O número de casos de cegueira e deficiência visual
só vem aumentado. A boa notícia, porém, é que 80% deles podem ser prevenidos -
saiba como
“Os carros parados numa esquina esperam o sinal
mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas
enfurecidas, percebe-se o movimento da boca do motorista: Estou cego!” O
trecho, extraído do romance Ensaio Sobre a Cegueira, do português José
Saramago, é fictício, mas o drama de quem convive com a perda total ou parcial
da visão é real.
Nos últimos 25 anos, o número de casos de cegueira
no mundo passou de 30,6 milhões em 1990 para 36 milhões em 2015. No mesmo
período, o índice de portadores de algum tipo de deficiência visual, de
moderada a grave, registrou um crescimento de 36%. Hoje são 217 milhões de
pessoas nessa situação, a maioria delas vítima de doenças não diagnosticadas e
tratadas a tempo, como catarata e glaucoma. Pior: a expectativa é que, até 2050,
esse índice chegue a triplicar.
“O número de cegos e deficientes visuais vem se
elevando porque a população mundial, além de ter aumentado, também envelhece”,
constata o oftalmologista britânico Rupert Bourne, autor de um minucioso estudo
que analisou a saúde ocular de 188 países a partir do banco de dados Global
Vision Databases.
Embora pese bastante, o envelhecimento não é a única
explicação para esse boom. A expansão de alguns problemas sistêmicos (pressão
alta, diabetes…), maus hábitos (cigarro, sedentarismo…) e até o uso
indiscriminado de remédios (inclusive colírios) têm lá sua parcela de culpa.
Apesar de já estar associado à miopia, o uso regular
de celulares, tablets e computadores — bem como o hábito de ler e trabalhar em
locais fechados — não parece influenciar na perda da visão em si. “Na pior das
hipóteses, vai causar sensação de olho seco e vista cansada”, esclarece o
oftalmo Carlos Eduardo Arieta, professor da Universidade Estadual de Campinas.
Dá, sim, para prevenir a perda de visão
A despeito das causas desse déficit visual em massa,
o fato é que o novo levantamento global soa um alerta: se medidas urgentes não
forem tomadas já, o número de pessoas afetadas saltará de 115 milhões para 588
milhões em pouco mais de três décadas.
Uma das estratégias para evitar esse cenário é
conscientizar as pessoas a não esperarem o aparecimento de sinais estranhos,
como vista embaçada ou manchas escuras no campo de visão, para procurar o
médico. “A partir dos 40 anos, quando ocorre uma frequência maior de doenças
potencialmente causadoras de cegueira, as consultas precisam ser rotineiras”,
aconselha o oftalmo João Marcello Furtado, professor da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Há quatro principais problemas que respondem por
tanta gente sob risco de não enxergar mais direito: catarata, glaucoma,
degeneração macular relacionada à idade e retinopatia diabética. Dessas, a
única plenamente reversível é a catarata, com 550 mil novos casos por ano no
Brasil. “A cirurgia para tratá-la é uma das mais realizadas no mundo. Basta
remover o cristalino danificado e, em seu lugar, implantar uma lente
artificial”, descreve o oftalmo Gustavo Baptista, diretor da Associação
Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa.
Já o glaucoma, a degeneração macular e a retinopatia
são mais difíceis no trato — até por causa do diagnóstico geralmente tardio. No
glaucoma, que afeta o nervo óptico, nove em dez casos não apresentam sintomas
iniciais. Daí que o indivíduo só percebe algo quando o perrengue está avançado.
“O tratamento evita a progressão da doença, mas não recupera a visão perdida”,
explica a oftalmo Wilma Lelis Barboza, presidente da Sociedade Brasileira de
Glaucoma.
Diagnóstico precoce também é determinante para
conter as enfermidades da retina, porção no fundo do olho que converte as imagens
em impulsos que podem ser lidos pelo cérebro. A degeneração macular relacionada
à idade não leva à perda total da vista, mas dificulta demais a leitura, o
reconhecimento dos rostos, a prática de esportes e outras atividades do dia a
dia. “Os danos vão além da limitação visual. Incluem desde o maior risco de
quedas até depressão”, observa a oftalmogeriatra Marcela Cypel, do Conselho
Brasileiro de Oftalmologia.
Ao contrário da córnea, porção mais externa que pode
ser trocada por transplante, e do cristalino, substituído na cirurgia de
catarata, ainda é impossível recuperar a retina lesada. Por isso não dá para
fazer vista grossa à prevenção — sobretudo se o sujeito já tem diabetes ou
hipertensão, fatores de risco para a retinopatia.
O êxito aqui depende de acompanhamento médico. “Se o
indivíduo tem histórico de doença ocular na família, por exemplo, o retorno
deve ser anual”, orienta o oftalmo Paulo Augusto de Arruda Mello, da
Universidade Federal de São Paulo.
As visitas ao consultório — onde o especialista vai
inspecionar o fundo do olho, medir a pressão intraocular… — permitem flagrar e
remediar desde cedo os males da vista. Até porque os tratamentos evoluíram
bastante nos últimos anos. “Devemos ir ao oftalmo não apenas para fazer
óculos”, ressalta Marcela. Isso é que é visão de futuro!
As cinco condições mais comuns com a idade
Catarata
O que é: o cristalino, lente natural do olho, fica
turvo.
Sintoma: vista embaçada.
Tratamento: cirurgia tradicional ou a laser.
Glaucoma
O que é: doença do nervo óptico causada por aumento
da pressão intraocular.
Sintoma: estreitamento do campo visual
Tratamento: colírios especiais ou cirurgia.
Degeneração macular
O que é: lesão na mácula, área central da retina.
Sintoma: perda do campo central da visão.
Tratamento: terapia fotodinâmica ou injeções
intraoculares.
Retinopatia
O que é: danos nos vasinhos que irrigam a retina.
Sintoma: visão turva ou embaçada.
Tratamento: laser, injeções intraoculares e controle
do diabetes.
Presbiopia
O que é: perda natural da elasticidade do
cristalino.
Sintoma: dificuldade de foco e leitura a curta
distância.
Tratamento: óculos, lentes de contato ou
intraoculares.
O que a ciência prepara para salvar a visão da
humanidade
Microchip intraocular
Feito de um material biodegradável, ele libera doses
exatas de um medicamento para a retina ao longo de seis meses.
Células-tronco
Elas são testadas, com relativo sucesso, para
regenerar áreas comprometidas por doenças como a degeneração macular
relacionada à idade.
Terapia não invasiva
O desenvolvimento de novos colírios é uma esperança
de tratamento mais prático para pessoas com retinopatia diabética, normalmente
controlada com injeções ou laser.
Colírio anticatarata
Gotinhas capazes de reverter o turvamento do
cristalino já são estudadas como futura alternativa à cirurgia convencional.