Novas evidências científicas sinalizam que não. E os
motivos para no mínimo moderar vão além do que já se falava por aí
Se depender de um dos maiores estudos globais já
feitos para mensurar o impacto do álcool na saúde humana, até mensagens como
“aprecie com moderação” estão com os dias contados. Após analisar o consumo e
suas repercussões em mais de 100 mil pessoas de 195 países entre 1990 e 2016,
pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, concluem: não
há limite seguro para a ingestão de bebidas alcoólicas. E fazem outro alerta:
mesmo eventuais vantagens, como aquela taça de vinho prescrita pelo bem do
coração, não superam os malefícios, caso do aumento no risco de câncer e outros
males.
“Sabe quem inventou essa história de que beber
moderadamente faz bem? A indústria do álcool, baseada em estudos pouco
controlados”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, diretor da Unidade de
Pesquisas em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O
mais saudável é não beber. Mas, se beber, o ideal é não passar de uma ou duas
doses por semana”, diz. Perceba: tomar algo todo dia, ainda que só um pouco,
está fora de cogitação — pelo menos se você quer ter saúde.
Para dar seu veredicto, os cientistas americanos
dividiram o público em dois grupos: os que bebiam e os abstêmios. Notaram,
então, que a propensão a problemas (câncer, infarto, AVC, cirrose, violência
doméstica…) aumenta à medida que se elevam a quantidade e a frequência de
consumo.
O risco de adoecer crescia 0,5% entre quem tomava
uma única dose por dia (como uma lata de cerveja ou taça de vinho). Subia para
7% diante de duas doses. E decolava para 37% na ingestão de cinco.
“Ainda que haja pesquisas indicando potenciais
benefícios com o consumo leve ou moderado, isso não pode ser generalizado
porque os efeitos do álcool também dependem do histórico médico e de riscos
individuais”, explica o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Centro de Informações
sobre Saúde e Álcool (Cisa). “Por essa razão, pensando em minimizar riscos à
população, a recomendação mais segura mesmo é não beber.”
O sono sofre com as bebidas alcoólicas
Se você é daqueles que, antes de dormir, gostam de
tomar uma taça de vinho para relaxar, esqueça: seu método pode até soar eficaz,
mas é prejudicial à qualidade do sono. “À medida que o álcool é processado pelo
corpo, o sono se torna superficial. Aí o indivíduo acorda pela manhã com a
sensação de que não dormiu o suficiente”, esclarece a neurologista Andrea
Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono.
Um estudo finlandês, realizado com mais de 4 mil
pessoas com idade entre 18 e 65 anos, atestou que a recuperação fisiológica
durante o repouso à noite sofre uma redução significativa na presença do álcool
— quanto mais se bebe, pior.
Já de Londres, na Inglaterra, veio outra descoberta:
a bebida desregula os ciclos naturais do sono e, mesmo com moderação, incentiva
roncos e insônia. O ideal é que, se for tomar uma taça no jantar, isso aconteça
de três a quatro horas antes de dormir. E olhe lá.
Álcool engorda?
Sim. A médica Marisa Helena César Coral, da
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, já perdeu as contas de
quantos pacientes, ávidos por entrar em forma, reclamaram: “Doutora, não sei
por que não emagreço. Eu não como praticamente nada”.
O problema, explica, é que o indivíduo pode até
fazer dieta e praticar exercícios, mas, se não cortar ou moderar o álcool, vai
ser difícil.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto
(MG) com 178 universitárias investigou a relação entre bebida alcoólica e
gordura corporal. O valor médio da gordura concentrada ao redor da cintura foi
maior entre as que relataram beber socialmente.
“O álcool é muito calórico. Cada grama tem 7
calorias. Para ter ideia, cada grama de carboidrato tem 4″, compara Marisa. Na
ponta do lápis, uma latinha de cerveja (350 ml) corresponde a 150 calorias e
uma tulipa de chope (300 ml), 180 calorias. E ainda tem os acompanhamentos, né?
Malefícios dos drinques para a pele
Digamos que o álcool tem um efeito tóxico para o
tecido que reveste o corpo. De acordo com a médica Sylvia Ypiranga, do
Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia, a ingestão
frequente instiga um processo inflamatório que piora quadros de acne, dermatite
e psoríase. Sem falar que anos de bebedeira abrem alas ao envelhecimento
precoce, que se manifesta por manchas e rugas.
Se não bastasse, uma bomba foi noticiada por
estudiosos do Instituto Karolinska, na Suécia, e da Universidade de Monza, na
Itália. Mesmo o consumo moderado de bebida alcoólica foi associado a um aumento
de 20% no risco de melanoma, o câncer de pele mais agressivo.
Os cientistas se aventuram em algumas hipóteses para
elucidar o achado. Uma delas é que, além de mexer com o controle da inflamação
no corpo, o álcool potencializa a sensibilidade da pele aos raios solares —
vilões por trás do tumor.
O rival do esporte
Não importa se você é atleta ou malha de leve
pensando no seu bem-estar, o consumo de álcool e a prática de exercícios
definitivamente não combinam. Nem antes nem depois de suar a camisa. A bebida
interfere na força, na velocidade e no equilíbrio, acarretando pior desempenho
e mais lesões.
Quem toma umas antes de jogar ou malhar, então, fica
mais sujeito à hipoglicemia, quando o açúcar no sangue despenca. Um perigo!
E sabe aquela rodada de cerveja que costuma fechar a
pelada de futebol? Reconsidere. “O álcool é o inimigo número 1 da hidratação.
Se o sujeito já está desidratado, vai ficar ainda mais depois de beber”, avisa
o fisiologista Turíbio de Barros, da Unifesp. “Por ter efeito diurético, quanto
maior o consumo, maior a perda de líquidos e eletrólitos como sódio e
potássio.”
Vai se exercitar? Então é melhor suspender a bebida
alcoólica por 72 horas antes ou 24 horas depois da atividade.
Fertilidade em xeque
Ao que tudo indica, o álcool atrapalha o sonho de
ser pai e mãe. Um estudo americano indica que mesmo meras três taças de vinho
por semana já podem reduzir a capacidade de mulheres engravidarem.
Para os homens, o cenário não é tão diferente. E,
quanto maior a ingestão, mais dificuldades à vista. Segundo a pesquisadora Tina
Kold Jensen, da Universidade do Sul da Dinamarca, a bebida afeta a qualidade
dos espermatozoides. “O consumo crônico pode impactar na forma e na função
dessas células, diminuir a libido e até levar à atrofia dos testículos”,
alerta.
Pensando em fazer tratamento para ter filhos? A
recomendação do ginecologista e obstetra Isaac Yadid, da Sociedade Brasileira
de Reprodução Assistida, é não ingerir álcool pelo menos um mês antes. “Estudos
demonstram tendência de pior resultado com a ingestão diária”, diz.
Quer ser produtivo?
Quem bebe com frequência vê ou verá o rendimento no
emprego naufragar. Mas não para aí. O consumo de álcool já se tornou a
principal causa de afastamento do trabalho por uso de substâncias psicoativas
no Brasil. Entre 2010 e 2014, o número de brasileiros nessas condições que
precisaram parar de trabalhar e pediram auxílio-doença registrou um aumento de
19%.
“O álcool provoca efeitos físicos e cognitivos que
impactam no desempenho do trabalhador, o que traz riscos para si e para
terceiros”, observa João Silvestre da Silva Júnior, diretor da Associação
Nacional de Medicina do Trabalho.
Dados do último Levantamento Nacional de Álcool e
Drogas indicam que 4,9% da população (cerca de 4,6 milhões de cidadãos)
admitiram já ter perdido o emprego por causa do álcool e 8% (7,4 milhões)
relataram que o uso de bebidas alcoólicas teve repercussão em sua rotina de
trabalho.
Dependência por álcool na família
Vinte e oito milhões. Eis o número de brasileiros
que, segundo o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos, da
Unifesp, têm algum dependente químico na família. “Para cada usuário de drogas,
existem outras quatro pessoas afetadas”, estima Laranjeira.
As mulheres são as que mais padecem: 80% delas
sofrem os impactos negativos, psicológicos ou financeiros, do vício dentro de
casa (seja do filho, seja do marido).
Um dos desafios apontados na pesquisa é o tempo para
busca de apoio: no caso dos dependentes de álcool, uma média de sete anos até
procurar um serviço especializado — entre dependentes de cocaína, essa janela
não passa de dois anos.
Nesse ínterim, o lar pode virar refém inclusive da
violência. “O álcool é um veneno. Ao menor sinal de dependência, o indivíduo ou
a família devem buscar ajuda”, ressalta o psiquiatra Jorge Jaber, presidente da
Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas.
Os problemas do álcool em números e quem precisa
ficar longe dele
“Cerveja? Só faz mal quando falta”, “Evite ressaca:
mantenha-se de porre”… Frases do tipo, a estampar paredes de bar ou
para-choques de caminhão, seriam cômicas se não fossem trágicas. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de álcool causa problemas a 10%
da população do planeta — são 753 milhões de pessoas.
No ano de 2016, cerca de 2,8 milhões (100 mil delas
só no Brasil) perderam a vida em decorrência dele. O motivo? De acidente de
trânsito a falência do fígado. E não pense que o prejuízo se restringe a quem
bebe demais.
No Brasil, o último Relatório Global sobre Álcool e
Saúde da OMS revela que, entre 2010 e 2016, a média de consumo per capita caiu
11% e passou de 8,8 litros para 7,8 litros ao ano por cidadão. “É um avanço.
Apesar de estar acima da média mundial de 6,4 litros, o país alcançou valor
inferior à média das Américas, de 8 litros”, analisa Guerra.
Se a ingestão per capita caiu, o consumo de grande
quantidade de álcool em curto espaço de tempo aumentou de 12,7% para 19,4%
entre mulheres e jovens, revela o estudo Álcool e a Saúde dos Brasileiros –
Panorama 2019 do Cisa.
“A situação é preocupante porque, biologicamente, o
organismo feminino é mais suscetível aos efeitos do álcool e o cérebro
adolescente pode sofrer danos irreversíveis”, avalia Guerra.
Jovens e gestantes estão entre aqueles que em
nenhuma hipótese deveriam tomar bebida alcoólica. O grupo do “álcool zero”, por
orientação da OMS, inclui, ainda, quem vai dirigir ou trabalhar com máquinas,
faz uso de remédios que interagem com a bebida ou tem histórico de dependência
química.
Para especialistas, porém, não basta ficar nas
recomendações. É preciso proibir e fiscalizar a venda para menores de 21 anos e
elevar o preço do produto. “O mercado no Brasil é completamente desregulado.
Quem domina a política de álcool é a própria indústria. O governo, federal,
estadual ou municipal, pouco faz”, critica Laranjeira.
Que as novas evidências ajudem a rever e a mudar
essa situação, para o nosso próprio bem e de toda a sociedade.
Problemas clássicos que o álcool causa ou amplifica
Cirrose e falência do fígado
Câncer
Hipertensão
Vício
Infarto e AVC
Transtornos psiquiátricos
Acidentes de trânsito
Violência dentro e fora de casa
Prejuízos ao feto