
equivalente a uma dose reforço em pessoas saudáveis, explica Kfouri, da SBIm.
Em relação aos mais idosos, em geral as vacinas em uso
apontam para uma diminuição da taxa de anticorpos induzidos pós-imunização
nesse grupo.
A proteção de duas doses da Coronavac em pessoas com
70 a 74 anos é de cerca de 80% contra hospitalizações e 86% contra mortes. No
entanto, a proteção cai na população com 80 anos ou mais, sendo de 43,4% contra
hospitalizações e 49,9% contra mortes.
Esses valores podem indicar a necessidade de uma dose
de reforço nas pessoas com mais de 80 anos.Quais países já começaram a
aplicação de uma terceira dose? Em quais situações a recomendação faz sentido?
O governo de Israel passou a oferecer no final de
julho uma dose reforço para pessoas com mais de 60 anos já vacinadas com duas
doses da Pfizer no país. Recentemente, autoridades de saúde do país decidiram
diminuir a faixa etária da terceira dose para aqueles com 50 anos ou mais.
Ja a Indonésia começou a aplicar uma dose reforço nos
profissionais da saúde do país que foram vacinados com a Coronavac. A decisão
veio após a morte de médicos no país alguns meses após terem recebido as duas
doses do imunizante. O país asiático, no entanto, tem 19% da população vacinada
com ao menos uma dose e apenas 10% com o esquema completo.
E, na quarta-feira (11), o Chile começou a aplicar uma
dose extra da vacina AstraZeneca nos idosos que já receberam as duas doses da
Coronavac.
O Uruguai, com 64% da população com esquema completo e
73% com pelo menos uma dose, aprovou uma dose reforço do imunizante da Pfizer
para aqueles que já receberam duas injeções da Coronavac.
Outros países, como Inglaterra, França e Alemanha,
pretendem começar a vacinação com uma dose reforço a partir de setembro, quando
a maioria dos adultos já tiver recebido o esquema normal de imunização.O Brasil
já está realizando estudos sobre a terceira dose?
Uma terceira dose da vacina da Pfizer está sendo
testada com 1.160 voluntários, segundo a farmacêutica, Metade tomou a vacina,
metade tomou placebo. A ideia é mostrar se a eficácia da vacina tomada na dose
de reforço é significantemente maior do que naquelas pessoas que só tomaram
duas doses.
O mesmo tem acontecido com a Oxford/Astrazeneca, que
começou os testes com a terceira dose nas últimas semanas. O Ministério da Saúde
e o Instituto Butantan também já anunciaram estudos de doses de reforço com a
Coronavac.
O surgimento de novas variantes reforça a necessidade
de terceira dose?
Pelo o que se sabe até agora, as novas cepas do
coronavírus não conseguiram driblar completamente o efeito das vacinas. Elas
até podem diminuir um pouco a eficácia dos atuais imunizantes, mas não chegam a
torná-los obsoletos.
Fonte: https://www.noticiasaominuto.com.br/brasil/1833083/veja-o-que-se-sabe-sobre-a-3-dose-e-sobre-perda-de-eficacia-de-vacinas
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