Alguns, como bulimia ou anorexia, são conhecidos. Já
outros (vigorexia, pregorexia...) passam despercebidos. Veja como identificar
transtornos alimentares
Hoje, não só aumenta o número de transtornos
alimentares como o de suas vítimas. Tanto que o último Congresso Brasileiro de
Psiquiatria (CBP), que aconteceu no Rio de Janeiro, contou com uma sessão
especial para discutir as diferentes formas desse problema se manifestar.
Selecionamos os principais tipos para que você
aprenda a identificá-los e saiba quando é hora de procurar ajuda:
Anorexia
Na sala do CBP onde se discutiu os diferentes tipos
de transtorno alimentar, especialistas apresentaram doenças já conhecidas há
séculos e outras que foram descritas nos últimos anos. A anorexia, claro, foi
uma das mais citadas.
“Trata-se de uma condição mental com a mais alta
taxa de mortalidade, pois provoca uma perda de peso muito rápida”, descreve a psiquiatra
Christina de Almeida dos Santos, da Faculdade Pequeno Príncipe, em Curitiba,
uma das palestrantes do evento.
Os pacientes começam a restringir o consumo de
alimentos que eles consideram muito calóricos e esses cortes ficam cada vez
maiores. Ao mesmo tempo, distorcem a própria imagem corporal e continuam a
achar que estão gordos.
Bulimia
Outro quadro bastante conhecido desse panteão de
doenças. Ao contrário do que se pensa, os acometidos por ela não são
magérrimos. Muitos ficam constantemente acima do peso e se incomodam bastante
com esse fato.
“Na bulimia, há dois momentos: primeiro, um exagero
no consumo de determinados produtos. Na sequência, o sujeito se sente culpado
por ter ingerido tudo aquilo e encontra alguma maneira de expurgar aquelas
calorias”, explica a médica Fátima Vasconcellos, diretora da Associação
Brasileira de Psiquiatria.
O método mais utilizado para eliminar esse excesso
costuma ser a indução do vômito. Mas existem outras maneiras encontradas para
fazer essa compensação.
“Há quem tome remédios, como laxantes e diuréticos,
enquanto outros apostam em exercícios físicos extenuantes”, acrescenta a
especialista. Essas ações geralmente são feitas sem que familiares e amigos
saibam.
Compulsão alimentar
Ao lado de anorexia e bulimia, a compulsão alimentar
faz parte da tríade clássica dos transtornos alimentares. Nela, a questão é o
exagero mesmo: a pessoa devora uma quantidade enorme de comida. Alguns chegam a
ingerir de 4 mil a 15 mil calorias em poucos minutos — a média recomendada para
um adulto saudável são 2 mil calorias por dia.
Aqui, não acontece nenhuma tentativa para eliminar
esses alimentos, como vômitos ou remédios. Esses ataques súbitos de gulodice
são motivados por dilemas emocionais, como ansiedade e estresse. “Falamos de um
problema grave de saúde pública, pois muitos dos portadores desenvolvem
obesidade grave”, ressalta Fátima.
É importante diferenciar também episódios isolados
de algo mais crônico e preocupante: exagerar vez ou outra no rodízio de pizzas
ou na churrascaria não é reflexo de uma doença psiquiátrica.
Tare
Sigla para transtorno alimentar restritivo
evitativo. É o quadro típico de crianças que se recusam a comer um grupo
alimentar específico por motivos que vão de aparência e cor a odor, textura,
temperatura e paladar. Há quem não experimente nada que seja amarelo, outros
fogem de purês e papas, um terceiro grupo evita frutas e verduras, e assim por
diante.
Claro que todo mundo tem suas manias e preferências
nos primeiros anos de vida, mas deve-se ligar um sinal de alerta quando essa
restrição impede o consumo de nutrientes essenciais, que impactam o
desenvolvimento infantil e podem levar a déficits importantes.
Recentemente, um jovem britânico de 17 anos vítima
de Tare perdeu a visão porque só se alimentava de batata frita e pão branco. A
ausência de vitaminas e minerais em sua dieta foi tão grave que lesou o nervo
óptico, responsável por captar e transmitir os estímulos de luz do ambiente ao
cérebro.
Ruminação
O sujeito regurgita um pouco do que comeu na última
refeição e mastiga novamente. Parte dos portadores cospe o conteúdo, enquanto
outra parcela engole uma segunda vez. Esse processo se repete praticamente
todos os dias e não está relacionado a nenhuma outra condição médica, como o
refluxo gastroesofágico.
Se comparado com o vômito provocado na bulimia, o
volume de alimentos que volta à boca é pequeno, o que permite disfarçar a
ruminação por meio de tosses e outras táticas. Esse quadro foi descrito em
bebês, crianças, adolescentes e até adultos de 20 a 30 anos.
Além da saúde mental, o transtorno traz outras
consequências ao organismo: a ida constante de ácidos estomacais para o
esôfago, a garganta e a cavidade bucal provoca úlceras, mau hálito e cáries.
Muitos sofrem uma perda de peso rápida e desenvolvem outros incômodos, caso de
náuseas, constipação ou diarreia.
Pica
Em latim, pica é o nome de um pássaro muito comum em
parte da Europa. Esse bicho come praticamente qualquer coisa. Os sujeitos com
essa síndrome apresentam um comportamento parecido: eles ingerem itens que não
são considerados alimentos de verdade, como moedas, terra, argila, carvão,
tecidos… Além disso, entram na descrição os casos de quem engole ingredientes
sem nenhum preparo, como farinhas e batatas cruas.
É normal que crianças pequenas levem à boca muitos
desses objetos, pois estão explorando o mundo à sua volta. A situação fica
séria quando isso vira um hábito e perdura por três meses ou mais.
O transtorno, também conhecido pelo nome de
alotriofagia ou alotriogeusia, se distingue de costumes locais: alguns povos
originários da África e das Américas experimentavam terra e outros elementos
estranhos ao paladar em rituais e cerimônias religiosas.
Ortorexia
Pizza sexta à noite? Nem pensar! Uma sobremesa no
almoço de domingo? Pecado mortal. A ortorexia, que ainda não é um transtorno
alimentar reconhecido por toda a comunidade científica, vem da junção dos
termos gregos “orexis” (apetite) e “orthos” (correto). O que pega aqui é a
obsessão por alimentos saudáveis, puros e naturais.
O quadro, descrito há 22 anos pelo médico americano
Steven Bratman, costuma aparecer em mulheres de classes sociais mais abastadas,
bem como em pessoas com traços de perfeccionismo e que se cobram muito. A
questão não está nas calorias de cada prato, mas, sim, na pureza dos produtos.
O quadro pode gerar grande sofrimento emocional,
pois o indivíduo geralmente se recusa a comer algo que não foi preparado por
ele mesmo, e também leva a um isolamento social, já que muitos evitam refeições
ou confraternizações e festas.
Vigorexia
“Esse não é um transtorno alimentar clássico, mas,
sim, uma dismorfia corporal que tem uma ligação com as fobias”, define o
psiquiatra Adriano Segal, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e
da Síndrome Metabólica.
A obsessão aqui está na ideia de um corpo perfeito,
com músculos fortes e torneados. Diferentemente dos tipos sobre os quais já
falamos, a vigorexia é mais comum em homens jovens que se submetem a uma rotina
exaustiva e exagerada de exercícios físicos.
Em paralelo aos treinos na academia, muitos também
criam neuras com a comida: só comem frango com batata-doce ou acham que
suplementos proteicos são suficientes para se manterem de pé.
Há ainda um grupo que aposta pesado em anabolizantes
e outras substâncias proibidas para alcançar o resultado — e eles nunca estão
satisfeitos e querem sempre aumentar o tamanho do peitoral, dos braços e das
pernas.
Diabulimia
Eis outra condição descrita nas últimas décadas que
ainda não entrou oficialmente no grupo dos transtornos alimentares. A
diabulimia é a junção de diabetes com bulimia.
Vamos voltar alguns passos para explicar direito
essa história: diabéticos apresentam falhas na ação da insulina, um hormônio
secretado pelo pâncreas. Por uma série de motivos, a substância não consegue
mais fazer a glicose virar combustível para as células.
Resumo da ópera: sobra açúcar na circulação. Para
equilibrar essa equação, alguns pacientes precisam aplicar todos os dias doses
de insulina. “Mas quem tem a diabulimia deixa de tomar de propósito o
medicamento com o objetivo de perder peso”, conceitua Christina de Almeida dos Santos.
Essa decisão, porém, é pra lá de arriscada: o
desbalanço nas taxas de açúcar traz graves consequências, como hipoglicemias e
comprometimentos nos rins, nos olhos, no coração…
Drunkorexia
Esse transtorno, divulgado pela primeira vez num
artigo em 2008, já foi declarado um problema de saúde pública na Austrália,
especialmente em mulheres universitárias jovens. Em inglês, “drunk” significa
bêbado. A drunkorexia seria, então, o hábito de substituir a comida por bebidas
como uma maneira de inibir o apetite e, assim, emagrecer. O consumo de doses é
alto: são cinco ou seis drinques em menos de duas horas.
O álcool ainda tem outro papel por aqui: ele aplaca
a ansiedade e o nervosismo, deixando o sujeito inebriado e sem focar em suas
preocupações. Quem é acometido por essa condição desenvolve outros
comportamentos típicos da anorexia ou da bulimia, como a indução de vômitos e o
uso compulsivo de medicamentos.
O abuso etílico leva à dependência química, à falta
crônica de nutrientes importantes obtidos por meio da dieta convencional e
provoca lesões em órgãos como o fígado.
Fatorexia
A empresária britânica Sara Bird, de 53 anos, ficou
assustada quando foi a um consultório e o médico fez o diagnóstico de
obesidade. Sem se pesar havia muitos anos, não tinha notado que ganhara 30
quilos.
“Quando me olhava no espelho, via uma pessoa
confiante, magra, mas na verdade estava obesa”, contou, numa entrevista à BBC
Brasil em 2010. Foi daí que ela cunhou o termo fatorexia — “fat”, em inglês,
significa gordura.
Desde então, Sara publicou livros, fez palestras e
iniciou um movimento nas redes sociais para que o distúrbio fosse reconhecido
pelos manuais de psiquiatria. Em suma, esse transtorno seria o inverso da
anorexia.
“O sujeito não se enxerga gordo, mesmo com todas as
mudanças no tamanho de roupas e medidas corporais”, observa Fátima
Vasconcellos. Para piorar, ele persiste em hábitos nocivos à saúde e não vê
motivos para procurar apoio profissional.
Pregorexia
Não é isso que você está pensando: ninguém está
comendo pregos por aí para ficar com a barriga chapada — assim esperamos, pelo
menos. “O ‘preg’ no início da palavra vem de ‘pregnancy’, ou gravidez, no bom
português”, ensina Christina.
O conceito é super-recente e abrange qualquer
transtorno alimentar que ocorra ao longo dos nove meses de gestação. Pode ser
anorexia, bulimia, compulsão alimentar, ortorexia… “Muitas das mulheres ficam
extremamente preocupadas com a questão do peso e da alimentação durante esse
período e acabam caindo em armadilhas, como dietas restritivas, indução de
vômitos ou atividades esportivas intensas”, complementa a expert.
A prática, claro, traz muitas encrencas: aborto
espontâneo e dificuldades no desenvolvimento do bebê são algumas delas. Para
evitar qualquer risco, tenha sempre uma conversa franca e tire todas as suas
dúvidas com o obstetra.