Pessoas com essa doença têm maior dificuldade em
distinguir objetos, mesmo em quadros iniciais – e principalmente quando o
celular entra na história
O glaucoma é a principal causa de cegueira
irreversível no mundo – ela acomete 1 milhão de pessoas só no Brasil. Apesar de
relativamente comum, a doença é silenciosa: quando dá sinais claros, já está em
estágio avançado. Antes disso, porém, o indivíduo já possui perdas
imperceptíveis na visão periférica, que podem prejudicar a capacidade de
dirigir.
Dois novos estudos trazem evidências de que o
comprometimento visual dos estágios iniciais do glaucoma aumenta o risco de
acidentes. O primeiro deles, conduzido por pesquisadores do Conselho Brasileiro
de Oftalmologia (CBO) e da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, mostra que
portadores da enfermidade teriam dificuldades adicionais em distinguir objetos
muito próximos.
Os 26 participantes – metade com glaucoma e metade
sem – tinham que diferenciar a posição de um objeto em um monitor quando
apresentado com outros itens ao redor. Os cientistas então analisaram as
respostas e outros parâmetros, como exames que medem a sensibilidade e a
espessura do nervo óptico, que transmite as imagens ao cérebro.
Nos acometidos pelo glaucoma, o efeito chamado de
crowding, quando as imagens se misturam, foi bem mais pronunciado.
“E notamos
isso até nos estágios iniciais da doença, o que pode comprometer a realização
de tarefas do dia a dia, como dirigir”, explica a oftalmologista Nara Ogata,
uma das autoras do trabalho. “Quando a pessoa com a condição pega no volante,
os objetos podem aparecer mais embaralhados: a placa em cima da árvore, outros
carros, e por aí vai”, comenta.
Tempo de resposta também é abalado
Outro estudo, conduzido pela mesma equipe e com
publicação prevista para abril no periódico científico Jama Network, colocou os
pacientes com glaucoma em um simulador de direção de alta fidelidade. O
objetivo era verificar a performance deles no volante com a presença de um
elemento distrativo e popular, o celular.
A tarefa consistia em seguir na faixa correta em uma
estrada sinuosa, enquanto o tempo de reação a estímulos visuais periféricos era
analisado sem e com o uso do telefone. No segundo caso, os participantes
deveriam ouvir frases emitidas pelo aparelho e relembrar a última palavra de
cada sentença.
No final, a reação dos voluntários com glaucoma a
objetos que surgiam na pista virtual ou outras intercorrências na paisagem foi
significativamente mais lenta do que no grupo sem a doença. Pior: quando
estavam com o telefone, as vítimas desse problema de visão tiveram um
desempenho ao volante duas vezes pior.
“Notamos que não só a perda de visão periférica é
afetada, mas o tempo que leva para o indivíduo reagir e processar a imagem é
maior”, aponta Nara. “Se algum objeto entrar na frente dele, ele pode demorar
mais para frear”, exemplifica.
E o mais preocupante: 59% dos participantes
declararam se sentir capazes de dirigir enquanto manuseavam o telefone.
O que fazer
Quem tem glaucoma não está proibido de dirigir, mas
com certeza deve discutir o assunto com o médico. “É preciso fazer uma
avaliação individual e verificar o estágio da doença antes de tomar qualquer
decisão”, ensina Nara.
Caso a autorização para conduzir seja dada, fica o
alerta de nunca utilizar o telefone ao volante. “Na presença do glaucoma, o
campo de visão já está mais restrito. Ao dividirmos a atenção com o celular,
dependemos ainda mais da visão periférica, que é justamente a prejudicada pela
doença”, raciocina a oftalmologista.
O pior é que muita gente tem o problema e nem sabe.
Estima-se que 80% dos portadores não apresentem sintomas.
Como os estudos mostraram, mesmo na etapa mais
silenciosa, os danos ao nervo óptico podem atrapalhar a rotina. Mas como
flagrar cedo esse transtorno oftalmológico? “O maior desafio é conscientizar a
população sobre a importância dos exames de rotina. Quanto antes o glaucoma for
detectado, mais fácil será o controle”, afirma Nara.
Mesmo que não tenha cura, a condição pode ser freada
com medicamentos e outros tratamentos. Os testes que a diagnosticam são
simples, feitos no próprio consultório do oftalmologista. Pessoas com pressão
alta ou histórico de glaucoma na família precisam fazer esse rastreamento mais
vezes.
Vale checar com o médico. A visão agradece.