Muitos donos resistem à prevenção à obesidade
temendo perder o afeto dos animais ao restringir a comida. Como sair desse
dilema?
Pare pra pensar: se você soubesse de algo que
encurtaria a expectativa e a qualidade de vida do seu cão ou gato, não tentaria
fazer o possível para evitar que esse risco virasse realidade? Pois não
sucumbir aos apelos por petiscos e exageros na ração ou à preguiça do bicho de
ficar horas e horas deitadão é uma forma de prevenir a morte precoce que vem na
esteira da obesidade. O excesso de peso entre os animais de estimação avança e
já preocupa na mesma proporção que a epidemia em humanos.
Na virada dos anos 1990 para os 2000, o sobrepeso
era uma realidade para 20% dos cães na capital paulista. Mas um estudo recente,
publicado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), revelou uma cifra
muito mais preocupante: 40% de 286 cães avaliados tinham problemas com a
balança na cidade. A situação seria parecida em outras capitais do país,
acreditam os especialistas.
Os quilos a mais têm potencial para reduzir em cerca
de 15% a expectativa de vida de um cão, o que representa menos dois anos e um
mês para raças com média de vida de 14 anos, por exemplo. Além disso, traz
impactos negativos para a saúde como um todo, alimentando processos
inflamatórios que atingem coração, fígado e articulações, entre outros órgãos.
“Hoje já se sabe que certos tumores também são mais
prevalentes em animais com excesso de peso, assim como doenças de pele e
respiratórias”, explica Álan Pöppl, vice-presidente da Associação Brasileira de
Endocrinologia Veterinária.
Da mesma forma que acontece com a gente, o sobrepeso
em cães e gatos é uma combinação de ingestão calórica excessiva e pouca
atividade física — embora fatores como castração e o avanço da idade também
pesem na balança.
“Existem casos relacionados a disfunções hormonais,
como o hipotireoidismo”, observa, ainda, a veterinária Carolina Zaghi
Cavalcante, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
A grande diferença, porém, é que cães e gatos
domésticos não podem escolher sozinhos quanto vão comer e se mexer. Precisam
contar com os tutores tanto na prevenção como no controle da obesidade. E é aí
que mora o maior desafio para os veterinários que lidam com esse fenômeno.
“Tem uma questão cultural muito forte envolvida,
porque o dono expressa afeto para o animal por meio dos alimentos e isso
influencia no ganho de peso”, analisa Pöppl.
Com os séculos de convivência, os animais também
herdaram nossos (maus) hábitos. À medida que os bichos foram deixando os pátios
para se refestelarem nos sofás, eles passaram a compartilhar não só o ambiente,
mas o apetite por alimentos calóricos e a preguiça para a atividade física.
A ciência já sabe, inclusive, que regiões com maior
prevalência de sedentarismo e dieta desequilibrada afetam tanto a balança dos
humanos como a dos bichos. Na Espanha, pesquisadores constataram índices de
disfunção metabólica parecidos entre humanos e cães obesos que habitam uma
localidade considerada pró-obesidade.
Já em São Paulo, a pesquisa da USP desvendou que
mais de 75% dos bichos obesos viviam com pessoas que também têm o hábito de
beliscar.
O exagero nos snacks próprios para pets ou até
comida mesmo está entre os principais patrocinadores do ganho de peso. Vai
dizer que você nunca deu um pedaço de queijo ou carne para o animal que fica ao
seu lado com cara de pidão?
Só que especialmente os alimentos do cardápio humano
escondem armadilhas: um muffin, por exemplo, excede em 32% o total de calorias
que um cão necessita por dia. Para um gato, representa um excesso de 130% na
energia que ele deve ingerir diariamente — é como se você devorasse 13 pedaços
de pizza no intervalo entre o almoço e o jantar. E bolos, biscoitos e afins são
mais oferecidos aos bichos do que se imagina.
O que a obesidade pode fazer com órgãos e outros
cantos do organismo
Focinho: os animais obesos têm mais dificuldade para
respirar, especialmente se possuem focinho achatado. Há risco, inclusive, de
colapso da traqueia.
Boca: a doença periodontal, marcada por mau hálito,
é mais frequente em animais sem controle da dieta.
Tireoide: numa via de mão dupla, o excesso de peso
pode ser causado por disfunções hormonais ou agravá-las. Alguns bichos têm
hipotireoidismo.
Articulações: os quilos extras sobrecarregam as
juntas e levam à artrose.
Coração: problemas cardiovasculares são bem mais
frequentes em animais com sobrepeso.
Fígado: o mais comum é o aparecimento de uma
inflamação que compromete esse órgão.
Estômago: diversos tumores estão relacionados ao
excesso de gordura no organismo animal.
Sistema urinário: há maior risco de problemas ali,
inclusive no controle da urina.
Os fatores de risco da obesidade animal
O problema da falta de conscientização dos tutores é
tamanho que raras vezes aparece alguém preocupado com o peso do seu animal de
companhia nas clínicas veterinárias.
“Normalmente, eles o trazem para a consulta não para
tratar a obesidade, mas porque existem sintomas de doenças associadas, como
problemas osteoarticulares ou diabetes”, revela a veterinária Naiana Perobelli,
especialista em nutrição e fundadora da marca Bicho Balanceado, que desenvolve
dietas sob medida para animais domésticos e tem sede em Porto Alegre e Barueri,
na Grande São Paulo.
É preciso estar atento aos fatores que predispõem a
engorda, sobretudo com o envelhecimento do pet, já que o metabolismo muda e a
tendência a acumular gordura se acentua. Nesse contexto, também exigem cuidados
os animais castrados, principalmente as cadelas e os gatos de modo geral. Em
ambos os casos, rações especiais podem ser requisitadas para driblar a
tendência.
Como deve ser a alimentação dos pets
É diante desse cenário de crescimento da obesidade
que se tornaram mais frequentes e necessários os programas veterinários de
redução do peso. Fazem parte deles as rações especiais, disponíveis no mercado,
cujas fórmulas são de baixa caloria e incluem maior quantidade de proteínas e
fibras.
Mas não bastaria usar a ração normal, só que
moderando na porção? “Não dá para pegar o alimento comum e reduzir quantidades
porque é preciso garantir o aporte correto de nutrientes”, esclarece Ana
Cristina Pinheiro, gerente de marketing da Royal Canin Brasil. A marca lançou
recentemente a linha Satiety, cuja densidade mais aerada promove a sensação de
barriga cheia nos animais.
Saciar a fome sem ultrapassar a quantia estabelecida
do alimento nem sempre é simples. Novamente, a postura dos donos influencia
bastante, especialmente se o animal é daqueles que abocanham vorazmente um
prato de comida ou implora por alimento, passando a impressão de que vive
faminto.
“É comum que tutores abandonem o tratamento antes
dos seis meses porque acham que o animal vai deixar de gostar deles se
reduzirem a oferta de comida”, aponta a professora Carolina, que já
experimentou convidar psicólogos para atender pessoas que não conseguem manter
seus companheiros nas dietas prescritas.
O uso de comedouros que tornam mais lenta a obtenção
da comida também pode ser uma boa saída para aumentar o tempo de ingestão
diante da mesma porção. Há vários tipos no mercado, com saliências de alturas
diferentes onde se escondem os grãos de ração, que devem então ser caçados pelo
cachorro.
Gatos podem achar divertido ter que correr atrás de
um brinquedinho onde esteja alojado o alimento. “Assim eles acabam gastando
mais energia também”, assinala Pöppl.
A alimentação natural também pode ser uma opção para
reduzir a ansiedade nos tutores. Por ser um alimento fresco e não desidratado
como a ração, acaba tendo maior volume mesmo em dietas de restrição alimentar.
Mas atenção: nada de montar o prato de seu bicho com
dicas da internet ou do livro de receitas da vovó. A prescrição por veterinário
ou zootecnista é importante porque o menu natural exige complementação
nutricional, cujas fórmulas podem ser manipuladas em farmácias ou compradas
prontas.
A decisão sobre a quantidade de comida envolve os
objetivos da dieta: quantos quilos a perder e o prazo para atingir a meta.
Segundo os experts, a porcentagem ideal de redução de peso recomendada varia de
2 a 5% por mês, mas isso depende de raça, idade e condição do animal.
“O emagrecimento muito rápido pode causar problemas
hepáticos, por exemplo. Especialmente para os gatos, a perda de peso tem que
ser gradativa”, avisa Naiana.
Outros cuidados para vencer a obesidade
Mudar o hábito de fornecer alimento de forma
constante é outro desafio quando o assunto é evitar ou reverter o ganho de
peso. Além de contar (se possível) com uma balança para dosar a quantidade, é
recomendável estipular porções e horas fixas para oferecer a comida e pôr fim
ao hábito dos petiscos.
“Em vez de fornecer um pãozinho ou pedacinho de
queijo ou de bolo, sugiro primeiro substituir por algo como um snack zero
gordura para pet. Depois, o ideal é retirar”, orienta a professora da PUC-PR.
A proprietária da Bicho Balanceado, Naiana
Perobelli, acrescenta que é possível oferecer petiscos vegetais de baixa
caloria, como fatias de abobrinha ou chuchu. Outra possibilidade, sugerida pela
gerente de marketing da Royal Canin, é utilizar a versão úmida das rações
desenhadas para dar mais saciedade como substituto do petisco.
“O animal que sempre comeu ração seca vai entender o
novo alimento como algo adicional, e a dose poderá ser calculada dentro da
necessidade calórica de cada um”, justifica Ana Cristina.
Além da dieta, estimular o bicho a se mexer é
decisivo. Para cães, incrementar as caminhadas diárias ajuda muito. E, pensando
nos cachorros pequenos, por vezes até brincadeiras dentro de casa já servem
para torrar as calorias. Enquanto isso, os gatos merecem uma repaginada no
ambiente, como a inclusão de brinquedos para escalar e se movimentar dentro de
casa.
Mesmo animais idosos devem ser estimulados,
recorrendo, por exemplo, à hidroterapia. Se o pet estiver muito acima do peso,
o veterinário poderá orientar como incluir a atividade física na rotina sem
impor riscos.
Outro pilar essencial nessa história é o carinho. De
verdade. “Quando o animal pede atenção, imediatamente achamos que está com fome
ou deseja comer. Mas não é isso necessariamente. Se já foi fornecida a
quantidade de comida necessária, não é fome. O que ele quer é brincar,
interagir, receber um afago”, diz Carolina. Eis um convite para surpreender seu
amigo com algo que pode ser mais gostoso que um petisco.
O que fazer — e não fazer — para deixar seu pet em
forma
Acompanhe o desenvolvimento físico do seu animal com
um veterinário desde filhote.
Animais castrados podem exigir dieta especial, pois
o metabolismo muda e há tendência ao sobrepeso.
Forneça uma alimentação de qualidade, balanceada e
supervisionada por veterinário ou zootecnista.
Estabeleça horários e porções regulares de alimento
para cada animal.
Substitua petiscos por atenção, carinho, escovação
dos pelos… Desvie a atenção da comida.
Se for impossível não oferecer um petisco, opte por
pedacinhos de legumes ou snacks zero gordura.
Nos casos mais complexos, pese a comida antes de
servir para evitar excessos.
Recrute os cães para caminhadas regulares; para os
gatos, espalhe brinquedos pela casa.
Restrinja petiscos e alimentação fora de hora.
Animais idosos ou com mobilidade reduzida se
beneficiam de fisioterapia e hidroterapia.