Nosso colunista faz uma viagem cérebro adentro para
explicar como surgem e se perpetuam os mais diversos vícios
“Ficar sem poder utilizar (…) pode fazer com que
certas pessoas se sintam ansiosas ou em pânico, com abstinência e sensação de
vazio. Indivíduos dizem sentir uma vontade cada vez maior (e às vezes
inconsciente) de usar (…) novamente, não importa onde. Na fila do banco, na
sala de espera de uma consulta ou em casa, podendo ocorrer inclusive na presença
de familiares. Diferentemente dos primeiros dias, mais horas são dedicadas a
(…) para obter o mesmo nível de prazer. Pessoas são avistadas fazendo uso (…)
ao ar livre, sem que ocorra interação com os usuários que estão ao lado…”
O trecho acima pode ser a descrição de um viciado em
drogas. Mas será que você se encaixa nesse perfil se trocarmos “drogas” por
“redes sociais“, “celular” ou “jogos eletrônicos”. Leia novamente o texto e
insira qualquer uma dessas palavras logo após os trechos em negrito. Podem cair
como uma luva, não?
A GlobalWebIndex, empresa que compila dados de
comportamento do consumidor pelo mundo, revelou que, em 2015, os brasileiros já
ficavam aproximadamente três horas e 40 minutos conectados a internet por meio
do celular. Isso dá cerca de 26 horas por semana. As redes sociais são os
produtos mais consumidos na telinha do smartphone.
Outro levantamento, este feito em 2015 pela National
Purchase Diary Panel, companhia americana de pesquisas de mercado, descobriu
que 82% dos brasileiros entre 13 e 59 anos jogam algum tipo de game, seja no
computador, seja no videogame, seja no celular… O estudo aponta que essa
recreação consome, em média, 15 horas semanais dos jogadores.
Olhando esses números parece que somos uma nação de
viciados em games e redes sociais, né? Mas o que é realmente considerado um
vício? Será que existe semelhança entre a sede incontrolável por drogas, a
vontade de passar horas e horas jogando e a compulsão por saber o que está
acontecendo na vida das outras pessoas? Vamos entender como nosso cérebro
percebe essas situações e ver o que está por trás das cortinas desses
comportamentos.
Conversa de neurônio
Antes de entrarmos nos redutos cerebrais do vício e
da compulsão, precisamos entender de uma maneira rápida e simples como os
neurônios se comunicam.
Existem duas maneiras de as células nervosas
conversarem: por sinais elétricos, transmitidos diretamente entre os neurônios,
e por um sinal químico, obra dos neurotransmissores. O sinal elétrico é bem
mais rápido, enquanto o químico pode ser regulado com muito mais precisão.
Tá, e as drogas com isso? Então, substâncias lícitas
e ilícitas atuam muitas vezes se disfarçando de neurotransmissores. Vamos nos
aprofundar um pouco mais sobre esses mensageiros químicos.
Imagine aquele brinquedo de criança de encaixar os
blocos em formato de círculo, quadrado ou triângulo no buraco correspondente.
Agora faça de conta que os blocos são os neurotransmissores, a criança é o
neurônio que libera os neurotransmissores e a caixa é o outro neurônio que
absorve os neurotransmissores por meio dos seus neuroreceptores, os buraquinhos
com as formas geométricas correspondentes.
Nesse mesmo brinquedo, hoje mais moderno, soam
barulhos diferentes para cada bloco encaixado com sucesso. Pois bem, você acaba
de entender como funciona uma sinapse química.
No nosso cérebro, ocorrem milhões de sinapses
químicas o tempo todo. Nesse bate-papo entre neurônios, eles ficam a uma
distância de cerca de 40 nanômetros um do outro e não se tocam fisicamente. Para
ter uma noção desse espaço, um fio de cabelo tem 75 mil nanômetros de diâmetro.
Sim, é muuuito pequeno. Nesse minúsculo pedaço neurotransmissores são liberados
por um neurônio e assimilados pelos neuroreceptores do outro neurônio.
Voltemos ao nosso brinquedo de encaixar. Assim que
uma criança pega um bloco (círculo, triângulo…), existem quatro possíveis
destinos no jogo:
O bloco é colocado no lugar certo e a música toca;
O bloco não encaixa e vai parar junto com os outros
blocos;
A criança pega o bloco de volta e esquece do jogo;
A mãe dá um sumiço no bloco porque quer que a
criança faça outra coisa (tipo comer a papinha!)
No paralelo, quatro cenários são vislumbrados para o
neurotransmissor:
Ele pode ser absorvido pelo neurônio seguinte;
Pode se acumular no espaço entre os neurônios;
Pode ser reabsorvido pelo neurônio que o liberou;
Pode ser degradado
Pronto! Depois de uma breve aula sobre os
neurotransmissores, vamos lançar nossos holofotes para um deles, a famosa
dopamina.
Esse neurotransmissor atua em diversas frentes: está
envolvido com a memória, a regulação do sono, a motivação e o sistema de
recompensa. Sistema de recompensa é o circuito ativado toda vez que você faz
sexo, foge de algo perigoso, sobrevive a um susto. Nessas horas é como se nosso
cérebro nos desse um prêmio e declarasse: “Parabéns, isso foi bom! Faça de
novo! Inclusive vou ajudá-lo a se lembrar dessa sua atitude para repetir a dose
em breve”.
Essa recompensa pode vir de situações muito
diferentes: saltar de paraquedas, por exemplo. Caso você tenha coragem de pular
e o dispositivo abrir — isto é, nada trágico lhe acontecer —, um caminhão de
dopamina poderá ser liberado durante a queda e o pouso. Isso ativará regiões do
cérebro associadas ao bem-estar e, bingo!, você se sentirá o máximo. E o máximo
mesmo, porque você acabou de sobreviver a uma situação que seu cérebro insistia
em considerar perigosa. Não é à toa que uma porção de gente fica viciada em
saltar de paraquedas ou praticar outros esportes radicais.
A recompensa vem de formas menos radicais também.
Comida com muita caloria faz seu cérebro se sentir feliz e julgar esses
alimentos como algo muito bom e necessário. De batata frita em batata frita,
nossa cabeça passa a interpretar o seguinte: “Por que você não come mais? Por
que não dá sempre preferência a esse tipo de comida? Vai que não temos mais
essa delícia amanhã…” A indústria alimentícia sabe disso. Por que você acha que
temos tantos produtos altamente calóricos e com pouco valor nutricional na prateleira
do mercado e no balcão das lanchonetes?
Comida calórica, quedas vertiginosas pelo céu,
drogas… Eis a dopamina em ação. Tudo que nos dá muito prazer induz liberação de
dopamina e estimula o pedido de “quero mais!”. Parece a receita da felicidade, certo?
Será? Hora de ver o outro lado da moeda: o vício.
Que vício foi esse?
Nosso cérebro é tão fantástico que equilibra a
liberação de dopamina e outros neurotransmissores. Sim, não se vive só de
prazer. Como explicamos, neurotransmissores podem ser reabsorvidos pelo próprio
neurônio que o liberou e, assim, a massa cinzenta tem um controle mais preciso
para estimular determinada cadeia de células nervosas.
O vício acontece quando esse equilíbrio é quebrado.
Um neurotransmissor não volta para onde devia ou é liberado numa proporção
muito maior que o normal. São coisas que podem acontecer inclusive em razão de
uma predisposição genética.
Os vícios por drogas e por certos comportamentos são
fisiologicamente parecidos, ou seja, ocorrem no mesmo lugar do cérebro e ambos
se sustentam em uma dependência bioquímica. A grande diferença é que o vício
comportamental faz com que o cérebro tenha um desequilíbrio químico momentâneo.
Como consequência, você terá vontade de sentir de novo aquela sensação um tempo
depois. E isso pode acontecer até o ponto de o cérebro perder o comando e não
conseguir mais cortar tal estímulo, o que atrapalha a vida e suas obrigações.
Com as drogas, há uma mudança química no cérebro. As
substâncias podem agir diretamente no mecanismo de reabsorção da dopamina ou
até mesmo se disfarçar de neurotransmissor. É como se passassem a ter certo
domínio sobre a nossa cuca. Quer um exemplo de quem faz uma coisa dessas? Vou
soprar a resposta: a nicotina.
Obrigado por fumar
Dos inúmeros componentes do cigarro, a nicotina é,
com certeza, o pior elemento em matéria de vício. Ela se passa por um
neurotransmissor, a acetilcolina, para enganar o cérebro. A acetilcolina é uma
espécie de gerente de fábrica e controla a linha de montagem da dopamina.
Quanto mais acetilcolina houver monitorando a fábrica, mais dopamina será
produzida.
Quando um fumante dá uma tragada, é como se um bando
de gerentes mandasse todo mundo fazer hora extra. Resultado: uma enxurrada de
dopamina se espraia pelo cérebro. Vem uma sensação prazerosa, uma vontade de
vestir o chapéu de caubói, montar um cavalo e sair galopando e soltando fumaça
pelo campo. O cérebro adorou e registra: “Isso foi bom! Lembre-se disso! Repita
mais vezes!”
Mas digamos que a nicotina é tão insidiosa que, além
de se disfarçar de gerentona, ainda impede que a dopamina volte para o neurônio
que a liberou (uma maneira de botar um ponto final no prazer). Isso permite com
que a região entre os dois neurônios fique inundada de dopamina. Agora dá para
entender por que o cigarro vicia tanto e muita gente sofre para abandoná-lo.
Quando o sujeito para de fumar, os níveis de nicotina desabam e, por
consequência, os de dopamina também caem. Aí nasce a abstinência. O que,
bioquimicamente, significa: “Por favor, quero mais dopamina… Me encha de
dopamina!”
Como a acetilcolina tem outras funções — participa
da memória, do aprendizado, da respiração, do ritmo cardíaco, dos movimentos
musculares… —, a nicotina bagunça muito o organismo.
Falamos de cigarro, mas a tal dopamina é o mesmo
neurotransmissor excitado por drogas como cocaína e heroína. Existem
substâncias que causam um desequilíbrio ainda maior entre os mensageiros
químicos, mas digamos que a nicotina faz um trabalho bem sujo.
Seu cérebro já curtiu hoje?
Diferentemente das drogas, nas redes sociais
(Facebook, Instagram…) sentimos prazer por fazer parte de um grupo,
especialmente se ele tem pessoas com pensamentos parecidos com os nossos. Ao
compartilhar uma notícia, ideia ou prato de comida, esperamos que nossos amigos
virtuais curtam e comentem a postagem.
Quando nossos posts recebem um monte de curtidas e
visualizações, nosso cérebro entende que essa atitude é digna de recompensa e
sentimos prazer. Tome dopamina! Caso o post não tenha sucesso, ficamos
frustrados.
Além disso, as redes podem gerar aquela compulsão
por atualizar a página a cada cinco minutos. Sentimos que precisamos acompanhar
tudo o que acontece. O que nossos amigos andam fazendo, por onde estão
viajando, o que comem e curtem… E, claro, lá vem a necessidade de se expor e
fazer o mesmo. Caso contrário, você fica fora da conversa… Fora do grupo.
Uso a palavra “compulsão” para me referir a
comportamentos excessivos diante das mídias sociais porque ainda não há estudos
suficientes para bater o martelo quanto a um “vício”. No vício, as pessoas
perdem o controle. Não conseguem parar de usar uma droga ou repetir certo
comportamento. E ainda não foi reportado um caso de um indivíduo que deixou de
comer ou fazer outras atividades para viver exclusivamente nas redes sociais.
Já no caso dos jogos eletrônicos a coisa muda de
figura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) passará a classificar o vício em
games como um transtorno psiquiátrico a partir deste ano. Já existem diversos
relatos e estudos comprovando que pessoas deixam de comer para jogar. Sites de
notícias internacionais já divulgaram casos de mortes por parada cardíaca
causadas pela exaustão de dias de game sem comer e dormir.
Jogos eletrônicos, particularmente os online, ativam
o sistema de recompensa rapidamente. No começo, o jogo é tranquilo e fica fácil
obter as vitórias. Mas, conforme as fases avançam, torna-se mais difícil
cumprir as missões. Isso demanda horas extras destinadas ao jogo. Além do êxito
individual (“fechei mais um!”), há o sentimento de ser reconhecido na
comunidade online que também joga. É evidente que a maioria dos jogadores não
se vicia e corre riscos de saúde por causa dos games, mas cabe uma reflexão se
você passa horas no computador, videogame ou smartphone.
Você no comando
Como pisar no freio de vícios e compulsões? Como
deixar de ser refém das redes sociais? Bom, se a situação fugiu de controle,
melhor procurar um profissional de saúde. Mas saiba que, por mais contraditório
que pareça, existem aplicativos de celular, caso do Forest: Stay Focused (para
Android) e do Moment (iOS), que nos incentivam a deixar o smartphone de lado
por alguns minutos e nos dão recompensas virtuais por isso. O Forest planta uma
árvore para cada período longe de outros apps. O Moment avisa se você passou
tempo demais olhando para o celular.
Outra dica: se você sente que abusa, torne o acesso
às mídias sociais mais difícil. Desabilite as notificações que pipocam na parte
superior da tela o tempo inteiro. Desinstale os aplicativos que ficam apitando.
Busque diminuir, aos poucos, quanto tempo você passa nas redes. Se você olha
sua timeline 20 vezes por dia, reduza para 15 na primeira semana e por aí vai.
O mesmo conselho se aplica aos games. É complicado
parar de jogar de uma vez. Limite a quantidade de horas de jogo e o número de
partidas, intercalando com outras atividades que drenam as forças da compulsão.
E, agora, por favor, curtam e compartilhem (com
moderação!) este artigo para meu cérebro receber uma pequena dose de dopamina.